sábado, 2 de outubro de 2010

Sobre egoísmo




No livro de Richard Dawkins, “O gene egoísta”, há uma original e instigante interpretação sobre o princípio evolutivo da “sobrevivência do mais apto”, que coloca o egoísmo como moto desse princípio. Richard observa que a constante luta que os seres travam para perpetuar a espécie, nada mais é do que a força do egoísmo dos genes no sentido de perpetuar-se. Os seres vivos que se digladiam, trapaceiam, adaptam-se e evoluem para sobreviver seriam apenas receptáculos adequados à condução dos genes, estes sim os verdadeiros objetos a serem resguardados de danos que comprometam sua passagem de uma geração a outra. Numa lógica cartesiana incontestável, uma vez que os genes consigam sobreviver, está garantida a sobrevivência da espécie que os carregam. Genial e insofismável, não há argumentos científicos válidos que contradigam essa hipótese.

Tanto a antropologia quanto a sociologia, numa visão pragmática para explicar a marcha da civilização e as conquistas do Homo sapiens, também admitem que o egoísmo, se não é o principal, pelo menos é um componente importante que move a humanidade. Em sendo egoísta o homem preserva a vida, supera obstáculos e evolui, sua marcha o conduz para frente. Não há solidariedade pelo semelhante, nem exposição a perigos físicos para que outros sobrevivam. O próprio sentimento gregário dos seres que tendem a formar sociedades é movido pelo egoísmo, assim: “juntos seremos mais fortes e minha chance de sobrevivência aumenta, sozinho, sou fraco e tenho menos possibilidade de sobreviver”. O egoísmo humano nos legou a civilização, e somos descendentes daqueles que não ousaram muito, não se expuseram, daqueles que sobreviveram. Os que enfrentaram os tigres-dente-de-sabre porque não eram egoístas, não deixaram descendentes, seus genes se perderam. Também, contrário ao socialismo que supõe uma sociedade de iguais onde uns repartem o pão com os demais, o capitalismo exalta o egoísmo, onde cada um puxa as brasas para sua sardinha. Por princípio, o homem capitalista ao encher seus cofres de dinheiro está criando riqueza, portanto, contribuindo para o progresso e, por tabela, tornando os demais beneficiários de seu egoísmo, ou seja, todos ganham com o egoísmo capitalista.

Os cínicos, com alguma razão admissível, costumavam dizer que os que sobrevivem às guerras são os covardes (egoístas), os que enfrentam o inimigo de peito aberto não permanecem para contar a história. A história é feita e contada por sobreviventes, mortos não se manifestam, não escrevem, não falam.

É bem comum sobreviventes de catástrofes e extermínios como os genocídios, sentirem uma espécie de culpa pela sobrevivência. Lemos depoimentos nos quais essas pessoas, além da culpa, sentem que foram egoístas ao se salvarem e deixarem outros perecerem. A não ser em casos excepcionais onde os que pereceram eram parentes próximos como filhos ou irmãos, esse sentimento é falso, ninguém lamenta sinceramente que seu vizinho pereceu enquanto a própria pessoa permaneceu viva. Ao que parece, as pessoas não querem assumir seu egoísmo que lhes salvou a vida, não é politicamente correto ser egoísta. Vejamos este trecho de livro sobre as bombas que destruíram Hiroshima e Nagazaki:

O doutor Nagai lembrou que aqueles que sobreviveram à bomba atômica em geral eram pessoas que ignoraram o choro desesperado dos outros ou que ficaram longe das chamas mesmo quando parentes e colegas gritavam de dentro delas: “Aqueles de nós que ficaram onde estavam, aqueles de nós que buscaram refúgio nos morros atrás do hospital enquanto os incêndios começaram a se espalhar e a fechar o cerco, conseguiram escapar com vida. Em outras palavras, aqueles que sobreviveram à bomba eram, não apenas sortudos, mas, num grau ainda maior ou menor, egoístas, (grifo meu) pessoas centradas em si mesmas – guiadas pelo instinto de sobrevivência e não pelos ideais da civilização. E nós que sobrevivemos sabemos disso”.

Pois é, pode parecer estranho que um sentimento tão negativo possa ser a força motriz do mecanismo que permitiu nossa sobrevivência, evolução e surgimento da civilização, mas todos os indícios são nesse sentido. Se servir de consolo, não estamos sozinhos, não somos os únicos seres vivos que assim se comportam, as provas científicas da evolução conduzem à conclusão que todos os viventes deste Planeta adotam a mesma estratégia. Todos os “truques” como convivência, mimetismo, associação, consórcio, parasitismo, instinto, adaptação e tantos outros, são opções egoístas dos seres, visam à própria sobrevivência, se esta implica na sobrevivência do vizinho, é mera consequência, um efeito colateral por assim dizer. Por extensão, podemos deduzir que nas sociedades humanas o capitalismo é a estratégia egoísta de sobrevivência adotada pela espécie. Não que seja a solução final para definir a perpetuação do Homo sapiens, não é isso, é a estratégia que está dando certo no momento, é o resultado de experiências malogradas anteriores as quais induziram naturalmente o homem a canalizar seu egoísmo – sentimento negativo a priori – para a construção de uma sociedade em que todos ganham, a despeito de parecer o contrário.

Contudo, muitos de nós através do pensamento racional desenvolvemos reações opostas ao egoísmo, nos comportamos no sentido de darmos mais do que tiramos do mundo que nos cerca, de forma que somos destinados a nos extinguir sem deixar descendentes, nossa ação é autodestrutiva. A evolução é impiedosa, não contempla com sobrevivência seres destituídos de egoísmo. JAIR, Floripa, 02/10/10.

7 comentários:

Amélia Ribeiro disse...

Olá Jair,

excelente o teu texto.
O egoismo como companheiro dos nossos dias e que levado ao extremo torna este mundo bem feio...
A imagem é muito engraçada...

Um beijo e bom final de semana.

R. R. Barcellos disse...

- "Numa lógica cartesiana incontestável, uma vez que os genes consigam sobreviver, está garantida a sobrevivência da espécie que os carrega. Genial e insofismável, não há argumentos científicos válidos que contradigam essa hipótese."
- Bem, vou contar uma historinha que aconteceu com o 3S Q AT SE Barcellos, quando dava uma aula sobre sistemas de ignição de aviões. Procurando sublinhar a importância do sistema, disse, enfático, perante a turma:
- "Sem o magneto, o avião não voa!"
- Um aluno mais atrevido retrucou, de bate-pronto:
- "É, sargento, mas sem o avião, o magneto também não voa."
- A turma caiu na gargalhada, e eu fiquei embatucado, com cara de besta...
- Não sei se isso se aplica a seu texto, Jair... ótimo, por sinal. Mas aprendi que é sempre perigoso sublinhar afirmações com o grifo do "indiscutível".
- Abraços.
- (Texto revisado de um comentário anterior, removido antes que eu percebesse que já havia resposta a ele... aliás, elogiosa. Obrigado, Jair.)

JAIRCLOPES disse...

Barcellos, parabéns!
Você conseguiu enxergar um de meus argumentos "indiscutíveis". Sempre faço alguma afirmação bem discutível com cara de que acredito firmemente naquilo para dar mais sabor, mais condimento aos meus textos. Tudo que escrevo é apenas minha opinião a respeito de certo assunto, portanto, sujeita a chuvas e trovoadas. Abraços, JAIR.

JAIRCLOPES disse...

Barcellos,
Antes que me esqueça: Magnetos não foram feitos para voar, aviões sim. Sem avião, um magneto pode continuar ad infinitum cumprindo a função dele, que é fornecer corrente de alta voltagem para as velas de ignição. Um magneto, talvez, só não teria função se não existisse o motor para o qual ele foi criado. Abraços,JAIR.

Leonel disse...

Jair, eu percebi uma certa ponta de ironia e provocação no seu texto.
Naturalmente, você sabe que as coisas não são assim tão simples, as situações e conflitos humanos envolvem uma mistura de sentimentos bem mais complexa. Às vezes, deixar de morrer numa tentativa de salvamento que nossa experiência e inteligência percebem claramente ser inútil não é exatamente egoísmo, mas bom senso.
Morrer inutilmente junto a outra pessoa por não poder salva-la só é válido se a nossa vida ficasse sem sentido pela falta desta pessoa. É o tudo ou nada!
Agora, se existem chances reais de salvamento, também ocorrem muitos casos em que a pessoa corre o risco e conseguem salvar a todos, inclusive a si próprio. Por que tudo sempre tem que dar errado? Eu acho que a sobrevivência é um instinto, mas o altruísmo é um ato racional. E não raro vemos até os ditos irracionais agirem com altruísmo.

Camila Paulinelli disse...

Olá,

Já houvi algo assim: "melhor um covarde vivo que um herói morto"! :-) Neste sentido, numa visão abrangente, acho que o egoísmo salvou muita gente.
Por outro lado, o egoísmo pontual, exagerado, pessoal, é intolerável.
Beijos da nora,

J. Carlos disse...

É meio estranho, mas os argumentos que você apresenta são irrefutáveis.