Desde sempre, por
menos que tenhamos noção do porquê, estamos imersos em milhares de cores. Sejam
cores reais da natureza que nos cerca como o verdejar da flora; o cerúleo de um
céu límpido; o azul profundo de águas misteriosas de oceanos abissais; a extrema
brancura de cúmulos e cirros que flutuam sobre nossas cabeças; os muitos
matizes amarronzados dos solos; ou o arco íris das borboletas e das flores que
são seus campos de pousos regulares. Por outro lado, também cores imagéticas ou
abstratas com as quais “tingimos” fenômenos ou eventos, - muitas vezes com
certa dose de preconceito - como por exemplo: “Com essa inflação o futuro é
negro”; “Como vai? Tudo azul?”; “Ficou amarelo de medo”; “Estou verde de fome”;
“Estou roxo de vontade!”; “Ao tentar responder me deu um branco”; "Estamos gastando uma nota preta com a visita do papa" etc.
Fisiologicamente,
com exceção de cegos e de pessoas com grau de daltonismo extremo que possivelmente
só enxerguem em preto e branco com variações de cinza, todos estamos
mergulhados num mundo colorido. Além disso, torna-se comum associarmos cores de
objetos mais conhecidos com outros, como quando dizemos: verde-bandeira,
azul-marinho, verde-oliva, amarelo-ouro, vermelho-romã e uma miríade de outras
associações que visam rotular com exatidão a que cor, matiz ou tom nós nos referimos. Também
atribuímos “qualidades” ou “poderes” às cores: verde é esperança; vermelho é
paixão; cinza é tristeza. E convencionamos códigos de cores que, o mais das
vezes, tem como escopo alertar sobre perigo ou algum evento que deve ser
observado por qualquer pessoa, independentemente seja ela alfabetizada ou não.
Neste caso os exemplos mais observáveis são os sinais de trânsito com suas três
cores – vermelha, amarela e verde, nesta ordem de cima para baixo, sempre.
Essa convenção
planetal vale para qualquer nação e, sob a égide da segurança de pedestres e
motoristas, não deve jamais ser alterada. Seria risível se não fosse trágico o
que ocorreu na China de Mao durante a chamada Revolução Cultural que devastou
aquele país de 1960 a 1966. Cabeças pensantes do PC chinês, cheios de elã patriótico
eivado de xenofobia idiota, estabeleceram que a partir de certa data o vermelho dos sinais de trânsito significaria EM
FRENTE e o verde
PARE, foi um caos só comparável ao caos maior que já se tornara a sociedade
chinesa, frente aos julgamentos e execuções sumárias a que eram submetidos os
chamados “intelectuais” daquele país. Chegou-se ao extremo de considerar
intelectual o cidadão que simplesmente tivesse curso superior, falasse algum
idioma além do nativo ou que exercesse uma profissão liberal, por exemplo. Bem,
não é finalidade deste texto falar da China, mas lá, naquele nefasto tempo, o
vermelho era a cor do BEM, as demais eram em diversos níveis menos boas que o
vermelho. Felizmente a lambança pseudo patriótica da troca de cores só permaneceu por seis meses, os apedeutas chineses, discretamente, voltaram à convenção universal dos significados depois que ocorreram dezenas de mortes e centenas de feridos.
Mas vem da China
também algo que quero comentar aqui. Quando eu tinha por volta de dez anos em
Palmeira, no Paraná, houve uma “onda” de migração para àquele município de um
povo eslavo agricultor que até hoje ainda se encontra lá plantando, colhendo e
mantendo seus costumes. O curioso, e de certa forma misterioso para mim, era
que os emigrantes eram (e ainda são) chamados de “russos brancos”. Na minha
virtual e santa ignorância eu me perguntava: será que os demais russos são não
brancos? Vermelhos talvez? Vermelhos pela cor da pele ou pela ideologia
comunista, já que estes que aqui estão não seguem a mesma cartilha ideológica
dos que lá ficaram? Eu não sabia e ninguém que eu tenha timidamente perguntado
sabia. Russos brancos eram russos brancos ora! Não há o que saber mais! Fim, tá
bom?
Pois é, durante
quase sessenta anos vivi numa incômoda ignorância que, vez ou outra, me
assaltava e cutucava minha mente em busca de uma resposta que não vinha. Neste
ponto devo confessar que sou meio obsessivo quando se trata desses mistérios
que não têm relevância alguma para a vida prática cotidiana. Eventos que não
cheiram nem fedem como esse. Então, estava eu lendo um livro sobre guerras
históricas esta semana, quando me deparei com parágrafo interessante: “Alguns escritores dizem que os hunos brancos eram caucasianos. Isto é uma
bobagem tão grande quanto defender que os turcos azuis eram marcianos (azul
é cor do leste). O uso de cores para indicar direções se originou na China,
que também usava preto para norte, vermelho para sul e amarelo ou dourado
para centro. Esse simbolismo foi
adotado pelos nômades da Ásia Central, e daí vem a Horda Dourada, reino central do império mongol, e os mares vermelho e negro, respectivamente ao sul e norte da Turquia”. Então fica assim: Preto = norte; vermelho
= sul; azul = leste e; finalmente, branco = oeste. Sei agora que os russos brancos de minha querida Palmeira
são oriundos do ocidente da Rússia.
Acabou-se o mistério e esta noite posso dormir tranquilo, sem que me assaltem o
sono hordas intermináveis de imigrantes eslavos furiosos, indagando: Por que somos
brancos? Por quê? Por quê? Por quê? JAIR, Rosário, Argentina, 17/07/13.