Um dos mais populares programas de TV dos anos 90 foi “Seinfeld”, conhecido como "o programa sobre nada". A maior parte da comédia é baseada em fatos corriqueiros do dia-a-dia com pontos de vista um tanto excêntricos ou afetados adotados pelos personagens que, no mais, são pessoas comuns que reagem com exagero a coisas cotidianas. Fatos comuns, como problemas com o porteiro do condomínio, a compra de jornal na banca, a ida à lavanderia, a disputa por uma vaga para estacionar o carro ou as conversas sobre os assuntos mais banais, se tornam temas engraçados se explorados com talento. O sucesso do programa se deve a exatamente isso: se nada ocorre, é inusitado, pode ser engraçado, diferente. No fundo, e como seus criadores gostam de ressaltar, “Seinfeld” é “uma série sobre o nada”. Isto é, nada de especial acontece para provocar as situações engraçadas que surgem. O programa rendeu milhões de dólares a seus criadores Jerry Seinfeld e Larry David e dele foram gravados 180 capítulos que são exibidos até hoje, inclusive na televisão brasileira. Pois é, “Seinfeld” é um exemplo midiático de “como tirar leite de pedra” e, com isso, ficar rico. Na Patropi não temos exemplos de gente enriquecendo ao explorar o nada, a exceção de, talvez, o escritor de mega sucesso Paulo Coelho, mas isso são outros quinhentos. Contudo, como vivemos num país meio que surrealista, mesmo não acontecendo nada de novo, de estranho, de anormal, se vários fatores se conjugarem podemos ter um fenômeno mundial. Querem ver?: Usar vestido curto é novidade? Estranho? Ofensivo? Sob qualquer ponto de vista a resposta é NÃO. Até em igrejas se usam vestidos curtos e nada de mais acontece. Pois é, a garota usou um mini vestido para ir às aulas numa universidade e foi vaiada e ofendida por colegas. Logo numa universidade, ambiente que, supostamente, deve imperar certo clima de tolerância; onde cabeças arejadas devem predominar. Contudo, por vergonhoso que seja admitir, a guria fora vítima de um odioso “Bulying”: “O termo bullying compreende todas as formas de atitudes agressivas, intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outro(s), causando dor e angústia, e executadas dentro de uma relação desigual de poder. Portanto, os atos repetidos entre iguais (estudantes) e o desequilíbrio de poder são as características essenciais, que tornam possível a intimidação da vítima”. Até aqui, embora a jovem tenha sido constrangida, ainda estava tudo sob controle, se nada mais se fizesse nada aconteceria, não haveria mortos nem feridos. Vai daí que alguém filmou com o celular a humilhação da colega e colocou na internet. Outra vez, o conhecimento público do nada expôs a estudante, só que agora esta exposição lhe concedeu, - como Andy Warhol previu que aconteceria, - quinze minutos de fama. A moça está no lucro e, novamente, se nada mais se fizer, o nada acontecido morre de inanição, nunca mais se fala nisso e, talvez, se a protagonista não for uma baranga juramentada, ela acabe posando para uma revista masculina e ganhando muito dinheiro. Acontece que a imprensa, talvez por falta de assunto, resolveu “tomar as dores” da ofendida, e deu destaque ao nada em manchetes e chamadas nos horários nobres. Era o que faltava para o nada ganhar fôlego. Advogados oportunistas, feministas iradas, analistas comportamentais cheios de empáfia e os mais diversos “especialistas” em psicologia das multidões passaram a dar entrevistas e fazer análises estruturais eruditas a respeito do nada. O nada se viu robustecido e ficou se achando. Autoridades, a UNE, o clero e a própria universidade se viram obrigados a pronunciarem-se sobre o nada. Agora o nada ganhava status internacional, “Times”, “Washington Post”, “The Gardian” davam destaque ao nada. Nada tinha acontecido no Brasil e alguém precisava dar explicações. A universidade foi a primeira a tomar providência: expulsou a estudante. O nada tinha feito sua primeira vítima. Só que, ao contrário do que se esperava, o nada voltou com mais força. Por que expulsar a inocente garota que só queria mostrar as pernas? Abaixo o excesso de autoritarismo! Fora reitor! Exigimos sua (da estudante) volta! O nada estava ativo, vociferante, indignado e exigente, não podia ser calado. Que fazer? A universidade voltou atrás, a moça entrou na justiça, a mídia não se calou e advogados de parte a parte estão faturando. Todos ganham. Notoriedade, venda de jornais, espaço na mídia, clientes, fotos, entrevistas, seminários, encontros e debates, tudo isso veio no rastro da barra do mini vestido da moçoila. Viu? Não somos Jerry Seinfeld, mas quando se trata de “tirar leite de pedra”, somos campeões: Deem-nos um pitadinha de nada e construimos uma pirâmide de fazer inveja a Quéops. JAIR, Floripa, 10/11/09.