segunda-feira, 1 de novembro de 2010

História alternativa

Navio de Zheng He comparado com o Santa Maria de Colombo.

Os nossos conhecimentos de história nos induzem a acreditar que as maiores navegações, aquelas que levaram às descobertas de novas terras e que moldaram a feição do mundo moderno, foram empreendidas pelos espanhóis, holandeses, portugueses e ingleses. Assim, sabemos que “pela primeira vez”, europeus desembarcaram em terras que passaram a ser conhecidas como Novo Mundo; que ingleses descobriram inúmeras ilhas do Pacífico e foram os primeiros a desembarcar na Austrália e Nova Zelândia; que espanhóis descobriram as Filipinas; que portugueses fundaram Goa na Ásia e desembarcaram em Timor, e aí por diante.

Em 1492, como sabemos, Cristóvão Colombo lançou-se numa das mais ambiciosas expedições conhecidas. Contudo, o que poucos sabem, mas está devidamente registrado nos anais chineses, é que 87 anos antes de Colombo iniciar sua viagem, um almirante chinês chamado Zheng He, zarpou na sua primeira de uma série de sete expedições tão ousadas quanto à de Colombo. Os navios e as esquadras de Zheng eram monumentais se comparados com os galeões e caravelas usados pelos ibéricos. Em sua primeira viagem, em 1405, ele contou com 417 barcos e 28 mil homens, em comparação com as três embarcações e 150 marujos de Colombo. Além disso, as maiores embarcações da frota chinesa, chamadas “navios do tesouro”, de nove mastros, tinham em torno de 400 pés, mais de quatro vezes o comprimento da nau Santa Maria do navegador genovês. Os registros contam que era preciso derrubar 120 hectares de floresta para construir apenas um desses navios. Coisa de louco. Diferente dos comboios europeus em que os navios iam abarrotados de homens, víveres e equipamentos, tudo junto e misturado, os chineses designavam suas embarcações para transporte diferenciado. Assim, havia navios destinados a transportar cavalos, equipamentos, alimentos, água e, é claro, soldados. O menor barco da frota de Zheng, um vaso de guerra de cinco mastros altamente manobrável, tinha o dobro do tamanho de um galeão espanhol típico.

Os navios chineses, espelhando a atenção detalhista e o apuro que aquele povo empresta a suas criações, eram verdadeiras obras de arte. Construídos de madeiras leves tratadas com técnica milenar, possuíam encaixes complexos, vedações elaboradas e quilha corrediça, de modo que além de um design avançado, eram muito manobráveis, resistentes, rápidos e flutuavam bem. Os navios do tesouro, mais sofisticados, tinham grandes cabinas luxuosas, velas de seda e janelas envidraçadas. Todos eram construídos nas docas secas de Nanjing, o estaleiro mais avançado e maior do mundo.

O propósito de frota tão grande e impressionante era “chocar e maravilhar” os habitantes da área circundante ao Império do Meio, como era conhecida a China da dinastia Ming. Nas sete expedições realizadas entre 1405 e 1433, Zheng viajou pelas águas do oceano Índico, em torno do sudeste da Ásia, pela costa leste da África e há indícios que até pelo Mar Vermelho. “Descobriu” terras, distribuiu presentes para os nativos e cobrou tributos. Quando encontrava resistência, mandava força militar para cima dos recalcitrantes, não perdoava oposição. Em uma das viagens capturou e levou para a China um pirata famoso de Sumatra; em outra, um chefe rebelde do Ceilão. Retornou de todas elas com plantas, frutas, pedras preciosas e animais exóticos, entre eles girafas, zebras e leões para o zoológico imperial. Suas expedições tinham cunho exploratório-militar-econômico-científico.

Contudo, embora as viagens de Zheng tenham aberto as portas do mundo para a dinastia Ming, a história dele termina de maneira abrupta e bizarra. Na década de1430 um novo imperador subiu ao trono chinês. Ele cancelou de imediato as expedições imperiais e deu as costas ao comércio externo e às explorações, na verdade tornou o Império do Meio isolado do resto mundo. Alguns funcionários, mancomunados com empresários ricos, tentaram manter as viagens sem qualquer sucesso. No ano de 1500 a corte decretou que quem construísse barcos com mais de dois mastros seria executado. Quem tem pescoço tem medo, os ousados botaram o galho dentro. Em 1525 as autoridades costeiras receberam ordens para destruir quaisquer embarcações oceânicas que encontrassem e prender seus proprietários. Em 1551 tornou-se crime sair para o mar num navio de muitos mastros, para qualquer finalidade. Em 1644 sobe ao poder a dinastia Qing, e parece que o novo imperador tinha pouca fé em decretos, então mandou incendiar uma faixa de mil quilômetros de comprimento da costa meridional, tornando-a inabitável. Assim extinguia de vez quaisquer possibilidades de novas expedições marítimas, para sempre. Essas medidas tiveram o efeito desejado: a indústria naval chinesa foi pro brejo. Em consequência, nas décadas seguintes navegadores ocidentais navegaram as costas chinesas e indianas, mas só depois de trezentos anos um navio chinês chegou à Europa, precisamente em Londres em 1851, para a Grande Exposição.

A extinção das viagens marítimas foi, para a China, uma decisão fatal, ela voltou as costas para o mundo na época em que a Europa, justamente, empreendia expedições por águas nunca dantes navegadas e expandia os horizontes conhecidos. Provavelmente, a decisão chinesa de voltar sobre si mesma e contemplar o próprio umbigo tenha contribuído para que a face do mundo moderno seja o que é, ou seja, a China perdeu a oportunidade de criar uma alternativa para a História. Se os chineses tivessem ousado um pouco mais, é lícito supor que grande parte do Ocidente hoje estivesse falando mandarim e comendo Chop suey com dois pauzinhos. A história é feita de acasos, ninguém a constrói de propósito ou a descreve como será no futuro. JAIR, Floripa, 01/11/10.

5 comentários:

R. R. Barcellos disse...

- Zheng He... eu mentiria se dissesse que já tinha conhecimento desse explorador chinês... mas conheço bem o Jair, e acho que você, meu amigo, vestiu a camisa de um Marco Polo dos nossos dias e trouxe ao conhecimento dos desinformados ocidentais uma saga oriental para muitos desconhecida.
- Fiz uma rápida pesquisa antes de comentar, e descobri o que já esperava: entre as muitas versões conflitantes, você escolheu a mais chamativa. Acho que as dimensões e a quantidade de navios das frotas do almirante chinês estão exageradas - exatamente como os relatos de Marco Polo.
- Mas, como esses mesmos relatos, a substância da sua matéria é inquestionável. A história das grandes navegações teria sido outra, se os imperadores chineses da época tivessem um pouco de visão do potencial de comércio das terras distantes e desconhecidas.
- Abração.

Leonel disse...

Mais um resgate histórico do veterano do SAR!
Esses fatos são pouco conhecidos e mostram que uma civilização mais antiga e avançada como a chinesa tinha também uma margem tecnológica sobre os ocidentais.
Mas, como às vezes se repete na história, um governante míope atrapalha os destinos de um país.
Inexplicável a decisão de isolar-se do mundo.
Mas o povo chinês não teve culpa, pois não escolheu o imperador...
Ainda não li outras versões destes fatos, mas gostei bastante dessa.
Parabéns, Jair, por melhorar minha cultura!
Abraços!

Sturtz disse...

Grande Jajá.
A vida é assim mesmo. As vezes a vontade de um (no caso o "imperador") atrasou, com certeza, a história do mundo.
Sabe-se lá qual oráculo o infeliz consultou para determinar a destruição de sua marinha.
O Brasil já teve a segunda marinha do mundo - em priscas eras - e depois minguou.
Matutando-se a respeito do recente acontecimento político-partidário acontecido no pais (p minusculo mesmo) vamos pagar pra ver o que aquela infeliz e sua trupe farão com o nosso Brasil.
Espero que a imperatriz ou meretriz, ou infeliz não faça o que fez o imperador.
Um grande abraço.
STZ

J. Carlos disse...

Essa não disposição dos chineses para explorar era uma espécie de marca registrada deles. Eram uma cultura que "se achava", consideravam-se melhores que quisquer outras culturas do Pleneta. Se auto denominavam Império do Meio, justamente, porfque os resto era periferia para eles. Era um misto de arrogância e ignorância o que os tornava únicos e isolados. Hoje pretendem dominar o mundo de outra maneira: comercialmente, inundando os mercados de todos os países com seus produtos. É uma espécie de afirmação: "Estávamos bem isolados, vocês nos despertaram, agora vejam do que somos capazes. Somos o IMPÉRIO DO MEIO!!!"

Vieira Rocha disse...

Muito curiosa a disputa por uma pedra, tao importante que envolveu a nacao mais poderosa do planeta!?!???......!!!!! Nao da para acreditar!!!
Quanto ao retrocesso nas navegacoes maritimas chinesas, a historia lembra outros retrocessos que assistimos no dia a dia, em varios lugares do nosso mundo.
Abracos.
VRO.