No estreito de Gibraltar existe uma pequena ilha, possessão espanhola, de dimensões 500 metros comprimento, 300 de largura e 70 de altura no ponto mais alto, cujos únicos habitantes são cabras. Seu nome é Isla de Perejil, sendo que perejil é salsinha em espanhol, porque salsa silvestre, a qual serve de alimento para as cabras, abunda na ilha, que nem água tem. A ilhota se situa a oito quilômetros do ponto mais próximo da província de Ceuta, possessão espanhola do lado de lá do Estreito, e apenas 200 metros de Benzú no Marrocos. Pois é, considerando que a minúscula ilha está mais próxima do Marrocos do que da Espanha, em julho de 2002, o governo do Marrocos enviou doze (veja bem, eu disse: DOZE) soldados para aquele penedo, - que eles chamam de Leila - e lá fincou uma bandeira. Sua intenção era tomar posse da ilha, mas devido às condições inóspitas daquela rocha, doze marroquinos seriam mais fáceis de manter do que um contingente maior, porque soldados, ao contrário de cabras, bebem água e necessitam de outros alimentos que não perejil.
Bem, para a Espanha é patente e amplamente reconhecido que a ilha lhes pertence, para o Marrocos não é tão claro assim, eles não reconhecem a soberania da Espanha sobre aquele pedregulho encalhado no Estreito. Portanto a Espanha agiu com rigor contra a “invasão” de seu território, dentro de poucas semanas enviou, em helicópteros de última geração da OTAN, 75 militares para a ilha. Eles arrancaram a bandeira do Marrocos, plantaram duas bandeiras espanholas e mandaram os marroquinos de volta para casa. O governo do Marrocos denunciou o “ato de guerra” e, além de organizar manifestações em terra com estudantes gritando slogans: “Nossas almas e nosso sangue são sacrifícios a ti, Leila”, preparou suas tropas de elite para atacar os militares espanhóis e retomar o território. Parecia, em tudo, com a estupidez argentina ao invadir as Falklands na década de oitenta.
E agora José? Um rochedo impraticável para a vida humana, habitado por algumas cabras magrinhas e apáticas que, por falta de outro alimento, têm que se contentar com perejil, havia se tornado o fulcro de uma controvérsia que ameaçava a paz da região e, por tabela, a paz entre leste e oeste. Porque, não esqueçamos, ali à esquerda de quem entra há uma possessão britânica, Gibraltar, com importantes bases aeronavais da OTAN que guardam aquele acesso ao Mediterrâneo. E o Marrocos estava alinhado com os arquiinimigos do Ocidente, os russos. O imbróglio estava formado e prometia atear fogo numa área estratégica para quem quer dominar aquele importante oceano. Olhando de longe a coisa toda parecia uma ópera cômica. Mas, por mais absurdo que pudesse parecer, alguém precisava fazer alguma coisa. Era uma situação tão mais patética, ridícula até, porque essa função não coube à ONU, à União Européia ou a um país amigo como a França, que tem boas relações com ambos os lados.
Sendo assim, chamemos o Sétimo de Cavalaria, e lá estavam os EUA com a batata quente nas mãos. Os americanos, a única superpotência econômico-militar do Planeta, encararam a “Crise da Salsinha”, como ficou conhecida essa quase guerra, com faca na boca. Ao então secretário de Estado, Colin Powell, coube a incumbência de apagar o fogo que perigava incendiar o Planeta. E ele lembra com certo humor: “Eu me perguntava: O que tenho a ver com isso? Onde fica essa tal Ilha da Salsinha? Aliás, nem gosto de salsinha na comida!”. Passado o primeiro momento de surpresa, Colin Powel, em plena madrugada, redigiu em seu computador pessoal um “Tratado de Paz” entre os dois contendores e enviou a ambos com ameaça de que se não fosse assinado como proposto, os EUA interviriam com tropas e tomariam o território. Marrocos e Espanha, entendendo que os EUA falavam sério, assinaram e colocaram uma pedra na Crise da Salsinha. Foi o primeiro registro histórico de um incidente tão sério, capaz de envolver a maior potência militar do Planeta na intermediação, por um pedaço de terra tão pequeno e tão insignificante. Algo assim como, o substrato do cocô da mosca que pousou na eca do cavalo do bandido. Pedaço de terra incapaz de prover subsistência para um ser humano sequer e, ao que parece, até os caprinos que lá vivem gostariam de estar em outro lugar. Mas, como dizia Shakespeare: “Tudo está bem quando acaba bem”. Assim, tudo continuou com dantes no quartel de Abrantes. JAIR, Floripa, 04/11/10.
6 comentários:
- Não é de estranhar. Metade do comércio do mundo trafega entre as colunas de Hércules - um Gibraltar britânico encravado na Espanha e uma Ceuta espanhola em território marroquino, ambos ciosamente defendidos pelos atuais posseiros. Pois o poder de fechar ou abrir o estreito significa moeda forte de barganha nos arranjos internacionais.
- Magalhães, Dardanelos, a passagem do Noroeste, no ártico, e muitos outros são também ciumentamente guardados - sem falar os milhões gastos para abrir os canais de Suez e Panamá...
- Quando o poder fala, as cabras abaixam as orelhas - e os beduínos também. Acho mesmo que o Sr. Powell tinha esperanças de que sua proposta não fosse aceita, para poder fincar a gloriosa "star and stripes" em um campo de salsinhas e proclamar a soberania dos EEUU sobre as cabras...
- Abraços fraternos.
Jair, uma história destas merecia virar um filme, assim como O RATO QUE RUGE,onde uma nação insignificante declara guerra aos EUA.
Ao contrário das insinuações do Barcellos, acho que os americanos não quereriam um minúsculo rochedo sem nenhum valor, a não ser para as cabras que lá habitam.
Mas, eu gosto de salsinha.
Valeu pelo inusitado e pouco conhecido fato!
Essa tal ilha me fez lembrar o hino de Floripa: "Um pedacinho de terra, perdido no mar..." que alguns debocham: "Um pedacinho de eca, perdido no mar..."
Adorei o conto!!!
Muito curiosa a disputa por uma pedra, tao importante que envolveu a nacao mais poderosa do planeta!?!???......!!!!! Nao da para acreditar!!!
Muito bom!
Pois é, os EUA farejam até desentendimento na pedra da salsinha! Se fosse rentável, a teriam tomado para si.
Beijos da Nora,
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