Já tive oportunidade
de me referir aqui à minha especial afeição pelas florestas. Seja o nome que
for denominado o coletivo de árvores naturais: florestas, matas ou outros, me
vejo sempre voltando ao tema. Talvez essa quase mania esteja ligada à minha
infância, aos pinheirais e campos que cercavam a cidade de Palmeira onde nasci.
Talvez seja também uma “lembrança” atávica relacionada às origens silvícolas de
meu avô David, índio caingangue das margens do Iguaçu.
Bem, não importa, o
fato é que florestas me parecem uma criação da natureza com claro intuito de
reciclagem, ou seja, as matas naturais funcionam como complexos biológicos que devolvem
oxigênio à atmosfera depois de absorverem o gás carbônico expelido pelos
animais; e ainda arejam e fertilizam a terra com seus resíduos de folhas,
galhos e troncos mortos. Isso sem contar que servem de abrigo e fornecem
frutas, sementes e folhas como alimento aos animais. Árvores são pequenos
laboratórios bioquímicos de extrema importância para os ciclos vitais dos seres
do Planeta. Toda a fauna planetária está ligada direta ou indiretamente a
flora, e essa é uma relação de mão dupla, os animais também contribuem para a
saúde e sobrevivência das plantas na medida em que auxiliam na polimização, e
alguns até protegem-nas contra predadores, embora esses predadores também sejam
animais.
Daí que o Planeta,
desde sua criação, foi desenvolvendo sistemas biológicos relacionados uns com
os outros, formando um todo muito complexo que cria condições ideais para cada
ser vivo que neles coabitam. Vale dizer, desde a mais ínfima bactéria até a
baleia azul, maior mamífero do Planeta, passando pelas formas complexas dos
demais vertebrados e dos organismos mais simples dos celenterados, todos estão
relacionados. A vida vegetal, a vida animal e o reino mineral são partes do
mesmo sistema Planetal. É um pouco forçado dizer que se uma borboleta bater as
asas em Bangladesh poderá causar um furacão no Golfo do México, mas é inegável que
há relações muito íntimas entre todos os seres, e as florestas funcionam como
mediadoras entre muitos deles.
A floresta não é
apenas um aglomerado de plantas, não é a reunião casual de árvores, arbustos e
outros vegetais; é um sistema tanto complexo como desconhecido que a ciência só
agora está prestando atenção. Só quando as florestas deixam de existir por
terem sido dizimadas pelos homens é que se torna imperioso observar o quanto
elas significam. O exemplo mais cabal e contundente do significado das
florestas ficou patente quando se descobriu a história dos rapa nui, povo que viveu na ilha da Páscoa e que, um belo dia, se
extinguiu para sempre. Sabe-se que, a despeito dos rapa nui terem construído estátuas de cabeças gigantes com chapéu, (moais) as quais adornam a ilha até hoje
e servem como atrativo turístico para o mundo, eles não atentaram para a
preservação de suas florestas e tornaram-se vítimas de sua incúria. Há registros
fósseis e arqueológicos que o povo rapa
nui, numa fúria insana de construir estátuas, cabanas, artefatos e
embarcações, acabou com todas as árvores existentes na ilha e isso prenunciou o
fim da civilização e da coesão social culminando com a extinção das tribos e
das pessoas.
Assim se deram os eventos,
segundo estudos recentes: Atestado por provas nas pedreiras lá existentes, sabe-se
agora que os moais eram esculpidos
aos pés do vulcão Rano Raraku – um
dos três da ilha – e depois transportados a altares cerimoniais localizados à
beira-mar, a dezenas de quilômetros de distância. Verificou-se que uma técnica
bastante óbvia, mas de feito nefasto foi usada. Deitados, com as costas para
baixo, os moais eram rolados sobre
troncos de uma palmeira endêmica da ilha em um processo que poderia levar
vários dias e consumir centenas de árvores. Graças ao furor religioso e à
competição entre clãs, mais de mil estátuas foram esculpidas, o que levou à
extinção, primeiro da palmeiras, depois das demais árvores. Esse fato
aparentemente banal provocou uma reação em cadeia: sem as árvores, as aves
migratórias, os mamíferos e até os répteis que se alimentavam dos frutos e que
faziam parte da dieta dos ilhéus simplesmente sumiram. Pior, com o fim das
florestas, fontes de matéria-prima para a construção de canoas, a pesca em
águas ubérrimas, mas infestadas por tubarões também foi interrompida; construções
de casas e confecção de artefatos e armas também se tornaram impossíveis. A
morte da última árvore demarcou o ponto de inflexão a partir do qual a
civilização rapa nui estava condenada
à extinção.
Alguém pode fazer objeções quanto à conclusão
que sem florestas um povo pode extinguir-se, lembrando que isso ocorreu num
sistema fechado: uma ilha. Não é bem assim, ninguém pode afirmar que o fim da
floresta amazônica, por exemplo, não trará consequências para os povos vizinhos
da floresta de imediato, e em prazo mais logo para toda humanidade. Não devemos
ser temerários a ponto de apostar num jogo desse porte, cujo resultado poderá
ser extremamente desfavorável para os perdedores. Florestas evoluíram muito
antes de o Homo sapiens dar as caras
por aqui, de modo que quando surgimos, nos adaptamos a elas e não ao contrário.
Desse fato se pode inferir que o desaparecimento da humanidade não acarretará
qualquer ônus para as matas, já o contrário... Alguém tem dúvida que, se na
ilha da Páscoa todos os humanos desaparecessem, as florestas nem notariam?
Aliás, é lícito supor que elas passariam a estar mais saudáveis depois que o
bípede predador se fosse. JAIR, Floripa, 20/04/12