O terror que os
oceanos representavam para os nossos ancestrais que supunham a Terra plana e
com borda onde os navegantes poderiam cair foi, há muito, aplacado; também a
formalidade quase acadêmica como eram descritos pelos grandes navegadores dos
descobrimentos, foi deixada para trás; modernamente, os oceanos tornaram-se
“entidade” representada em todos seus estados de ânimo pela sua dramaticidade,
sua beleza cantada em verso e prosa pelos poetas e outros sonhadores, e sua
violência quando tsunamis medonhos ceifam vidas aos milhares. Mas, além disso,
essa entidade passou a ter relações muito mais próximas e cordiais com a
humanidade dos tempos atuais – e isso, parece, tem muito a ver com o fato de
seres humanos serem “terrestres”, em contraposição a seres aquáticos dos
oceanos. Mar é a antítese de terra, daí o fascínio. A maioria dos bípedes
falantes pensa no oceano com admiração, como um lugar de abrigo da mente, um
local mágico onde se navega por pensamentos sem preocupações do dia-a-dia, um
lugar cujas praias convidam ao dolce far
niente. Devido às dificuldades da vida moderna, o mar passou a ser visto
como um refúgio, um ermo sem multidões buliçosas, sem estresse; um lugar bem
diferente da roda viva que é ganhar o pão de cada dia na indústria e nas
atividades onde o dinheiro é o objetivo final. A vida a beira mar é um ideal
procurado por grande parte do homem moderno.
Obviamente os mares
ainda precisam ser cruzados e navegados, por motivos comerciais, por esporte,
por curiosidade científica e até por motivo de guerra. No entanto, o oceano é
algo a ser invejado, uma entidade merecedora de respeito e admiração. Mas,
embora o mar seja para o homem fonte de proteínas, lugar de lazer, “estrada”
que liga povos, nações e continentes e responsável pelo início de vida no
Planeta, o bicho homem não o trata como deveria. Vejamos o que diz Rachel
Carson no seu clássico “O mar que nos cerca” de 1951: “Embora o currículo do homem como guardião dos recursos naturais da
terra seja desalentador, sempre houve um certo consolo na convicção de que pelo
menos o mar era inviolável, além da capacidade humana de modificar e espoliar.
Mas essa crença, infelizmente, mostrou ser ingênua. Ao desvendar os segredos do
átomo, viu-se confrontado com um problema atemorizante: o que fazer com os
materiais mais perigosos em toda a história do mundo, o subprodutos da fissão
atômica... e, com pouquíssima discussão e quase nenhuma atenção pública, o mar
tem sido escolhido como um vazadouro “natural” para os detritos contaminados...
É uma situação curiosa que o mar, onde a vida surgiu,
seja agora ameaçado pelas atividades de uma forma dessa vida. “Mas o mar, ainda
que mudado de maneira sinistra, continuará a existir: a ameaça é antes à
própria vida”
No entanto, a
poluição marinha, seja ela nuclear ou industrial, não é em si o problema mais
grave e duradouro com que se defrontam os mares e oceanos. Porque o mar tem uma
capacidade, ainda que limitada, de se limpar e se manter em forma. O pior é que
hoje, a demanda sempre crescente de peixes, crustáceos e outros seres marinhos
está pressionando um dos recursos mais frágeis dos oceanos e levando-o perto do
ponto de ruptura. Para atender o insaciável apetite humano por frutos do mar, o
homem está fazendo uma insensata sobrepesca em todos os mares. Em consequência
o pescado está se esgotando muito depressa. As projeções mais conservadoras
avaliam que daqui a quarenta anos não mais existirá peixes e outras vidas
comerciáveis nos oceanos. Urge que nossa sociedade encontre caminhos
alternativos como criação em cativeiro para que não caiamos naquilo que Rachel
Carson escreveu com grande clarividência: “Mas
o mar, ainda que mudado de maneira sinistra, continuará a existir: a ameaça é
antes à própria vida”.
Há mudanças e
degradação em todos os mares. Só nos resta baixar a cabeça de vergonha e
reconhecimento de nossas fraquezas e incúrias: nós poluímos o mar, saqueamos o
mar, desprezamos o mar, profanamos o mar que nos parece, o mais das vezes,
existir só para nos servir. No entanto, a natureza de modo geral e o oceano em
particular, estão nos avisando que haverá consequências se não guinarmos para
atitudes mais racionais. E quais serão as consequências? Não sabemos, e talvez
o melhor é jamais sabermos, não podemos arriscar numa aposta em que a própria
vida está em jogo. JAIR, Floripa, 22/06/12.
6 comentários:
Depois do chamado à poluição atmosferica (no post anterior), por pouco nao mencionei esse problema infinitamente mais perigoso retratado pela destruição oceânica. Um problema quase imperceptível, mas ainda assim inegligenciável. Há alguns atóis, dentre eles o Midway no Pacífico, que tem funcionado como repositório de material de toda natureza descartado nos mares. Provam assim a imensa quantidade de lixo que anualmente desce às profundezas, e que, muito antes de sentirmos os efeitos da escassez de vida na superficie, terá comprometido severamente o ambiente abissal. Bruno.
Jair,
muito bem posto comentário de um ilhéu que, com justeza, se faz guardião dos mares. Êxito na árdua empreitada a qual adiro.
Com admiração,
attico chassot
Uma das coisas que me preocupa, e muito, é a poluição dos mares... Desde o antigo Império Romano que o homem vem jogando todo tipo de residuo no oceano desrrespeitando Netuno, Poseidon, Tritão e principalmente, as futuras gerações!
Parabéns pela postagem...
Abraços!
Belo e triste post!
A palavra-chave é "biodegradabilidade", que nada mais é que a suscetibilidade dos rejeitos à reciclagem natural pela biosfera. Já disse antes e repito: Gaia pode lidar facilmente com o CO2; os vilões mesmo são os plásticos e os resíduos radioativos. Cada oceano tem uma ou mais áreas naturais de acúmulo e reciclagem de resíduos, como o mar de sargaços no Atlântico Norte. Mas esses materiais - plásticos e radioativos - não são digeríveis. E imaginem o planeta atacado de indigestão...
Abraços.
Extremamente importante sua postagem,seu texto nos direciona a refletir mais e mais.... Parabéns pela rica escrita.Abraço!
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