quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

O DICIONÁRIO


Acabo de ler a história do maior e mais completo dicionário do idioma inglês, o “Oxford English Dictionary”, conhecido como OED, o qual levou setenta anos, de 1858 a 1928, para ser confeccionado e registra absolutamente todas as palavras da língua. Contém 414.825 termos definidos, cada um com pelo menos um exemplo de utilização retirado da literatura publicada em língua inglesa. Consumiu o esforço intelectual de milhares de pessoas, a maioria, voluntárias anônimas, que participaram da criação conjunta desse monumento.
O conceito que norteou a feitura de algo tão grandioso, tão fundamental e tão impressionante deveria ser o mesmo para qualquer língua de qualquer país: Não há termos bons ou ruins; não deve haver preconceito para com estas ou aquelas palavras; um dicionário deve ser o registro de todos os vocábulos que desfrutam qualquer tempo de vida reconhecível num idioma padrão. No Brasil temos grandes e importantes dicionários, como o Houaiss, por exemplo. Contudo, ainda não nos foi apresentado um que se compare ao OED, e me fascina a ideia que venha a existir um compêndio definitivo que só necessite de atualizações de tempos em tempos para manter sempre o registro preciso, a referência última da Flor do Lácio.
O coração desse hipotético livro, que poderia chamar-se Dicionário Definitivo de Português, o qual possivelmente chamaríamos de DDP, seria a história do período de vida desde o nascimento, passando pela evolução, de toda e qualquer palavra. Lembrando que o nascimento da palavra seria seu uso em qualquer texto desde que a língua iniciou a ser escrita.
Algumas palavras são antigas e ainda existem; outras são novas e desaparecem, têm vida efêmera; outras, ainda, surgem durante um período em que seu emprego se justificou, desaparecem, para surgir mais tarde, às vezes com conotação diferente. Mas todas as palavras constituem partes válidas da língua portuguesa, todas merecem ser conservadas num dicionário. A questão a ser considerada é: Se alguém precisa verificar uma palavra, ela deve estar lá, não importando quando existiu ou se sua vida foi efêmera como a de uma mosca.
É importante saber o momento exato em que o vocábulo apareceu, ter um registro de seu nascimento. Não quando foi pronunciado pela primeira vez, que isso é impossível, mas sim quando foi escrito pela primeira vez. Impraticável? Não. Muito trabalhoso e difícil, sim. O Houaiss já registra com grande sucesso a história de seus verbetes. A exemplo do OED, nosso DDP teria que contar com a adesão de milhares de mentes dispostas a ler e coletar, desde os primeiros registros em Portugal talvez, todas as palavras, com seus significados originais, derivações de uso em locais diferentes, evolução com o tempo e emprego diferenciado de autores. Trabalho ciclópico só possível com um planejamento minucioso, sério e comprometido de autoridades, filólogos, especialistas nas mais diversas áreas, bibliotecas públicas e particulares, escritores, editoras, universidades e, talvez mais importante, colaboração maciça da Academia Brasileira de Letras a qual centralizaria a coordenação e o comando dos trabalhos.

Claro que, o trabalho de pesquisa, coleta, cotejo e registro não se restringiria ao Brasil e Portugal, haveria necessidade de garimpar em todos os países que falam português, seja como língua principal, a exemplo de Angola e Moçambique ou como secundária, como o Timor Leste e a antiga colônia de Goa na Ásia. O Dicionário de Oxford se preocupou em coletar termos em todas as colônias e ex colônias do antigo Império inglês. Assim, desde Austrália e Nova Zelândia como Guiana e Quênia, passando pelo Canadá e Trinidad e Tobago contribuíram com sua cota de garimpo.

Obviamente, nos tempos atuais será muito mais fácil organizar a estrutura de coleta de termos do que foi para os ingleses, a internet está aí para isso. Não haverá necessidade de disponibilizar os livros antigos e raros para os possíveis leitores, basta escaneá-los e colocar em bibliotecas virtuais onde os leitores poderão consultá-los. Assim, muito tempo será poupado e, ao invés dos setenta anos gastos pelos ingleses, que tal aventarmos a hipótese de apenas sete anos?

Na minha concepção, haveria a versão em papel, em CD e virtual on line, de modo a oferecer um leque de opções para os usuários, sejam conservadores apegados ao papel, sejam mais internéticos acostumados à informática e suas facilidades.

Acredito, inclusive, não ser original esta minha ideia, que não sou o primeiro a pensar esse projeto, contudo, mesmo sendo assim, quero cutucar os formadores de opinião e a intelectualidade deste País para tomarem a iniciativa, para que iniciem esse ambicioso empreendimento que, sem dúvida, será a ferramenta máxima a qual tornará possível, enfim, a unificação da Última Flor do Lácio. JAIR, Floripa, 14/02/10.

2 comentários:

R. R. Barcellos disse...

"Definitivo", não. Essa palavra parece ter o dom de ossificar e cristalizar as obras e realizações às quais é aplicada, dificultando ou mesmo impedindo uma evolução posterior. Gosto mais de "Completo". E em vez da ABL seria necessária uma comissão internacional de luminares lusófonos, para evitar pruridos nacionalistas. Mas a idéia é genial... resta saber se é praticável. A tecnologia existe (veja o Wikcionário, por exemplo), mas e a motivação?
Parabéns, Jair.

Voluzia disse...

Jair, ótima matéria. Fui professora de português durante alguns anos, e sempre me ressenti da falta de um dicionário completo como você vislumbra. Quem sabe algum dia os iluminados de nosso belo idioma se deem ao trabalho de fazê-lo...