sábado, 2 de junho de 2012

Sobre censura

Um país sem livros é um deserto de idéias”, essa frase é minha e traduz o que penso sobre a importância da palavra impressa. Palavra impressa, diante das novas formas de levar as idéias até ao leitor, é apenas uma expressão, porque na verdade o que chamamos de livro sofreu inúmeras adaptações aos novos meios de informação e tornou-se algo muito diferente do que foi no passado, contudo, a essência do livro continua a mesma. O livro é ponte sagrada sobre a qual a humanidade passa para encontrar os rumos que conduzem à civilização. O suporte para o livro não importa, ao longo da história os homens firmaram aquilo que seria importante para suas gerações em pedra, pergaminho, papiro, madeira, metal, papel e, agora, em elétrons na forma de e-book. Lembrando que e-book é uma abreviação para “electronic book”, ou livro eletrônico: trata-se de publicação com conteúdo idêntico ao de uma possível versão impressa, com a característica de ser, claro, uma mídia digital.
Com o desenvolvimento da imprensa no final do século quinze, as pessoas começaram a se interessar pela leitura e a veiculação de ideias se tornou mais fácil e, sobretudo, desejável. A palavra impressa era um pacote que uma vez aberto mostrava conteúdo que viria somar ao que se conhecia, a ampliar horizontes, então, sempre que possível, as pessoas aprendiam a ler para adquirir saberes só possíveis nos livros. Por causa do potencial perigo que poderia representar para as autoridades constituídas e para o poder religioso, a censura nasceu ao mesmo tempo. Normal que aqueles que detêm o poder temam que os produtos da criatividade humana venham a suprimi-lo, ou como pensava o clero, a verdade das escrituras pode ser abalada pelo que a ciência descobrir. Então, proíba-se.
Em consequência, a erudição e a leitura passaram a ser encaradas com receio e até temor puro e simples. O livro era uma preocupação constante da inquisição. O medo da ciência era tamanho que, em 1640, todas as obras de Copérnico foram listadas no index proibitorum da igreja católica. Um inquisidor mais sincero chegou dizer: “A verdade é que nada dissemina e distribui melhor a doutrina dos hereges do que livros, que, como mestres silenciosos, falam constantemente; eles ensinam todo o tempo e em todos os lugares. O adversário e inimigo típico da fé católica sempre confiou nesse meio nocivo
Numa época com tanto receio no ar, os livros eram queimados tanto quanto pessoas. Nos auto de fé, como eram chamados os espetáculos da queima de hereges, os livros também encontravam um fim ignóbil. A estupidez e o medo eram tão fortes que em 1579 o inquisidor geral de Portugal ordenou que livros fossem incinerados até não mais restar nem cinzas. Intelectuais como Cervantes se indignavam com essas barbaridades, tanto é que ele incluiu no seu magistral “Don Quixote” a cena em que uma governanta incinera a coleção de livros de cavalaria do pobre cavaleiro andante Quixote para preservar a integridade da mente daquele sonhador. Na atualidade, Umberto Eco, pensador, linguista, filósofo e escritor italiano, incluiu no excelente “O nome da Rosa” uma cena no qual um frei beneditino cego, zeloso das verdades das escrituras, queima um acervo valiosíssimo de livros raros para impedir que as heresias contidas neles se disseminem. Claro que ao longo do tempo muitos outros escritores registraram suas revoltas contra essas censuras. Ray Bradbury escreveu “Fahrenheit 451” – temperatura da queima do papel – para denunciar a suposta periculosidade dos livros. No romance os livros são perigosos demais para a população e estimulam o elitismo e a divergência das normas politicamente corretas, então devem ser queimados.
Livros conduzem idéias e estas podem não serem convergentes com o establishment e podem até contestá-lo, então livros são perigosos, essa é conclusão do obscurantismo que normalmente acompanha o poder. Nos dias de hoje, nos países que os fundamentalistas islâmicos dão as cartas, os livros não têm livre trânsito, se não são queimados em praça pública também não são vendidos livremente. Continuam sendo objeto de censura. Parece que enquanto houver livros e poder discricionário haverá inquisição literária e quem perde é a humanidade. JAIR, Floripa, 01/06/12.

10 comentários:

Unknown disse...

Joguemos esses juízes eclesiásticos na fogueira!!!!!

J. Muraro disse...

Leio e gosto de pessoas que leem, acho que a leitura é o único veículo que aproxima pessoas de culturas diferentes. Gostei do texto.

J. C. M. Souza disse...

Ler, buscar conhecimento: não tem preço. Mas "ler sem refletir é como comer sem digerir."
Grande post, meu caro amigo do continente.
Abraços!

Leonel disse...

É quase uma regra dos regimes totalitários e obscurantistas, partir para cima dos livros e da imprensa, pois temem a livre divulgação das idéias!
Mas, boa citação de FAHRENHEIT 451,grande livro que virou um grande filme!
Abraços, Jair!

Karine disse...

Jair...

Nesta nossa última viagem a Alemanha, tive a oportunidade de visitar em Berlim o "Monumento aos livros queimados", uma biblioteca subterrânea, que vemos através de um vidro no chão, porém sem livros... foi algo que me deixou muito triste, pensar em quanto da história e da ciência virou cinzas pelo ódio de um louco sem escrúpulos.

Como disse o poeta Heinrich Heine: "Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas."

Abraços amigo...

Attico CHASSOT disse...

Jair,
paladino na defesa dos livros,

permito-me aditar mais um nome Shih Huang Ti ~~ que se imortalizou com a construção da muralha da China e de seu mausoléu formado pelos guerreiros de terracota de Xian ~~ fez queimar todos livros escritos antes de sua passagem pela história, para que se dissesse que o conhecimento começou com ele.
Votos de um domingo literário,
achassot

Professor AlexandrE disse...

A única censura cujo qual sou favorável é a censura da censura!
Ótimo texto, PARABÉNS!

Abraço...

R. R. Barcellos disse...

O ódio ao livro é o medo supersticioso que a ignorância tem do conhecimento. E a censura é o principal instrumento desse ódio.
Beleza, Jair. Abraços.

Carlos Morelli disse...

Ué !! Mais não fizeram a cabeça da rapaziada atual que esse
tema era exclusivo do herdado "lixo autoritário " ?

Luci disse...

Vou brincar com coisas sérias! Será que a fumaça expelida com os saberes contidos nos livros queimados,não se espalhou e foi absorvido pelas mentes inquietas e ávidas de conhecimento? Assim como as bombas atômicas explodidas no Japão irradiaram seus componentes mortíferos, as idéias bem que poderiam ser respiradas...Será possível? Luci