segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Sobre "Cartas de Iwo Jima"


Em geral, filmes sobre a guerra, ou “de guerra” como se costuma dizer, são confeccionados segundo uma fórmula dicotômica: nós versus eles, nós somos os mocinhos e eles os bandidos, nós somos bons e eles maus. Há ainda o corolário: o bem sempre vence o mal. Com raras exceções, a fórmula permanece e até dá luz a bons filmes, apesar da pobreza de enfoque. Fora do esquema, aponto dois filmes que podem ser classificados como os melhores filmes de guerra que já se fez: “O resgate do soldado Ryan”, de Spielberg, e agora “Cartas de Iwo Jima” dirigido por Clint Eastwood, o qual se consagra para sempre como diretor, mesmo porque, naquele ano lançou “A conquista da Honra”, filme que vende o peixe sob a ótica americana sobre o mesmo episódio da guerra.

Vejamos o que a história real registra. Em 19 de fevereiro de 1945, os Marines dos USA invadiram por mar a ilha de Iwo Jima, uma ilha vulcânica no meio do caminho entre as pequenas ilhas Marianas e Japão, aliás, segundo alguns estudiosos, Iwo Jima quer dizer exatamente isso: Ilha do meio. O desembarque iniciou combates que duraram mais de um mês. Encontros extremamente sangrentos entre três divisões marinhas e mais de 20.000 defensores japoneses. Ao final de março de 1945, quando os fuzileiros foram substituídos por uma guarnição de soldados do Exército, mais de seis mil norte-americanos haviam sido mortos, junto com mais de noventa por cento dos japoneses. Quando dessa invasão, a Armada Combinada do Japão já não mais apresentava perigo, havia sido praticamente dizimada na batalha pelas Marianas, de modo que a resistência japonesa se resumia a suas tropas de terra compostas por marinheiros e soldados do exército imperial.

O filme, cujo nome original é, “Letters from Iwo Jima”, enfoca os preparativos para defender a ilha sob o ponto de vista dos japoneses. É um dos raros filmes americanos em que o inglês é idioma secundário e onde os soldados americanos são coadjuvantes dos japoneses, porque a estória gira em torno de personagens japoneses falando na sua própria língua. O argumento da estória aproveita personagem real da história, general Tadamichi Kuribayashi, que fora convocado pelo ministro Anami para substituir o almirante Nishi no comando das tropas que defenderão Iwo Jima até o último homem, segundo doutrina vigente nas forças japonesas.

O General Kuribayashi, que falava inglês e conhecia os EUA por ter estudado lá, uma vez que assume o comando, imediatamente propõe-se a preparar as defesas para o ataque iminente. Contudo, não favorece a abordagem rígida tradicional recomendada pelas regras e por seus subordinados, decide, ao invés de atacar os americanos no desembarque, construir fortalezas subterrâneas de onde pretende oferecer resistência de guerrilha contra o invasor. Também está ciente que a marinha japonesa não virá em seu socorro, fato que determina resistência suicida de suas tropas, não tem ilusão que dali jamais sairão vivos. Nos escalões mais baixos, um jovem soldado, Saigo, um padeiro pobre na vida civil, esforça-se com seus amigos para sobreviver ao duro regime do exército japonês em si, sabendo o tempo todo que uma feroz batalha se aproxima. Quando a invasão norte-americana começa, tanto Kuribayashi e Saigo encontram força, honra e coragem frente a horrores além da imaginação.

Bem, o filme aproveita também a mania que tinha o general de escrever sobre as condições da ilha, sem jamais enviar as cartas a seus familiares. No início, no tempo atual, uma turma de arqueólogos, inspecionando as cavernas feitas pelos soldados japoneses, encontra um baú enterrado com dezenas de cartas que descrevem as agruras e o sofrimento dos militares.

A partir do achado as ações se desenvolvem como se fossem contadas pelos personagens, o general Kuribayashi, o soldado Saigo e o capitão Tanida que em 1932 participou das olimpíadas na categoria de hipismo, onde conquistou uma medalha e angariou simpatia de americanos.

Mas o que predomina nas cenas mais marcantes é a ideologia, a devoção fanática que os japoneses dedicam ao imperador e à Pátria. Suas vidas nada valem, a Pátria está acima de tudo, a morte é apenas uma forma de demonstrar lealdade e devoção a causa. Apenas Saigo não tem convicções tão fortes e procura sobreviver para conhecer sua filha que nasceu enquanto ele está na guerra. Cenas terríveis de mortes desnecessárias em ataques suicidas se sucedem até que, não mais havendo água e munição, os últimos soldados imolam-se dentro das cavernas explodindo granadas junto ao coração. A história real nos conta que assim foi, e o filme mostra com grande realeza.

Para os Fuzileiros Navais dos EUA, Iwo Jima foi a mais difícil das muitas batalhas da segunda guerra mundial. Continua a ser uma demonstração de resistência e do papel essencial da infantaria, quando o solo deve ser ocupado e conquistado, mesmo quando no ar haja domínio e do mar não se espere resistência. O heroísmo dos atacantes foi reconhecido pela atribuição de nada menos que 27 Medalhas de Honra , mais da metade dada a título póstumo. Em mãos americanas, Iwo Jima logo se tornou uma importante base para o ataque final ao Japão. Mesmo que os B29 com as bombas A não tenham partido da ilha, levas de bombardeiros com bombas convencionais levaram morte e destruição ao Japão a partir de Iwo Jima.

O filme é forte, foge do esquema convencional e olha a invasão da ilha pela ótica dos soldados japoneses. Eu o assisti duas vezes porque está no alto do pódio dos filmes de guerra. JAIR, Floripa. 08/11/10.

4 comentários:

Leonel disse...

Brilhante a sua abordagem sobre um filme brilhante, onde tudo gira em torno de fatos reais e trágicos como esta sangrenta batalha.
À medida que a frente de combate se aproximava do Japão, os soldados japoneses se tornavam mais dispostos a se sacrificar pelas suas convicções político-religiosas, apesar do filme mostrar que até entre eles havia os que questionavam a validade do seu sacrifício.
Seu texto, mais do que uma sinopse, é uma análise objetiva de fatos chocantes e reais.
Congratulations, Jair!

Milene Lima disse...

Seus comentários são sempre claros e nos remetem ao filme facilmente. Brilhante, como disse o Leonel.
Também não compreendo como numa guerra, em que as pessoas são mortas em nome de uma pseudo causa, possa haver mocinhos e bandidos.
Vi O Resgate do Soldado Ryan, mas este ainda não.
Verei certamente.

Mais uma vez obrigada pela dica.
Abraços.

Vieira Rocha disse...

Boa dica JJ

Os comentários estão muito bons. Vou assistir.
Abraço.
VRO.

J. Carlos disse...

Assisti e concordo, é um dos melhores filmes de guerra já produzidos.