O Gloster Meteor foi o primeiro jato de combate
operacional britânico. O avião serviu no período do pós-guerra em muitos
serviços aéreos diferentes e em muitos papéis diferentes.
A história do
Gloster Meteor está interligada com os esforços britânicos para desenvolver
motores a jato. Em 1929, um jovem oficial de voo da Royal Air Force (RAF)
chamado Frank Whittle surgiu com a ideia para a construção de um motor de avião
com base em turbina a gás. Outros pesquisadores na Rússia, nos EUA, na Alemanha
e até na Polônia já haviam desenvolvido o conceito, mas Whittle foi o primeiro
a ter as habilidades de engenharia aeronáutica capaz fazer algo útil com ele.
Uma vez que todas as
tentativas anteriores de desenvolver um motor de avião baseado no motor de
turbina a gás tinham falhado, as noções de Whittle eram tão novas e inusitadas
que eram geralmente descartadas pelas autoridades do governo e da indústria. No
entanto, Whittle era teimoso o suficiente para solicitar uma patente sobre suas
idéias em 1930, e continuou a promover seus conceitos de motor, com uma RAF
extremamente leniente dando-lhe tempo e oportunidade para investigar o assunto.
Em 1936 Whittle
fundou uma pequena empresa chamada Power Jets Ltd., para executar as suas
idéias, e foi logo registrando novas patentes. Uma delas foi para um
"banco de ensaio" de turbina a gás designada "Unidade Whittle
(WU)". Whittle começou testes do WU em 1937. Alguns testes foram bem
sucedidos, ainda que, por vezes, extremamente assustadores. Felizmente Whittle
conseguiu que o WU funcionasse bem o suficiente para que em 1938 o Ministério do
Ar começasse a fornecer fundos, ainda que moderados, com os quais ele deu
seguimento ao trabalho.
Em junho de 1939 o
motor de Whittle estava aprovado e a RAF encomendou os dois primeiros jatos
projetados por W. George Carter, no entanto a batalha da Inglaterra em 1940
interrompeu os trabalhos que foram reiniciados em 1941. Enfim os primeiros sete
de vinte Gloster encomendados pela RAF foram entregues nos primeiros dias de
Julho de 1944. No dia 27 do mesmo mês, foram testados na interceptação às
bombas voadoras alemãs V-1, sobre o Canal da Mancha, com relativo êxito.
No início da década
de 50 a primeira linha de defesa da FAB era formada pelos já superados caças
norte-americanos com motores convencionais, os P-47D Thunderbolt e Curtiss
P-40, e a Força Aérea, percebendo essa deficiência, buscava uma alternativa
para reverter essa situação e, principalmente, para manter a soberania nacional
do céu brasileiro.
Após analisar várias
ofertas, incluindo dos EUA, o governo de Getúlio Vargas decidiu que a melhor
opção seria um modelo que já era operado pela RAF na fase final da 2ª Guerra
Mundial. Mas havia uma grande diferença deste novo caça em relação a tudo que
já voara no Brasil, militar ou civil, seu motor era a reação! Tratava-se do
lendário e temido Gloster Meteor.
Assim, a FAB acabou adquirindo, em 1953, os F8 agora equipados com dois motores Rolls Royce Derwent V com 3.500 libras
de empuxo para incorporar aos seus esquadrões de caça.
O 1º/14º Gav,
sediado na Base de Canoas foi um dos esquadrões que recebeu as novas aeronaves.
Junto ao primeiro lote de F8 Gloster Meteor, veio um instrutor da RAF, Sir Arthur Legranger, o
qual, com posto de major, fora combatente durante a guerra e agora era
contratado pela fábrica do avião como “garoto propaganda” e encarregado de
formar novos pilotos nos vários países que adquiriram a famosa aeronave.
O piloto inglês
passou vários meses usufruindo da hospitalidade gaúcha e instruindo com
acurácia britânica os aviadores brasileiros. Reza a lenda que ele era um
instrutor exigente e de extrema competência que se tornou quase folclórico em todos
os países que trabalhou. Um belo dia com céu de brigadeiro no fim do período
de instrução, quando todos os pilotos do 1º/14º já estavam formados e sua volta
para a Grã Bretanha já estava marcada para a semana seguinte, ele reuniu os
seus instruendos e comunicou-lhes que ia realizar uma manobra marginal com uma
das aeronaves. Dito isso, ele embarcou em um dos aviões, decolou, ascendeu a
trinta mil pés, colocou o nariz para baixo e acelerou até a potência máxima os
motores. Os militares que assistiam às manobras quase não acreditaram quando
ouviram o estrondo sônico, pela
primeira vez na história, uma aeronave havia ultrapassado a barreira do som nos céus de Canoas.
Ao pousar, Sir
Arthur, com toda a empáfia que lhe permitia o feito inédito, comunicou que
havia feito uma manobra autorizada pela fábrica do equipamento, e que a
aeronave estava condenada para uso normal. Devia ser colocada em pedestal e a
fábrica enviaria outra aeronave em reposição junto com o suprimento comprado
pela FAB. Claro, essa decisão estava associada à barreira do som que os americanos tinham acabado de romper e arrogavam que eram pioneiros. Os britânicos, por sua vez, não haviam construído um avião especialmente para transpor essa barreira, mas queriam mostrar que o Gloster era capaz, por isso autorizaram o piloto fazer a manobra. Por outro lado, como a aeronave não tinha sido construída para isso, eles tinham medo que a radical manobra comprometesse a estrutura do avião, então, mesmo com prejuízo, desautorizavam seu uso posterior. Já pensou se o avião se desmanchasse no ar depois disso?
Os militares do
Grupo de Caça, por “jeitinho brasileiro”, por não ter algum documento escrito
sobre o fato, ou por alguma causa não explicada, resolveram ignorar a
advertência de Sir Legranger e continuaram voando a tal aeronave como se nada
houvesse. O F8 de prefixo 4442 continuou prestando bons serviços à FAB até
1971, e hoje se encontra no Museu Matarazzo em São Paulo. Outros Gloster também
foram doados e adornam jardins e praças públicas em vários pontos do país.
Agora vem a parte
inusitada da história. Em meados da década de 1970, a FAB resolveu fazer
inventário das peças e equipamentos restantes dos Gloster. Para isso, foi
designada uma comissão para levantar os materiais de suprimento que haviam
restado nos armazéns do Parque de Marte em São Paulo. Para surpresa dos
inventariantes, em sete caixas de grande porte numeradas, foram encontradas as
partes componentes de uma aeronave inteira novinha em folha. Ninguém soube
explicar o porquê daquele Gloster novo, desmontado e não utilizado. O que teria
acontecido? Como a história do rompimento da barreira do som por Sir Legranger
não tinha sido levada a sério nem pelos gaúchos que a presenciaram, talvez por
que não havia registro escrito, os militares que encontraram o Gloster
encaixotado não fizeram a conexão entre o achado inusitado e a promessa do instrutor
inglês. Mas para quem, como eu, conhece as duas pontas da história, fica a
prova que não se deve duvidar da palavra de um britânico que tem um Sir acrescentado
a seu nome de batismo. O F8 encontrado ainda teve uma vida útil na FAB por
alguns anos. JAIR, Canoas, 07/07/12.
7 comentários:
Um inusitado relatório factual mas, ainda assim, muito interessante.
Abraço
Paulo
História muito interessante, talvez uma das melhores que já soube a respeito de curiosidades envolvendo aviões. Parabéns pela postagem.
Numa de minhas várias passagens pelo PAMA-SP conversei com colegas da área de Suprimento Técnico que haviam participado daquele inventário e confirmaram esse fato, além de outras bizarrices, como o caso do Coronel que exigiu a abertura de rolos selados de filme virgem, para conferir se tinham mesmo 12 jardas... o que obviamente inutilizou o material!
Abraços, amigo.
Só você mesmo para resgatar essa incrível, mas verdadeira história do avião guardado em caixotes!
Consta que ele foi montado e voou até aposentarem os seus irmãos gêmeos! Teria sido o último a ser desativado!
Mas, além disto, você me levou de volta para os anos 50, e pude relembrar o medo que um certo guri tinha do ruído que faziam os Gloster, quando passavam no rasante sobre a casa, às vezes o esquadrão inteiro!
Obrigado, Jair!
Jair, hoje publiquei matéria nova, no aniversário do meu blog!
Convido-o para dar uma conferida:
http://asteroide-leonel.blogspot.com.br/
Abraços!
Meu caro Jair,
mesmo não aficionado (e muito menos conhecedor) de aviões no texto frui duas palavras que me eram desconhecidas: acurácia e instruendo.
Também por isso obrigado,
attico chassot
Ja disse uma vez, e repito.: Adoro seus textos 'avatórios', com eles posso aprender muito sobre esse assunto cujo qual tenho interesse, porém pouco conhecimento...
Parabéns pela postagem!
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