Logo depois da segunda guerra, quando as duas maiores potências mundiais arreganhavam os dentes uma para outra no que se convencionou chamar de guerra fria, quem representava o Ocidente era Eisenhower que havia substituído Truman na presidência dos EUA, e o representante da URSS, que havia se entronado no cargo de primeiro ministro após a morte de Stalin, era nada menos que um rústico, mal definido politicamente, meio bufão, filho de camponeses e que já fora mineiro de carvão: Nikita Khruschev.
Khruschev chegou ao poder sem nada saber de armas nucleares, no entanto, parece que aprendeu apenas “para o gasto”, mas isso não o impediu de ameaçar o Ocidente com mísseis que os soviéticos não tinham, segundo seu próprio filho, Sergei. Agora se sabe que na ocasião (1953) os EUA detinham 749 ogivas atômicas, contra apenas seis do lado soviético, e, talvez por isso, a fraude e o blefe faziam parte do jogo de Nikita
Em 1956, tropas francesas, inglesas e israelenses, tomaram o canal de Suez no mesmo momento que tanques soviéticos esmagavam uma rebelião na Hungria. Como as tropas invasoras do canal não haviam avisado aos americanos que sua atitude visava derrubar o líder anticolonialista, Gamal Adbel Nasser, Eisenhower ameaçou com represálias econômicas, se as tropas não se retirassem. Nesse momento, para evitar que a imprensa mundial tomasse conhecimento do banho de sangue que acontecia em Budapest, Nikita ameaçou lançar mísseis nucleares (que não existiam) sobre Londres, Paris e Tel Aviv, se os invasores não retirassem suas tropas imediatamente do Canal. As tropas saíram de fato rapidamente do Canal, contudo, em decorrência da ameaça velada de Eisenhower, não pelo blefe ostensivo de Kruschev, mas este não sabia disso. Porém, como a ameaça do chefe do Kremlin foi pública e de Eisenhower não, Nikita concluiu que sua fanfarronice fora a causa da retirada e, a partir de então, passou a usá-la sempre que a oportunidade se apresentava. O mundo passou a tremer os joelhos sempre que o dirigente fanfarrão abria a boca, mas a ameaça de retaliação atômica era apenas onirismo político do “rato que ruge” do Kremlin.
Seu filho Sergei, engenheiro aeronáutico, hoje morando nos EUA onde é membro do Instituto de Política da Universidade de Harvard, John F. Kennedy School of Government, em uma entrevista para o Washington Post, em 1992, revelou que Nikita fora um entusiasta admirador dos EUA, de Kennedy e, principalmente de westerns os quais costumava contrabandear para a União Soviética para assisti-los em segredo. Nem seus pares na alta hierarquia do partido sabiam de suas predileções, mas ele incentivou seu filho a migrar para os EUA quando isso fosse politicamente viável. Entretanto, sua gestão não era totalmente inócua, cometeu dois atos que se devidamente reconhecidos poderiam colocá-lo no panteão dos heróis soviéticos: logo que assumiu, mandou prender e executar Lavrenti Béria, o todo poderoso, mal definido sexualmente e sádico cão-de-guarda de Stálin que perseguiu e mandou fuzilar milhões de compatriotas, sem qualquer formalidade que semelhasse a um inquérito ou processo; e, num discurso secreto em fevereiro de 1956, denunciou as atrocidades e expurgos de Stálin, as quais haviam deportado para a Sibéria e matado de fome quase quarenta milhões de soviéticos.
Como um adolescente entusiasmado que vai à Disney, visitou os EUA em 1959 quando participou de reunião de cúpula na ONU, ocasião em que, de repente, vendo como a reunião se desenrolava, tirou o sapato e começou a espancá-lo violentamente sobre a mesa. Seu objetivo era chamar a atenção dos outros delegados presentes, mas acabou chamando a atenção de todo o mundo sobre sua atitude e seu "desabafo". Ficou mais famoso pelas sapatadas na mesa da ONU do que por sua atitude de desafio quando resolveu colocar mísseis de médio alcance em Cuba, mas teve que recuar em face de atitude firme de Kennedy que não se intimidou com tal bufonaria. Antes havia dito: “Por que não colocar um ouriço dentro das calças de Tio Sam?”. Sabendo que levaria anos para a União Soviética alcançar a produção de mísseis de longo alcance dos EUA.
O interessante é que, mesmo com medo que o Ocidente viesse a atacar a URRS com seus mísseis, mesmo sabendo que suas patacoadas eram apenas para encobrir as deficiências russas em matéria de tecnologia nuclear, ele descobriu que tinha um trunfo nas mãos: Berlim. Em off para seus camaradas de partido costumava usar a metáfora: “Em Berlim estão os culhões do Ocidente. Toda vez que quero fazer o Ocidente berrar, eu espremo Berlim”.
Contrário ao que nós, temerosos habitantes do Planeta pensávamos, a guerra fria tinha de um lado americanos preocupados em produzir mais armas cada vez mais letais para conseguir o tal “equilíbrio do terror”, e do outro, um néscio calcando suas ameaças baseadas em poucas e primitivas bombas para serem lançadas de escassos aviões e submarinos de tecnologia duvidosa. O que mantinha o suspense da população mundial eram apenas palavras e gestos, tínhamos medo de fumaça, graças ao senhor Nikita Khruschev que faria melhor figura como vilão estabanado num filme de Mel Brooks.
Até que, em 1964, seus pares do Politburo resolveram depô-lo sob acusação de grosseria, turrice, excentricidade, arrogância, incompetência, nepotismo, depressão, imprevisibilidade, megalomania e de estar ficando velho. Era a primeira vez que um dirigente máximo do partido era defenestrado por seus camaradas, a regra era o primeiro secretário permanecer na cadeira até a morte. Contudo, Khruschev mostrou seu lado far play, quando comentou conformado: “Apraz-me saber que o partido chegou ao ponto de poder passar as rédeas até no seu primeiro secretário” e acrescentou, “Vocês me cobriram de merda e lhes digo: estão certos”. Em seguida, retirou-se discretamente para sua dacha onde permaneceu num anonimato deprimente até 1971 quando faleceu. A despeito de sua origem humilde, de uma carreira marcada pelas patuscadas, surpresas e lambanças havia se tornado um pop star como nenhum outro dirigente russo jamais se tornara e que só viria a acontecer novamente quando Mikhail Gorbachev assumiu o poder em 1985. JAIR, Floripa, 26/04/11.