Turistas nadando no Cenote Ik-Kil
Próximo à
cidade em que vim ao mundo, Palmeira, existe um enorme formação rochosa de
arenito que, onde aflorou, deu origem a Vila Velha, monumentos rochosos
naturais esculpidos por água e ventos; e, onde não é visível, permite a
existência de rios subterrâneos que, eventualmente, formam cavernas, uma das
quais descobri juntamente com meu primo Joel e já a descrevi neste blogue. Pois
bem, os rios subterrâneos tendem a corroer o arenito formando a ditas cavernas
e, em alguns casos, o teto desmorona dando forma a buracos redondos que lá
chamamos de furnas. Bem próximo a Vila Velha existem três furnas, sendo a mais
impressionante um poço circular de oitenta metros de diâmetro com mais de cem
metros de profundidade e cinquenta metros de água.
Na
península de Yucatán acontece algo semelhante, mas em escala centenas de vezes
maior e mais espetacular. A península de Yucatán é uma planície calcária e não
possui córregos ou rios de superfície. Contudo, por ser calcária – e o calcário
é rocha menos resistente que o arenito – há uma profusão de rios subterrâneos.
Mais do que no Paraná os rios da península formam cavernas em maior número e
estas, também em maior número, tendem a desmoronar formando poços arredondados
e profundos, lá chamados cenotes. Esses cenotes – mais de oitocentos - estão
espalhados por toda a península, mas o mais importante chama-se cenote sagrado
de Chichén Itzá e está localizado junto ao sítio arqueológico maya Chichén Itzá
que numa tradução livre quer dizer "boca do poço do Itza".
Os mayas
consideravam que o cenote sagrado era uma das três entradas para o paraíso dos
mortos. Eles acreditavam que podiam se comunicar com os deuses e ancestrais,
oferecendo sacrifícios no cenote. Os Mayas costumavam rezar por colheitas
abundantes, chuvas boas e fortuna. Depois do “descobrimento” até padres
coletavam água do cenote que eles julgavam ser sagrado, para eles a água era
benta. Os sacerdotes mayas lançavam oferendas em forma de cerâmica, peças de
ouro e prata e, eventualmente, prisioneiros sacrificados ao cenote.
Porque a
água dos cenotes é altamente alcalina costuma preservar até objetos perecíveis.
Objetos de madeira, por exemplo, que em outro meio teriam desaparecido, foram
encontrados em boas condições naquela água. A possível existência de valiosos
tesouros no fundo do cenote sagrado aguçou a ganância de exploradores desde que
se descobriu Chichén Itzá. Assim, em 1904, Edward Herbert Thompson, vice-cônsul
dos EUA no México, comprou a área de Chichén Itzá com o único intuito de
prospectar o fundo do cenote sagrado em busca de tesouros mayas. Para isso usou
um sistema de roldanas acionado por motor a vapor que incluía uma série de
grande baldes numa corrente, os quais, como uma draga, iam retirando a lama do
fundo e vertendo-a numa depressão próxima. Em seguida pesquisava-se a lama que
acabou oferecendo uma grande variedade de objetos de madeira, incluindo armas,
cetros, ídolos, ferramentas e jóias. Jade foi a maior categoria de objetos
encontrados seguido de têxteis. A presença de jade, ouro, cobre no cenote
oferece uma prova da importância das Chichén Itzá como um centro cultural.
Nenhuma dessas matérias-primas é nativa do Yucatán, supondo que pessoas (outros
mayas) viajaram para Chichén Itzá de outros lugares da América Central, a fim
de adorar os deuses. Pedra, cerâmica, ossos humanos e conchas também foram
encontrados no cenote. Arqueólogos descobriram que muitos objetos mostram
evidências de serem intencionalmente danificados antes de serem jogados no
cenote, denotando uma ritualidade não muito clara do porquê dessa atitude.
A maioria
das principais descobertas do cenote feitas sob a supervisão de Edward Herbert
Thompson ele vendeu. Oitenta por cento do resultado dessa busca de Thompson
pode ser encontrado no Museu Peabody da Universidade de Harvard, os restantes
vinte por cento foram vendidos para o governo mexicano e se encontram no Museu
Maya na Cidade do México.
Em 1909,
Thompson decidiu mergulhar no cenote para explorar o fundo. Apesar da pouca
visibilidade ele encontrou uma camada de cinco metros de lama que continha
vários objetos de ouro. Em 1961, William Folan, um diretor de campo para o
Instituto Nacional de Antropologia e Historia (INAH), ajudou a lançar outra
expedição ao cenote.
Algumas das
suas descobertas notáveis incluíram um osso com inscrições e uma faca de
obsidiana com cabo de ouro, revestida numa bainha de madeira com mosaico de
jade e turquesa. Em 1967, Román Piña Chán fez outra expedição. Ele tentou dois
novos métodos que muitas pessoas tinham sugerido por um longo tempo: o
esvaziamento da água do cenote e clarificação da água. Ambos os métodos foram
apenas parcialmente bem sucedidos. Apenas cerca de quatro metros de água
puderam ser removidos, o cenote é alimentado por rio subterrâneo que impede seu
esvaziamento total. Também a água foi clarificada por apenas um curto período
de tempo.
Depois
dessas incursões não muito produtivas, o governo mexicano proibiu quaisquer
prospecções no local e o definiu como patrimônio histórico nacional. Tive
oportunidade de visitar o Cenote Ik-kil que está liberado para natação para os
turistas. Para isso, foi construída uma “rampa” em forma de túnel em espiral
que dá acesso ao espelho d’áqua a quase trinta metros de profundidade.
Atualmente, mergulhadores especializados em cavernas costumam explorar outros
cenotes do Yucatán onde têm encontrado ossos de animais pré históricos e
algumas ossadas humanas eventualmente, mas nunca tesouros. JAIR, Floripa,
07/10/12.