Depois da conclusão
do canal Suez por Ferdinand De Lesseps em 1869, a França colonialista era uma
potência incontestável na Europa e no mundo e, movida pelo espírito de
conquistas tecnológicas despertado pela revolução industrial, achava que o céu
era o limite, nada era grande demais ou difícil demais para ser conquistado ou
ser construído. A Exposição Universal realizada em Paris que acontecera em 1878,
era uma prova de que o umbigo do mundo, não só artístico, mas também técnico,
era a apropriadamente chamada Cidade Luz. A Torre Eiffel projetada e construída
pelo engenheiro francês Gustave Eiffel erguia-se sobre a cidade como um dedo
apontando a abóbada celeste para atestar que aquele era o limite para a
engenhosidade e operosidade dos franceses. Quem subia ao topo da Torre sentia o
mundo pequeno e submisso lá embaixo, era a estrutura construída pelo homem mais
alta do Planeta.
Na primeira metade do
século dezenove os EUA ainda não haviam despontado como a potência militar e
econômica que conhecemos a partir do século vinte. Sua costa leste estava
separada da costa oeste por regiões selvagens semidesérticas, sem estradas,
rios ou caminhos que permitissem uma comunicação razoável entre elas. O
transporte marítimo entre as costas se fazia contornando a América do Sul pelo
cabo Horn, um percurso longo demais, caro demais e perigoso demais. Espíritos
empreendedores sonhavam com um caminho mais curto que se fizesse pelo sul
México ou pelo istmo conhecido como América Central, mas uma tão sonhada
passagem oculta que ligasse o Pacífico ao Atlântico naquela região era apenas
isso: um sonho. A parte mais estreita do istmo (pertencente à Colômbia) já havia
sido explorada e nada parecido com uma passagem foi encontrado, pelo contrário,
havia uma continuação da “espinha dorsal” da América do Sul, os Andes, que
atravessava a região e continuava pela costa Oeste até se fundir com as
Montanhas Rochosas na América do Norte.
Dada a imensa
dificuldade que o desenvolvido leste dos EUA tinha para contatar o “Far West” (Oeste longínquo), alguns
empresários sonhavam com uma oportunidade de ganhar muito dinheiro encurtando a
distância entre as regiões. Para complicar as coisas, em 1848, descobriu-se
ouro na Califórnia, estado situado na costa oeste. Milhares de aventureiros,
trabalhadores e garimpeiros do leste do país saíram em disparada na chamada
“corrida do ouro” que os levou até o istmo da América Central onde pagavam até
cem dólares para atravessar para a cidade do Panamá, depois tomariam embarcação
para a Califórnia. Guias colombianos espertos enriqueciam com esse transporte.
Então, diante desse
quadro, alguns anos depois, caciques industriais endinheirados e influentes de
Nova Iorque deslocaram-se para Bogotá e fizeram lobby, a custa de muitos dólares, junto ao governo do país e
descolaram uma concessão que lhes permitia explorar uma linha férrea a ser
construída entre o Atlântico e o Pacífico naquela província chamada Panamá, na
parte mais estreita do istmo. No leste, voltado para o Caribe, existia um porto
natural de nome Cólon, e do lado do Pacífico ficava a cidade do Panamá, que não
passava de uma vila de choupanas de pau a pique cobertas de folhas de palmeira
onde imperava a malária e a febre amarela.
Ao custo de alguns
milhões dólares e milhares de vidas, os empresários conseguiram vencer a selva
e os obstáculos como rios, pântanos e montanhas e construíram a estrada.
Inicialmente estimou-se que em seis anos seria recuperado o capital empregado,
mas ao cabo de dezoito meses e ao preço de 25 dólares por cabeça (preço
altíssimo para a época), mais da metade do investimento já se encontrava
saldado. Era uma mina de ouro melhor do que as que se foram encontradas na
costa oeste.
Como eu disse, em
1878 os franceses estavam “se achando” e, segundo se julgavam, não existia nada
que não pudessem fazer – e bem feito. Foi aí que o senhor Ferdinand De Lesseps,
cheio de “sou mais eu”, declarou que era possível fazer um canal que cortasse o
istmo da América Central na sua parte mais estreita. Depois de ingerências diplomáticas
em que usou até ameaça de que os EUA estavam dispostos a intervir na região e
desanexá-la da Colômbia, como haviam feito com o Texas e partes da Califórnia
depois da guerra com México, conseguiu a concessão para a construção de um
canal entre Cólon e cidade do Panamá. Fortíssima campanha junto aos franceses
ricos e pobres em que o próprio De Lesseps era o garoto propaganda, conseguiu
arrebanhar algo em torno de novecentos milhões de francos vendendo ações da Compagnie du Canal Interocéanique. Desse
modo o empreendimento era todo privado.
Os trabalhos
começaram em 1880 e, desde logo, ficou claro que os engenheiros franceses
tinham subestimado as dificuldades de construir na selva tropical, dificuldades
agravadas pela falta de experiência e pelas doenças como malária e febre
amarela que eram epidêmicas na região. Milhões de francos eram enterrados pela
lama que teimava em escorrer pelos cortes nos morros e soterravam máquinas e
equipamentos durantes as chuvas. No auge dos trabalhos dezenas de peões morriam
de doenças tropicais, de acidentes e de conflitos entre colombianos e
jamaicanos que não morriam de amores uns pelos outros. Mas o maior erro dos
franceses foi julgar que era possível construir ao “nível do mar”, isto é,
simplesmente rasgar o istmo de um lado ao outro, através dos morros, pântanos e
rios de forma a ligar um oceano ao outro sem considerar que o caudaloso e
imprevisível rio Chagres, por exemplo, ficava a doze metros acima do nível do
mar. Para construir um canal assim, sem comportas, era necessário “domar” o
Chagres com imensas barreiras de contenção como represas que o impedissem de
invadir o canal nos tempo de enchentes. Assim o empreendimento estava fadado ao
insucesso, e foi o aconteceu. Em 1892 a Compagnie
faliu e deixou milhares de acionistas com o mico preto na mão, estava soterrado
na selva úmida e saturada de insetos, o sonho de Lesseps e dos franceses
mesmerizados por seu carisma.
Foi aí que um dos
sócios da empresa, Philippe Bunau-Varilla, engenheiro e lobista fantástico
conseguiu convencer o presidente americano, Theodore Roosevelt, a comprar a
empresa falida e dar continuidade ao canal. Depois de levar ao debate do
Congresso a proposta do francês, o presidente logrou conseguir os quarenta
milhões de dólares necessários à compra, agora só faltava convencer a Colômbia
sobre a necessidade do canal e que não haveria intervenção americana no país.
As coisas não saíram
como previsto pelos americanos, o congresso colombiano não aprovou a concessão
a não ser que os gringos entrassem com uma soma de outros quarenta milhões de
dólares. Assim ficaria mais barato construir um canal na Nicarágua, onde já
existia um estudo de viabilidade. Mas Roosevelt queria o canal na Colômbia, que
fazer?
Como existia certa
insatisfação na região do istmo com relação a Bogotá que era muito longe e
pouca assistência prestava aos habitantes dalí, em 1899 houve uma rebelião que
envolveu tropas locais contra tropas vindas de Bogotá. Morreu muita gente, mas
a insatisfação só aumentou. Roosevelt deslocou tropas de fuzileiros para lá com
a manifesta intenção de proteger os bens e os americanos que operavam a
ferrovia, mas no fundo era uma ocupação branca. Não demorou muito para que os
rebeldes proclamassem sua independência e fundassem o Panamá, país que nasceu com
um “padrinho” poderoso que virtualmente tornou a nova nação um protetorado,
como já o fizera com Porto Rico e Filipinas. O Novo país, inventado pelos
americanos, assinou um tratado com os EUA que cedia por cem anos a “Zona do
Canal” onde os americanos construíram e passaram a administrar o canal,
só que esse é um assunto que vou abordar em outro texto. JAIR, Floripa,
04/06/12.
6 comentários:
Interessante resgate histórico dos acontecimentos que anteciparam a construção do Canal.
Aliás, acho que era uma obra imprescindível não só para os EUA, como para o resto do mundo, economizando uma viagem de muitos milhares de kms, e servindo como fonte de empregos e desenvolvimento para a os locais.
Eu tive a satisfação de ver in loco à passagem dos navios pela "escada de água" que liga o Pacífico ao Atlântico, e achei uma das maiores obras da humanidade, pela feitura e pela importância!
Aguardo a sequência!
Abraços, Jair!
Diria que os E.U.A. são o Império Romano da atualidade, pois adequam o 'status quo' a seu favor, custe o que custar!
Parabéns por mais uma postagem fascinante!
Abraços...
Passei alguns meses lá, nos anos 60, quando pude assistir ao mesmo espetáculo que o Leonel. É curioso notar que o canal segue a direção geral noroeste-sudeste, com o Atlântico a oeste e o Pacífico a leste, devido ao formato do istmo, retorcido em "pescoço de garça". E aproveitando o seu "gancho" lembro que a busca da famosa "passagem do noroeste", no ártico, que causou tantos prejuízos materiais e a perda de inúmeras vidas foi também motivada pelos interesses mercantilistas em achar rotas mais curtas e econômicas entre o Atlântico e o Pacífico, no hemisfério Norte.
Excelente matéria, parabéns. Abraços.
Muito interessante. Quando há interesse dos americanos eles até inventam um país, que coisa! Abraços e parabéns.
/OI JAIR!
UMA POSTAGEM,UMA AULA,BELO RESGATE.
ABRÇS
zilanicelia.blogspot.com.br/
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Meu caro Jair,
quando a chamada imaginei que o tema seria a Libéria ~~ pais africano, que os estadunidenses 'criaram' para depositar de volta os negros libertos ~~ que seria o tema da blogada.
Valeu trazer o Panamá, que agora com voo direto desde Porto Alegre, estou seduzido a visitar.
Valeu muito o tema assuntado,
attico chassot
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