terça-feira, 5 de outubro de 2010

Revendo a história

Bem, oficialmente, as bombas nucleares lançadas pelos americanos sobre o Japão atingiram as cidades de Hiroshima e Nagazaki nos dias seis e nove de agosto de 1945. Apenas oficialmente, porque quando se trata da segunda bomba, aquela de plutônio chamada da Fat man pelos cientistas por causa de seu formato, a verdade não é assim tão evidente.

Depois do sucesso do primeiro bombardeio que foi feito por uma aeronave B29, apelidada de Enola Gay em homenagem à mãe do piloto Paul Tibbets, aeronave pertencente ao grupo 509º de bombardeiros, sediado na base de Tinian, a segunda bomba estava programada para ser lançada na cidade de Kokura em 09 de agosto. Agora que o presidente Truman anunciara a existência da bomba, havia caído o sigilo que antecedera o lançamento da primeira bomba, de modo que todos os envolvidos nos preparativos do segundo lançamento estavam cientes das implicações inerentes ao evento. A segunda bomba havia se tornado uma espécie de pop star.

Esse “liberou geral” permitiu que jornalistas e outros interessados tivessem acesso ao pessoal que participou dos fatos, de forma que ao invés de maior clareza, o que se seguiu foi uma série de meias verdades que, somados a mudanças de última hora formaram confusões que permanecem até hoje. Por exemplo, registrou-se erroneamente que quem lançou a segunda bomba foi a aeronave Great Artiste, já que quem a pilotava normalmente era o major Charles W. Sweeney, só que nesse dia o capitão Frederick C. Bock estava pilotando a Great Artiste e o major Sweeney pilotava a Bock’s Car, a qual realmente lançou a bomba. Eles haviam trocado de avião antes da missão e, como os nomes ainda não haviam sido escritos nas fuselagens, a confusão foi fácil de acontecer.

Pois bem, meia hora antes da decolagem, o mecânico de voo do Bock’s Car informou ao Major Sweeney que a bomba de combustível do tanque auxiliar estava em pane. Isso significava que a aeronave estaria voando com menos 1135 litros de gasolina. Havia a possibilidade de troca da peça que não funcionava, mas isso implicaria em horas de trabalho, visto que para a substituição o combustível do tanque afetado, no caso o tanque central, deveria ser destanqueado antes. (Essa concepção de desenho de tanque foi modificada mais tarde pela Boeing, fabricante do B29, de modo que versões posteriores adotaram uma concepção que a troca de bombas se faria sem esvaziamento do tanque respectivo). O major Sweeney optou por realizarem a missão assim mesmo, decisão que resultou numa “carga morta” de combustível não utilizável e uma diminuição de autonomia, o quê, no decorrer da missão, influenciou no resultado.

Estava definido que o alvo primário do bombardeio seria a cidade de Kokura e, em caso de condições meteorológicas adversas, o alvo secundário era Nagazaki. Durante a aproximação para Kokura, as 09:45 horas, o major Sweeney já havia definido a trajetória para lançamento quando percebeu que cidade estava completamente coberta de nuvens. Em condições normais haveria possibilidade de “ciscar” para encontrar um buraco nas nuvens que permitisse o lançamento, entretanto, com combustível a menos para queimar nos tanques, uma segunda tentativa sobre Kokura estava descartada, Sweeney optou por dirigirem-se ao alvo secundário, aproaram Nagazaki. Ao se aproximarem de Nagazaki, contudo, verificaram que havia 80% por cento de cobertura de nuvens. Além disso, o mecânico de voo, Kuharek, confirmou para o major que ao retornar para a base a partir de Nagazaki, eles teriam que voar quase meia hora com “cheiro de combustível”, a aeronave não chegaria a Tinian, quando muito até Okinawa. Sweeney, decepcionado com as condições; ciente que não era admissível abortar a missão; que era impensável ter que pousar no Japão não ocupado em caso de falta de combustível no retorno; que um retorno com a bomba e um possível pouso no mar traria conseqüências inimagináveis, resolveu dar mais uma “ciscada”. Feito isso, percebeu uma fenda nas nuvens que dava condições para o lançamento. À feição daquele ditado gauchesco, “Não tem tu, vai tu mesmo” o Bock’s lançou o artefato. Pobre Urakami! A bomba destinada a Nagazaki acabara de converter em Ground Zero o centro populoso de Urakami, tanto mais densamente povoado porque ali existiam duas fábricas da Mitsubich, uma de foguetes outra de submarinos kaiten. Estrategicamente a missão foi um sucesso, não se pode dizer o mesmo operacionalmente, os milicos haviam feito lambança. No regresso, como previra Sweeney, o Bock’s Car não conseguiu chegar até Tinian e pousou em Okinawa já com o motor dois apagado por falta de gasolina.

Logo que o Japão aceitou a rendição que lhe foi enfiada goela abaixo em consequência das bombas, e os militares americanos ocuparam o país, o General Mac Arthur proibiu que os danos causados pelos artefatos fossem divulgados, ele instituiu “zonas de exclusão” que incluíam os dois Ground Zero. Sendo que Nagazaki, que não havia sido atingida diretamente, havia apenas pego a rabiola da bomba, foi oficialmente considerada bombardeada, e Urakami que sofreu impacto direto, providencialmente foi escamoteada dos relatórios oficiais. Nada mais natural que apenas os danos a Nagazaki fossem computados desde então. A cidade de Urakami deixou de existir de jure por iniciativa de Mac Arthur e de facto por ação da Fat Man, a história registra apenas aquilo que é conveniente para quem detém o poder, perdedores que se explodam, às vezes literalmente. JAIR, Floripa, 04/10/10

4 comentários:

R. R. Barcellos disse...

- ...a história registra apenas aquilo que é conveniente para quem detém o poder...
- Certíssimo... se não existissem fuçadores para resgatar a história real, que eventualmente substituirá a oficial. Mais uma operação SAR (busca e salvamento) vitoriosa, Jair. Parabéns.

Leonel disse...

Por isto alguém já disse que a primeira vítima que tomba numa guerra é a verdade. Até hoje, de vez em quando, surgem fatos como esse, contestando o que até então era "história"!
Você não nega que era um membro do SAR, e continua sendo. Antes, resgatava pessoas. Agora resgata a hstória!
Parabéns, amigo!

J. Muraro disse...

Meu amigo, a história é registro do que interessa. A história do Brasil, por exemplo, só nos conta o que a elite, os mandantes, os donos do poder, relatava. Nunca ninguém perguntou aos escravos o que eles achavam da escravidão. Não há história "de baixo para cima", dos humildes e espoliados, só dos patrões e escravocratas. Abraços, J.

Anônimo disse...

Acho que há um equívoco aqui: Urakami era o nome da igreja católica de Nagasaki, a mais católica das cidades japonesas. Não era uma cidade. A catedral foi destruída pela bomba, obviamente - e o que restou dela pode ser visto ainda hoje, onde sempre esteve: na cidade de Nagasaki, destruída pela "Fat Man"...