terça-feira, 26 de maio de 2009

A BOMBA


Toda uma geração nascida pouco antes, durante ou pouco depois da década de quarenta do século passado passou a infância e a juventude sob ameaça aterrorizante da Bomba atômica. Desde que a primeira bomba explodiu no deserto do Novo México seguida das explosões sobre Iroshima e Nagasaki no Japão, nos dias seis e nove de agosto de 1945, possibilidade de que a Bomba atômica fosse utilizada novamente passou a ser uma realidade atemorizante. Logo depois da guerra, quando a figadal inimiga do ocidente, a União Soviética, também desenvolveu a tecnologia que lhe permitiu fabricar o artefato nuclear, o mundo pareceu mais inseguro ainda. Minha geração seguia os noticiários da imprensa com justificável temor, ciente que se algum dirigente afogueado pelo poder que detinha, e temeroso que o outro lado tomasse a iniciativa, apertasse o botão, detonaria a guerra definitiva, a guerra sem vencedores ou vencidos. Na verdade, a BOMBA era uma espécie de entidade misteriosa, malévola e onipresente que permeava nossas mentes, intranqüilizava nossos dias e nos perturbava o sono, pois, como sabíamos, não havia quaisquer defesas ou abrigos que nos protegessem de seus efeitos mortais. O imaginário de minha geração impregnara-se do enigma que envolvia algo tão definitivo e ameaçador; até o vernáculo incorporou o termo ATÔMICO como um superlativo absoluto, alguma coisa atômica estava infinita e transcedentalmente além e acima das outras; ATÔMICO ultrapassava o simples IMAGINÁVEL, o simples CONCEBÍVEL, era o imperativo categórico kantiano aplicado à tecnologia. Além de seu poder destrutivo imensurável, o que nos assombrava também era sua feição, por assim dizer. O que era uma Bomba atômica? Como era fabricada? Donde vinha seu poder? Essas e outras perguntas surgiam naturalmente na medida em que mais se sabia sobre seus efeitos quando das experiências no atol de Bikini, nas estepes geladas da Rússia, no arquipélago de Mururoa e até na distante e pacífica Austrália. Os noticiosos não se cansavam de descrever os incríveis e devastadores resultados sobre as populações das cidades japonesas atingidas e, também, sobre instalações, navios, aviões e prédios colocados ao alcance das explosões experimentais feitas pelos EUA, URSS, França, Inglaterra e, mais tarde, China também. Com o passar do tempo ficamos mais informados sobre as dificuldades colossais que o Projeto Manhatam havia enfrentado para fabricar as primeiras bombas, o qual teve que desenvolver, na prática, equipamentos que permitissem criar fatos que apenas a teoria dizia serem possíveis. Contudo, ainda que acabasse saindo na imprensa todas as démarches políticas e estratégicas sobre o domínio do conhecimento nuclear que permitia outras nações fabricarem a bomba, esta continuava sendo, para o homem comum, vedete indevassável ainda. De tanto se falar nela, de tanto outros países acabarem produzindo-a, a BOMBA acabou perdendo o charme de grande diva maldita; acabou levantando o véu de mistério tecnológico que a envolvia, sua fórmula passou a ser conhecida, quase banalizada. Hoje, praticamente qualquer país e até uma organização de grande porte, com algum esforço e dinheiro podem construí-la. Para entendermos tecnicamente como é possível que um artefato de tal poder de destruição e, talvez, de custo proibitivo, possa ser construído por países como o Paquistão (que tem a bomba) ou o Irã (que pretende ter), é necessário que comecemos pelo átomo. O átomo, para efeito didático e num conceito bem elementar, pode ser considerado a menor partícula dos elementos, a menor porção que não perde as características de um elemento. Compõe-se de um núcleo formado por nêutrons e prótons e uma “nuvem” de elétrons que envolve esse núcleo. Pois bem, o que diferencia um elemento do outro são os átomos que o compõe. Os átomos do hidrogênio, por exemplo, têm apenas um próton e um nêutron no núcleo e um elétron em órbita. Elementos outros são compostos de átomos com mais neutros, prótons e elétrons. Assim, na outra ponta da tabela periódica há os elementos “pesados”, como o urânio, - elemento natural mais pesado que existe - que tem peso atômico 238 significando que o somatório de nêutrons e prótons que formam seu núcleo é 238. Acontece que os elementos pesados, por vezes, apresentam isótopos, isto é, têm número diferente de nêutrons no núcleo o que os torna instáveis, passam a emitir nêutrons para se equilibrarem. A essa emissão de nêutrons corresponde uma liberação de energia fantástica que a ciência chama de radioatividade. Juntamente com o minério natural estável de urânio 238 existe uma pequena quantidade, na ordem de menos de um por cento, de urânio 235 altamente instável, isto é, radioativo, que emite nêutrons. É esse urânio que, teoricamente, poderia ser usado como fonte de altíssima energia, e da bomba atômica naturalmente. O processo se dá do seguinte modo: Em condições normais, o urânio 235 emite nêutrons (radioatividade) e decai para um nível mais baixo de energia, os nêutrons se perdem. Acontece que se houver outros átomos de urânio 235 por perto, os nêutrons emitidos por um átomo podem atingir os núcleos de seus vizinhos e estes, por sua vez, emitirão outros nêutrons que atingirão outros átomos que se desintegrarão gerando uma REAÇÃO EM CADEIA a qual se dá o nome de FISSÃO NUCLEAR. A fissão nuclear libera energia em forma de calor na ordem de milhões de graus, várias vezes mais quente que o sol. Para que haja a fissão, para que os nêutrons iniciais não se percam, deve existir uma quantidade mínima de urânio 235, quantidade a qual se dá nome de MASSA CRÍTICA. Teoricamente, uma bomba atômica nada mais é que a reunião de uma quantidade de urânio 235, ou de outro elemento físsil, de modo a formar uma massa crítica. Como é impossível manter a massa crítica estável, o desafio da construção de um artefato nuclear está em reunir a quantidade de urânio necessária somente na hora da explosão. Assim, dentro das primeiras engenhocas nucleares existia um tubo em que numa ponta encontrava-se a metade da quantidade do urânio necessário para formar a massa crítica em forma de meia esfera, na extremidade oposta, outra meia esfera do mesmo material. Na hora aprazada para a fissão, uma carga convencional de TNT explodia arremessando uma metade sobre a outra formando uma esfera que fissionava em milésimos de segundo causando a explosão nuclear. Essas primeiras bombas, como se vê, embora tenham incorporado tecnologia desconhecida até então, eram mecanismos rudimentares. Fora o grande trabalho preliminar necessário ao desenvolvimento de pilhas atômicas que permitissem descobrir as quantias exatas de material radioativo necessário à criação de massa crítica, e as técnicas apropriadas à confecção da bomba propriamente, e ao enriquecimento do urânio, que era aumentar a porcentagem do elemento 235 numa porção de matéria; não havia grande mistério sobre como elas funcionavam, não havia computadores ou qualquer componente eletrônico de alguma complexidade no seu interior, quando muito apenas um receptor que recebia sinal externo, tudo era muito simples. Além disso, toda a teoria que envolvia o conhecimento de como chegar à fissão de elementos radioativos já era conhecida dos físicos da época e, a partir do Relatório Schmidt emitido pelo Departamento de Defesa americano em 1946, qualquer secundarista interessado passou a conhecer os passos necessários à confecção da BOMBA. Era uma questão de tempo e dinheiro para que outros países viessem a construí-la, e isso aconteceu, já de início, com alguns países europeus, a Rússia e a China, e mais recentemente, Índia, Paquistão, Israel e Coréia do Norte. Até o governo brasileiro, num surto de megalomania aguda, intencionou criar o aparelho e, para isso, mandou construir um profundo buraco no Destacamento de Xingu onde seriam feitas as primeiras explosões. Com o fim da guerra fria e o início do desarmamento nuclear, o nível de ameaça e, em consequência, do temor pelo fim da civilização, diminuiu a ponto de não mais tirar o sono da geração criada à sombra virtual do guarda-chuva atômico. Hoje, o funesto dispositivo, agora desprovido de sua aura maligna, serve apenas como tema de blog para este escriba com algum grau de morbidez, saudoso dos tempos que sofria pesadelos causados pelo pavor que a BOMBA trouxesse o armagedon. JAIR, Floripa, 25/05/09.

7 comentários:

Daniel Caron disse...

A bomba tirava meu sono. Já conversei sobre isso com o Augusto. Quanto desperdício de grana com ego.

E havia ainda o temor das mutações genéticas que a radiação poderia causar nos filhos dos sobreviventes.

A bomba nuclear é horrível. Não entendo porque é legalizada no mundo.

Aqueles cientistas brilhantes poderiam já naquele tempo estar pensando em automóveis não poluentes, alimentos mais saudáveis, promoção socio-cultural e ambiental de todos nós como espécie em todo o planeta.

Imagine como estaríamos hoje como civilização e sociedade.

Ruy disse...

Caro Daniel, não esqueçamos que naquela época “comunista comia churrasquinho de criancinha”. Talvez isso explique, simplificadamente, porque o Ocidente judaico-cristianizado envolveu tanta grana e cérebros pra criar a maldita bomba. Claro, haveremos de considerar também, ontem, hoje e sempre a vocação que tem o “bixo hômi”, de amar se perceber o “mais” poderoso entre seus pares.
Abraço,
Ruy o H de J.

Anônimo disse...

Ótima abordagem.

Sendo-me permitido completar, digo que atualmente políticos, empresários corruptos, servidores corromptíveis e outros assemelhados egoístas e gananciosos, através de seus incorretos atos ou por sua omissão, lançam diariamente dezenas de "Invisíveis(???) Bombas Atômicas" sob a humanidade em forma de misérias e pestes que culminam também em temores e mortes.

Saulo

Leonel disse...

Ao contrário do que muitos podem pensar, a bomba volta a ameaçar, graças a mais um ridículo ditadorzinho que passaria desapercebido se não fosse pelo detalhe de ter resuscitado duas coisas que já deveriam estar extintas: o comunismo e a bomba atômica ! Estou falando do perigoso bufão norte-coreano ! Como nas Alemanhas do pós-guerra, vemos o contraste: enquanto a Coréia do Sul se destaca pelos resultados positivos que obteve de investimentos maciços no ensino, sob um governo democrático, na Coréia do Norte o povo tem péssimo padrão de vida, mas o país investe pesado no desenvolvimento de mísseis e da nossa velha bomba nuclear, ameaçando os países vizinhos e sendo reprovado até mesmo pela velha aliada China!
Como sempre, comunismo e estupidez de braços dados!

Ruy disse...

É claro que sou anti bomba atômica ou qualquer que seja a bomba, independente do seu conteúdo. Mas seguindo o raciocínio de um comentador aqui deste blog, o senhor Leonel, eu me pergunto: por que só os ditos países “não comedores de criancinhas”, ou seja, ditos não comunistas como Israel, França, Inglaterra, Paquistão, Índia podem seguir na esteira atômica do grande irmão do Norte, e produzir a sua bombinha? Por que a discriminação? E se vamos falar em “condições de vida”, que naturalmente englobam educação e saúde, há um pequeno país aqui mesmo perto da gente, cercado pelo mais nefando embargo econômico que já se ouviu falar, orquestrado pelo grande irmão do Norte, e que dá um banho geral nesses quesitos, inclusive, em países “não comunistas”! Pois esse pequeno país — Cuba — , embora assumindo uma posicão ideológica criticada pelo comentador, possui o melhor sistema de educação e saúde das Américas! Ha!, e não tem bomba atômica tbm!
Ruy.

JAIR disse...

Em nenhum momento tive a intenção de entrar no mérito geopolítico da criação da bomba e seu possível uso, porque, desde algum tempo, resolvi não mais escrever sobre assuntos políticos, religiosos e polêmicos, sobre os quais tenho minhas opiniões mas as não as publico, serão objeto de minhas memórias. Me auto denomino beletrista porque optei escrever sobre amenidades. O objetivo de texto em pauta é apenas passar a sensação de insegurança de uma geração, a minha, diante do desconhecido representado pela bomba. JAIR

Leonel disse...

Eu citei a Coréia do Norte porque, ao contrário dos outros possuidores da bomba nuclear, como Índia, Israel, China e até mesmo a Rússia, este maluco parece mesmo disposto a lançar o artefato sobre seus vizinhos !
Além disso, nenhum daqueles países jamais fez ameaças de usar seu arsenal nuclear, exceto a Rússia, no auge da Guerra fria, no governo de Nikita Kruschev, que se sentia ameaçado pelo cerco americano à U.R.S.S.
Cuba não possui esta tecnologia porque os soviéticos desde o princípio negaram ao governo cubano a transferência da mesma.
Também! Se apenas alguns mísseis de médio alcance quase iniciaram um conflito!