Um tema contumaz e que absorve a mente de sociólogos, antropólogos e outros pensadores é a origem da violência humana. O Homo sapiens é um animal e a maioria dos animais interage ao mundo que o cerca através de comportamentos instintivos, é de se esperar que nós nos comportemos desse modo também. Contudo, o Homo é um animal que aprende, ele vem ao mundo equipado com poucas respostas instintivas: sugar, chorar, comer, sorrir, andar e fugir do perigo podem ser as únicas coisas que ele faz por instinto, tudo o mais é aprendido, tudo o mais é produto da cultura. Cultura feita pelo homem e que o modela à sua feição também.
Os comportamentos da sociedade com relação a sua estrutura política, econômica, religiosa, de costumes e cíveis, são inoculados através da cultura, ninguém exibe uma mensagem genética que determina sua conduta com relação ao casamento monogâmico ou que acate regime democrático, ou que seja cristão, por exemplo. Essas regras vêm da cultura. Todos nós viemos ao mundo com um potencial para viver milhares de estilos de vida, mas vivemos um só, que é imposto pelas tradições culturais do ambiente no qual nascemos.
A maiúscula variedade de formas comportamentais, incluindo crenças religiosas, regras sociais, estilos de vestuários e linguagem, dão mostras de nossa versatilidade extremada, de nossa flexibilidade e complexidade culturais. Não existem regras universais acatadas por todas as pessoas do Planeta. Mesmo proibições de assassinato e incesto, comportamentos desviantes condenados pela maioria das sociedades, são desrespeitados em algumas delas. O Homo sapiens é produto da seleção natural, mas o que o diferencia dos outros animais é que seu comportamento é moldado pela cultura que ele próprio criou.
Com esse background robusto é estultice relacionar a violência humana, especialmente as guerras, com a agressiva exibição de caninos ameaçadores de um babuíno alfa desafiado, ou as marradas de antilocabras machos disputando a atenção do harém de fêmeas no cio, por exemplo. Os administradores e militares nacionais que projetam os conflitos inter nações não estão engajados na agressão, mas na política, e os indivíduos nos campos de batalha assemelham-se mais a cordeiros obedecendo ao efeito manada, e não a predadores excitados no encalço de presa fugidia. Não há qualquer dúvida que de ambos os lados a matança é levada a efeito numa atmosfera carregada de emoções fortes e raiva inexplicável, mas pensemos em quanta doutrinação e despersonalização do “outro” foi necessária para motivar esses guerreiros. A atitude “faca na boca” de soldados especiais como green berets e seals, é conseguida através de duríssimo treinamento e doutrinação que poucos militares conseguem superar, em geral os soldados “normais” matam para não morrer, sendo que a maioria não mata, apenas dá tiros a esmo e abriga-se para não ser atingida.
O ser humano não é programado para combater ou para matar, nem mesmo para caçar; sua habilidade para fazer essas coisas é uma aquisição cultural, aprendida dos mais velhos que aprenderam de seus ancestrais que, em última análise, comportavam-se assim em consequência de pressões da sociedade de onde nasceram. É irônico que a maravilhosa capacidade cultural, capacidade de elevar-se acima dos outros animais quanto ao relacionamento social, seja o instrumento que erige barreiras entre as pessoas. Crenças religiosas e ideologias diferentes são, numa intensidade vergonhosa para a raça humana, causas de ódio que gera guerras e conflitos.
Mais ainda, terrível é constatar o efeito divisor da linguagem. Nenhuma outra criatura tem a capacidade que o Homo tem para a articulação racional de sons que traduzem pensamentos abstratos, na verdade a linguagem falada é o fundamento sem qual não existiria a cultura, e sem esta não existiria o próprio homem civilizado. Sem a linguagem as convenções sociais complexas e a tecnologia sofisticada não existiriam, seríamos primatas vivendo da coleta de alimentos reunidos em aldeamentos primitivos ainda. A linguagem é o veículo que aproxima as pessoas, mas também divide a humanidade em grupos, às vezes, inconciliáveis, pois a barreira dos idiomas impede uma comunicação entre agregações diferentes. É razoável inferir que se todos falassem a mesma língua haveria menos conflitos.
A natureza do homem é mais complexa do que supõe nossa tendência a rotular as coisas. O Homo sapiens não carrega nas costas o fardo de um passado selvagem; o ser humano não é um “macaco assassino” como sugerem alguns antropólogos. E também não somos inatamente pacíficos. A seleção natural nos fez criaturas de comportamento flexível como nenhum outro ser da natureza, semelhamos a páginas em branco prontas a serem pejadas de conteúdo. Somos seres altamente sociais que não conseguiríamos sobrevir sem outros animais de nossa espécie ao redor.
Aqueles que acreditam que o homem é naturalmente agressivo, estão apenas fornecendo uma desculpa conveniente para a violência e para a guerra organizada. Na prática, essa desculpa aumenta a possibilidade de matanças e genocídios ocorrerem, se acreditamos que os homens são inatamente orientados para o conflito estamos endossando atitudes nesse sentido, estamos justificando o injustificável, estamos glorificando o niilismo. Guerras, conflitos e violência em geral são criações humanas e, como tais, passíveis de serem repensadas numa civilização que tenha como escopo sua perpetuação neste planetinha azul. Se o Homo for realmente sapiens deve pensar sobre isso. JAIR, Floripa, 19/04/11.
5 comentários:
Meu caro Jair,
eu usualmente otimista vejo distante a tornarmo-nos homo aprendente. A História parece não ter sido uma boa mestra para as mulheres e homens do Planeta azul.
Comprimentos pela maneira que este blogue nos faz pensar,
attico chassot
Mais um brilhante texto, Jair!
E você chama a atenção para um fato importante: estudos que foram feitos por um canal de TV a cabo, para a reconstituição de combates históricos, ocorridos na guerra de secessão americana, revelam um fato (conhecido pela inteligência militar) que esteve presente também em outros grandes conflitos do século passado: a grande, imensa maioria dos disparos feitos em combate são feitos a esmo, sem nenhuma pontaria, e o mais importante: com a deliberada intenção de não atingir ninguém!
O que a maioria dos soldados conscritos faz num combate é disparar a esmo, esperando que tiros de outros atinjam o inimigo, enquanto o próprio finge estar visando alvos! Não quer realmente ser o autor de mortes ou ferimentos!
Exatamente como você citou, só tropas especiais e específicamente treinadas, como os Green Berets, Marines e paraquedistas realmente atiram visando matar os inimigos, daí o seu peso em um combate ser bem maior do que o das tropas regulares!
Obrigado por dividir conosco mais um pouco da tua cultura!
Abraços!
- Jair,
- Tiro o chapéu com a destra, mas atrevo-me a erguer a sinistra para incluir entre os instintos inatos o sexual; e como este só se manifesta na adolescência, fica sujeito a influências intraculturais, e por isso pode ser moldado pelo mores social, dentro de certos limites, para exacerbar tendências agressivas. Assunto complexo, que você tem, com certeza, escondido nessas mangas enormes do seu traje intelectual para surpreender-nos no futuro.
- Abraços, amigo.
Excelente, concordo com essa sugestão que a postura de violência humana é algo adquirido e não inato. Quanto á maneira que você coloca sua opinião, me parece um pouco erudita demais.
Jair. Seu texto remeteu-me imediatamente ao criminologista italiano Cesare Lombroso (1835-1909) autor do livro O Homem Delinquente. Segundo o autor existem pessoas predestinadas ao crime e que trazem em si detalhes físicos que podem denunciá-los como tal. Entre outras coisas, maçãs do rosto salientes, nariz assimétrico, braços longos e mãos grandes, alguns com mais de cinco dedos, orelhas de abano, estrábicos, dentes irregularas, etc, são, segundo Lombroso, identificadores de um possível criminoso. Felizmente nada disso foi provado cientificamente e pessoas com essas cacterísticas podem circular livremente por aí. Se fosse nosso contemporâneo Lombroso teria que rever sua posição sobre o assunto pois a grande maioria dos políticos brasileiros não possui estas características, mas, faz parte uma corja de criminosos da pior espécie.
Grande abraço,
Joel.
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