terça-feira, 15 de maio de 2012

Terremoto de Lisboa

As grandes catástrofes naturais que atingiram a civilização nas últimas décadas, como vulcões, terremotos, enchentes e tsunamis e até vazamentos de usinas nucleares como em Chernobil e no Japão ano passado, têm sido catalogadas como as maiores já acontecidas desde que o homo sapiens se pôs a registrá-las. Contudo, proporcionalmente, o maior cataclismo já acontecido foi o terremoto de Lisboa de 1755. Em primeiro de Novembro daquele ano ocorreu uma catástrofe tríplice na cidade e seus arredores que, sem qualquer concessão, foi o desastre maior que já atingiu a Península Ibérica. As 9 horas e 20 minutos da manhã a terra estremeceu e fez cerca de 100.000 mortos em virtude dos desmoronamentos, de incêndios que acabaram com o resto que havia sobrado e de três colossais tsunamis que se seguiram. Católicos de todas as cores e de todo o mundo rezaram por Lisboa e os lisboetas, porque a capital de Portugal era (ainda é) uma das cidades mais beatas do Planeta.  
Naqueles tempos ainda existia inquisição na Península, e tanto cristãos velhos como conversos, ou cristãos novos, praticavam um catolicismo de curral que não lhes permitia divergir um cagagésimo sequer dos ritos preconizados pela igreja, sob o risco de enfrentar atos de fé que poderiam até levá-los para a fogueira. Então, era comum os cidadãos encomendarem junto às suas paróquias, para depois da morte, uma infinidade de missas e solicitações de velas e rezas para que suas almas descansassem em paz. Naturalmente todas as missas e velas eram pagas antecipadamente. A inquisição, venal como era, via nessa “devoção” uma fonte de renda copiosa e inesgotável. E os devotos não tinham escolha, suas almas dependiam de seus recursos.
Contudo, para decepção dos católicos que haviam colocados suas fichas nessa loteria póstuma, sua devoção de nada adiantou e Lisboa foi punida como Sodoma o fora nos tempos bíblicos. Ficou registrado que o otimismo gerado pela filosofia de Leibniz, a qual afirmava que “vivemos no melhor dos mundos possíveis” e que havia contaminado as mentes européias, ficou extremamente abalado pelo virtual desaparecimento de Lisboa. O otimismo praticado não previa espaço para destruição de cidades, um acontecimento desses jamais poderia caber “no melhor dos mundos”.
Devemos lembrar que as obras de reconstrução da cidade coordenadas durante o mandato de Marquês do Pombal, eminência parda do reinado do pífio Dom José desde 1746, foram facilitadas graças ao esbulho do ouro vindo do Brasil que permitiu a reconstrução da nova cidade, moderna, no lugar da Lisboa medieval que ainda existia nos finais do século dezoito. A reconstrução da cidade destruída tornou-se uma prioridade quando praticamente nem tinham terminado os tremores, ou seja, já no dia seguinte o plenipotenciário e despótico Marquês de Pombal começou a esboçar ideias para reconstruir aquilo que havia desaparecido e consertar o consertável. A despeito do péssimo juízo que se faz de Pombal pela sua suposta arrogância, por seu mandato ditatorial e pela expulsão dos jesuítas em 1757, é inegável que foi graças a sua energia que se puderam reparar os danos que o sismo havia causado. A história registra que ele começou dizendo "Enterrem os mortos e alimentem os vivos" e, arregaçando as mangas, tornou-se um trabalhador incansável que só parou quando a morte veio ao seu encontro. Em razão de sua determinação e capacidade de trabalho, Lisboa reergueu-se rapidamente e melhorou sob todos os aspectos, tornou-se uma cidade moderna.
Com um sismo de 9,0 graus na escala Richter, (esclarecendo, a escala Richter ainda não existia, mas os geólogos atuais deduzem os valores dos terremotos antigos pelos estragos que fizeram e pelos sinais que deixaram nas camadas do solo) a cidade estremeceu violentamente e começou a desabar como um castelo de cartas. Era dia de todos-os-santos e, por isso, calou fundo no imaginário carola da maioria da população. Nas casas ardiam velas nos oratórios, o que pode ter contribuído fortemente para o incêndio das ruínas causadas pelo abalo. O povão, apavorado pelos incêndios, correu como uma onda à zona portuária, local menos atingido pelas chamas. Foi aí que a coisa ficou mais feia ainda. Um enorme tsunami de mais de trinta metros de altura, galgou as beiras do rio Tejo e invadiu as ruas e casas já destruídas, e, em seguida, no rastro da primeira, vieram mais duas ondas gigantescas. 
Alguns fiéis, genuflexos e consternados, persignavam-se, elevavam os olhares para o céu na vã esperança que uma luz das alturas lhes viesse acudir, mas a massa daquele povo assustado tentou fugir das praias, mas tropeçava nos escombros e caía nas chamas, estava literalmente entre o fogo e o mar ameaçador. E os desabamentos das paredes que restavam, combinado com o fogo apavorante e a água que levava tudo de roldão, fizeram que metade da população da cidade morresse ou desaparecesse.  Montões de cadáveres despedaçados, queimados e afogados atestavam o poder fenomenal dos eventos. Para muitos, aquele Deus vingador do velho testamento julgara Lisboa e a condenara por seus pecados e iniquidades, como outrora fizera com Sodoma.
Contrariamente aos cidadãos comuns e escravos que viviam nas partes baixas da cidade em casas de qualidade inferior, a nobreza, o clero e os áulicos do poder habitavam construções de boa qualidade nas partes mais altas, então não é de estranhar que estes tenham, na sua maioria, saídos incólumes ou tenham tido prejuízos materiais de menor monta, quase sem perdas de vidas. O terremoto de Lisboa fora extremamente indulgente com as classes sociais altas e terrivelmente malévolo com o povão. Pareceu até justiça divina ao contrário. Eu hein! JAIR, Floripa, 29/04/12

6 comentários:

Professor AlexandrE disse...

Muito interessante meu amigo... Com certeza, indicarei esse texto aos meus alunos para que além de obter ótimas informações de forma clara e 'tranquila' possam compará-las com informações de outros terremotos para que lhes sirva de subsidio intelectual para o ENEM...
Parabéns pela qualidade da postagem!

Abraços...

Tais Luso de Carvalho disse...

Nossa!! Foi uma tragédia, mas tive de rir da sua maneira de contar, achei ótima a narrativa; li num gole! Seu humor está ótimo, já não diria o mesmo dos irmãos, lá: se fossem narrar.
Mas você narrou sob vários ângulos, nos passou muita coisa, uma visão de 'lente grande angular' num texto muito gostoso.
Gostei imenso!rsr
Abraços, Jair.

Carlos Morelli disse...

Desse terramoto emergiu um grande homem, cuja
energia e determinação salvaram Lisboa do caos, o Marquês de
Pombal.!!

Luci disse...

Vou divulgar seu blog para a prima e sobrinha que já viveram lá em Portugal. Estou ficando bem informada graças ao amigo escritor e leitor voraz que degusta o sabor dos conhecimentos e divide-os com
seus assíduos seguidores, no meu caso,semi-beletrista.Rsss.Luci.

Attico CHASSOT disse...

Meu caro Jair,
mais uma bem fornida aula de história trazida de maneira irônica/tétrica. Vale acrescentar que 01 de novembro era dia santo (dia de todos os santos) razão pela qual o 'açoite divino' pegou a beataria toda nas igrejas.
Realmente o Marques de Pombal (aquele que expulsou os jesuítas do reino e colônias) foi o herói da reconstrução.
Com merecido cumprimentos,
attico chassot

Leonel disse...

Parece que a ira divina é tão irracional quanto qualquer ira!
Um fato marcante da história, pouco conhecido pela maioria das pessoas!
Mais uma aula de história, Jair!
Abraços!