quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Inquisição no Brasil

Ao contrário do que a historia oficial, provavelmente influenciada pela igreja católica, diz, no Brasil houve inquisição sim. Mesmo aqui não tendo sido instituído um tribunal permanente como aconteceu nos países dominados pela Espanha, os rastros de suas visitações, perseguições, denúncias, inquéritos, prisões, processos e julgamentos pairaram sobre a cabeça dos “hereges” até o século dezenove.

A Inquisição no Brasil tem origem na inquisição portuguesa, a qual estava vinculada à Inquisição Ibérica. Essa tardia inquisição brasileira embora utilizando os mesmos métodos brutais da inquisição medieval, não está vinculada àquela. Na Península Ibérica quem instituiu a inquisição foram os reis e não o Papa. Sua maior motivação foi o “problema converso”, ou seja, os cristãos novos, judeus convertidos.

Por muitos séculos, durante a ocupação moura, cristãos, mouros e judeus conviviam pacificamente e misturavam-se muito bem na Península, não havia hostilidade maior entre eles, que entre vizinhos comuns. Depois da chamada reconquista, quando os espanhóis expulsaram os mouros em 1478, os reis católicos Fernando e Isabel, instituíram finalmente a Inquisição. O tristemente famoso Tomás de Torquemada é fruto dessa hedionda decisão dos reis católicos.

Mas, por muito tempo antes, a maior preocupação dos reis espanhóis era o avanço econômico, intelectual e político dos judeus, que por serem letrados competiam em prestígio com o clero e, por casamentos, se imiscuíam na nobreza. No século quatorze, ainda que não existisse o termo pogrom (palavra russa para matança programada de judeus), eram comuns as perseguições antijudaicas na Espanha, sendo que em 1391 realizou-se o maior massacre. A partir desse ano surgiram os cristãos-novos (convertidos voluntários ao catolicismo para escapar da morte). Teoricamente a conversão garantia o status dos ex-judeus, ou seja, o convertido poderia manter suas posições econômicas e políticas. Contudo, tanto o clero como os que se sentiam incomodados, passaram a chamar pejorativamente os conversos de “marranos” (porcos). Pelos estatutos da “pureza de sangue”, quem se habilitasse para cargos públicos ou vida acadêmica tinha que provar não ter nenhum ascendente mouro ou judeu. No Brasil, a exigência se estendia a inexistência de sangre negro ou indígena. Pelo visto, Hitler dispunha de fontes copiosas de onde beber sua ideologia insana.

Entretanto, a maior razão para o funcionamento dos tribunais inquisitoriais era de ordem econômica, os bens dos acusados sempre eram confiscados. E não esqueçamos que, ser acusado era prova de culpa. Com os lucros da inquisição os reis católicos conseguiam armar seus exércitos e manter a pompa tão necessária à nobreza. Então, sobrou para os mouros e judeus a escolha definitiva entre o batismo e o exílio. Por isso, milhares de judeus juntaram seus bens e atravessaram a fronteira para Portugal. O rei português, Don Manuel, o Venturoso, obrigou-os à conversão. Menos mal, já que em Portugal consideravam a conversão apenas pro forma, sem efeito prático a não ser cumprir os ritos católicos. Contudo, a exemplo dos reis espanhóis, os monarcas portugueses começaram a vislumbrar uma fonte de renda atrativa nos conversos. Mesmo porque, estes, no mais das vezes, só se “convertiam” para evitar punição e impostos que cairiam sobre os não conversos, na vida em família continuavam praticando seus rituais judaicos como se nada houvesse mudado.

Com as descobertas portuguesas, especialmente das terras que viriam a se chamar Brasil mais tarde, os conversos viram uma oportunidade de afastar-se de Portugal para um lugar onde, talvez, as garras inquisicionais não os alcançassem. Assim, desde as primeiras levas de colonos e exilados que aqui aportaram, existia uma boa porção de marranos “mesclando” aqueles aventureiros audazes. Seja porque o poder português exercia sua preocupação com a pureza da raça com excesso de zelo, ou porque os cofres dos reis sempre estavam necessitando de mais numerário, a Inquisição atravessou o Atlântico e veio buscar hereges nas Terrea Brasilis. O sossego dos marranos não tardou em acabar. O Brasil já não era um porto seguro para almas que não estavam em plena sintonia com os ritos cristãos, ou que eram conduzidas por corpos que detinham bens possíveis de serem confiscados pela igreja.

Assim, uma vez instalada a Inquisição no Reino, sobrou para as Colônias, em especial para o Brasil. O primeiro Visitador do Santo Ofício, como eram chamados os inquisidores, do país foi Heitor Furtado de Mendonça que aqui chegou (no Recife) em 21 de setembro de 1593 a bordo do navio São Miguel.

Todos deviam prestar-lhe recepção e respeito perante a pompa da comitiva na sua passagem pelas ruas de Olinda. A presença do Visitador deveria ser ostensiva, todos deviam jurar-lhe fidelidade e ajuda, sob pena de excomunhão.

Devidamente estabelecido nas melhores acomodações possíveis, o inquisidor reuniu na igreja todos os habitantes: homens e mulheres, cristãos-novos e cristãos-velhos, nativos, emigrados, escravos e libertos.

Os éditos de fé afixados nos locais mais visíveis listavam as heresias e apostasias, as práticas judaizantes, maometanas ou luteranas, a sodomia, a molícia (vagabundagem), as bestialidades, as bruxarias, as superstições e a leitura de livros proibidos.

A história registra que a primeira vítima brasileira da inquisição foi Brites Fernandes, cuja única heresia a lhe ser imputada era ser filha de Branca Dias e Diogo Fernandes, já falecidos, mas que, quando vivos praticavam ritos judaizantes, segundo se ouviu falar. É de se notar que Brites gozava de boa situação financeira, visto que seus pais haviam sido donos de engenho de açúcar e lhe deixaram bens e dinheiro como herança. Depois de acusada, Brites foi conduzida a Portugal, onde foi efetivamente torturada e condenada. Apesar de ter escapado da morte na fogueira, perdeu todos os bens que tinha e viveu até 1604 mendigando nas ruas de Lisboa, vestida com sambenito, espécie de bata de cores berrantes a que eram obrigados a vestir os condenados por heresia.

Depois da primeira visitação ao Brasil, vieram outras que mandaram para a fogueira ou para a prisão inúmeros hereges. Lembrando que a Colônia era o reino da exclusão. Aqui desaguavam todos os excluídos como ladrões, degredados, hereges, ciganos, prostitutas, feiticeiras, cristãos-novos fugidos da perseguição inquisional e aventureiros de toda espécie, de modo que o Visitador encontrou um terreno fértil onde plantar sua horta de “justiça divina” para purificar a cristandade através dos métodos mais impiedosos imagináveis. JAIR, Floripa, 10/11/10.


10 comentários:

Chá das Cinco disse...

Uma postagem inteligente, parabéns!
Obrigada por dividir o teu conhecimento.

O povo judeu foi e sempre será perceguido por uma razão simples, eles não tem medo de mostrar que os negócios são desafios constantes,que o conforto, a intelectualidade e o amor as tradições da sua cultura é primordial para formação de uma família.

Gente assim é repudiada pelo holocausto social.

Ainda hoje os judeus são odiados por saber fazer vidas de maneira nobre, e não poderia ser diferente quando se vive dentro da total responsabilidade.

Baseado na teoria da genética, a inteligencia e os dons para os negócios está no sangue.
Se tem alguém que pode ser orgulhar da raça estas seria os judeus.
Mais uma qualidade,são humildes.

Gemária OLIVEIRA

J. Muraro disse...

Belo texto seu Jair.
Acho que já é tempo de deixar de lado a hipocrisia e admitir que as religiões são o maior entrave para que haja harmonia entre os povos, independente de origens, culturas e civilizações. A guerra do Iraque é prova dessa intolerância, a qual se chamava inquisição e hoje é conhecida como fundamentalismo.

Leonel disse...

Alô, Jair!
Com base na tua excelente pesquisa, podemos dizer que o nosso "amigo" Adolf nem ao menos foi original!
Apenas repetiu o que outros já faziam antes, usar religião ou racismo como pretexto para saquear as gordas posses dos filhos de Israel, que sabem como ninguém acumular e administrar bens e capital!

Amélia Ribeiro disse...

Olá Jair,

parabéns pela aula de História que aqui nos deixas e pelo trabalho que tiveste a preparar esta maravilhosa exposição de factos históricos.

Um beijo.

R. R. Barcellos disse...

- Quem já leu As Minas de Prata, de José de Alencar, pôde ter um vislumbre da ação inquisitorial no Brasil. É um verdadeiro "Romance Histórico", onde a fantasia se encaixa perfeitamente na realidade. Parabéns pelo belo texto. Abraços.

Vieira Rocha disse...

Muito bom JJ !!
Os episodios ligados a inquisicao, do meu conhecimento, estavam ligados a Europa. Acredito que devido aos dedobramentos dos fatos, aqui ocorridos, terem se dado em Portugal, houve o mascaramento da aplicacao desse absurdo no Brasil. Valeu a abordagem!!!
Abraco.
VRO.

Anônimo disse...

Olá Jair,

cheguei ao seu blog por acaso, ao fazer uma pesquisa sobre "numismática cédula revolução francesa" no google e fiquei muito impressionado com o ótimo trabalho que você desenvolve. Muito interessante mesmo. Seus "pitacos" são uma beleza. Mostram como a internet pode ser utilizada positivamente, para propagar cultura e arte. Acho que as pessoas deviam seguir esse exemplo, em vez de perder com futilidades. Parabéns!

Márcio F Fernandes

JAIRCLOPES disse...

Obrigado Márcio,
Procuro escrever um pouco de tudo exatamente para leitores como você. Agradeço a visita e informo que muitos textos que publiquei, juntamente com outros inéditos foram transformados em livro "A fonte e as galinhas" o qual fez tanto sucesso que já esgotou nas livrarias aqui de Floripa, espero lançar uma segunda edição e o segundo livro "O Tuaregue", também com textos do blog, sairá em fevereiro. Mais uma vez agradeço e continue me visitando, procurarei "manter o nível" sempre pois sei que existem leitores que gostam de bons textos. Abraços, JAIR.

Anônimo disse...

Olá,

Vou virar freguês de carteirinha de seu blog.

Gostaria que me indicasse em qual livraria esteve a venda o livro a "Fonte e as Galinhas", pois sou também de Floripa e procurei em todas e ninguém soube me informar nada, nem sobre o título, nem do autor.

Gostaria muito de adquirí-lo.

MF

JAIRCLOPES disse...

Márcio,
A primeira edição esgotou, penso em lançar asegunda em fevereiro. Contudo, a Biblioteca Pública de Floripa tem três exemplares, é só procurar la. Abraços, JAIR.