Bem, oficialmente, as bombas nucleares lançadas pelos americanos sobre o Japão atingiram as cidades de Hiroshima e Nagazaki nos dias seis e nove de agosto de 1945. Apenas oficialmente, porque quando se trata da segunda bomba, aquela de plutônio chamada da Fat man pelos cientistas por causa de seu formato, a verdade não é assim tão evidente.
Depois do sucesso do primeiro bombardeio que foi feito por uma aeronave B29, apelidada de Enola Gay em homenagem à mãe do piloto Paul Tibbets, aeronave pertencente ao grupo 509º de bombardeiros, sediado na base de Tinian, a segunda bomba estava programada para ser lançada na cidade de Kokura em 09 de agosto. Agora que o presidente Truman anunciara a existência da bomba, havia caído o sigilo que antecedera o lançamento da primeira bomba, de modo que todos os envolvidos nos preparativos do segundo lançamento estavam cientes das implicações inerentes ao evento. A segunda bomba havia se tornado uma espécie de pop star.
Esse “liberou geral” permitiu que jornalistas e outros interessados tivessem acesso ao pessoal que participou dos fatos, de forma que ao invés de maior clareza, o que se seguiu foi uma série de meias verdades que, somados a mudanças de última hora formaram confusões que permanecem até hoje. Por exemplo, registrou-se erroneamente que quem lançou a segunda bomba foi a aeronave Great Artiste, já que quem a pilotava normalmente era o major Charles W. Sweeney, só que nesse dia o capitão Frederick C. Bock estava pilotando a Great Artiste e o major Sweeney pilotava a Bock’s Car, a qual realmente lançou a bomba. Eles haviam trocado de avião antes da missão e, como os nomes ainda não haviam sido escritos nas fuselagens, a confusão foi fácil de acontecer.
Pois bem, meia hora antes da decolagem, o mecânico de voo do Bock’s Car informou ao Major Sweeney que a bomba de combustível do tanque auxiliar estava em pane. Isso significava que a aeronave estaria voando com menos 1135 litros de gasolina. Havia a possibilidade de troca da peça que não funcionava, mas isso implicaria em horas de trabalho, visto que para a substituição o combustível do tanque afetado, no caso o tanque central, deveria ser destanqueado antes. (Essa concepção de desenho de tanque foi modificada mais tarde pela Boeing, fabricante do B29, de modo que versões posteriores adotaram uma concepção que a troca de bombas se faria sem esvaziamento do tanque respectivo). O major Sweeney optou por realizarem a missão assim mesmo, decisão que resultou numa “carga morta” de combustível não utilizável e uma diminuição de autonomia, o quê, no decorrer da missão, influenciou no resultado.
Estava definido que o alvo primário do bombardeio seria a cidade de Kokura e, em caso de condições meteorológicas adversas, o alvo secundário era Nagazaki. Durante a aproximação para Kokura, as 09:45 horas, o major Sweeney já havia definido a trajetória para lançamento quando percebeu que cidade estava completamente coberta de nuvens. Em condições normais haveria possibilidade de “ciscar” para encontrar um buraco nas nuvens que permitisse o lançamento, entretanto, com combustível a menos para queimar nos tanques, uma segunda tentativa sobre Kokura estava descartada, Sweeney optou por dirigirem-se ao alvo secundário, aproaram Nagazaki. Ao se aproximarem de Nagazaki, contudo, verificaram que havia 80% por cento de cobertura de nuvens. Além disso, o mecânico de voo, Kuharek, confirmou para o major que ao retornar para a base a partir de Nagazaki, eles teriam que voar quase meia hora com “cheiro de combustível”, a aeronave não chegaria a Tinian, quando muito até Okinawa. Sweeney, decepcionado com as condições; ciente que não era admissível abortar a missão; que era impensável ter que pousar no Japão não ocupado em caso de falta de combustível no retorno; que um retorno com a bomba e um possível pouso no mar traria conseqüências inimagináveis, resolveu dar mais uma “ciscada”. Feito isso, percebeu uma fenda nas nuvens que dava condições para o lançamento. À feição daquele ditado gauchesco, “Não tem tu, vai tu mesmo” o Bock’s lançou o artefato. Pobre Urakami! A bomba destinada a Nagazaki acabara de converter em Ground Zero o centro populoso de Urakami, tanto mais densamente povoado porque ali existiam duas fábricas da Mitsubich, uma de foguetes outra de submarinos kaiten. Estrategicamente a missão foi um sucesso, não se pode dizer o mesmo operacionalmente, os milicos haviam feito lambança. No regresso, como previra Sweeney, o Bock’s Car não conseguiu chegar até Tinian e pousou em Okinawa já com o motor dois apagado por falta de gasolina.
4 comentários:
- ...a história registra apenas aquilo que é conveniente para quem detém o poder...
- Certíssimo... se não existissem fuçadores para resgatar a história real, que eventualmente substituirá a oficial. Mais uma operação SAR (busca e salvamento) vitoriosa, Jair. Parabéns.
Por isto alguém já disse que a primeira vítima que tomba numa guerra é a verdade. Até hoje, de vez em quando, surgem fatos como esse, contestando o que até então era "história"!
Você não nega que era um membro do SAR, e continua sendo. Antes, resgatava pessoas. Agora resgata a hstória!
Parabéns, amigo!
Meu amigo, a história é registro do que interessa. A história do Brasil, por exemplo, só nos conta o que a elite, os mandantes, os donos do poder, relatava. Nunca ninguém perguntou aos escravos o que eles achavam da escravidão. Não há história "de baixo para cima", dos humildes e espoliados, só dos patrões e escravocratas. Abraços, J.
Acho que há um equívoco aqui: Urakami era o nome da igreja católica de Nagasaki, a mais católica das cidades japonesas. Não era uma cidade. A catedral foi destruída pela bomba, obviamente - e o que restou dela pode ser visto ainda hoje, onde sempre esteve: na cidade de Nagasaki, destruída pela "Fat Man"...
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