sexta-feira, 17 de junho de 2011

As folhas caem



Outono, período de transição entre o verão que se foi e o inverno que chega, é, em geral, quando as folhas das árvores de folhagem não perene caem. Em climas frios e temperados essa é a regra, nos trópicos ou em regiões semitropicais isso quase não acontece, em geral as árvores mantém suas vestimentas verdes o ano todo. A botânica nos informa que essa perda de folhas permite que a árvore “durma” durante o inverno despendendo menos energia preservando sua seiva e seu vigor para que, nos dias mais quentes da primavera, ela possa renovar-se, florir e preparar-se para produzir frutos e sementes que garantirão sua descendência. Fica evidente que essa estratégia de reprodução foi desenvolvida pela vegetação que vive em climas menos favoráveis, as árvores de florestas tropicais em geral não perdem as folhas porque a abundância de sol e água não oneram seu desenvolvimento e elas podem se dar ao luxo de serem verdejantes o ano todo.
Embora seja costumeira uma analogia dessa particularidade da vida dos vegetais com a sequência seguida por nós humanos dizendo que homens e mulheres da terceira idade estão no “outono” da vida, isso não é a expressão da verdade. Animais que somos, não vivemos em ciclos repetitivos como as plantas. A não ser o ciclo circadiano, que se repete mais ou menos a cada vinte e quatro horas, não temos algo que se assemelhe a “estações” do ano que se sucedem como nas plantas. Não conseguimos nos renovar a cada ano de modo a recuperar “folhas” perdidas durante o outono. Quando chegamos nesse período da vida já deixamos para trás grande parte do vigor e da saúde; agora, queiramos ou não, entramos no ramo descendente que nos levará ao término irrefragável, não há renovação como nas plantas.
As folhas caem. Nossos cabelos, seios, dentes, tonicidade muscular e pele sofrem a ação da gravidade e despencam, sinal da decadência da matéria da qual somos constituídos. Qualquer artificialidade que vise interromper ou atenuar essa sucessão de eventos é mera cosmetologia, a idade e o fatal declínio do corpo físico são irreversíveis. As nossas folhas caem sem retorno e sem renovação, nós somos seres de existência vetorial, nossas vidas têm grandeza, sentido e direção. À vista dessa inexorabilidade, a qual aponta sempre do começo para o fim inescapável, o homem, como angustiado ser pensante, inventou uma tal de vida após a morte que serve para consolá-lo na sua ansiedade existencial. Deus, alma, inferno, limbo, céu e vida após a morte estão de acordo com a recusa inconsciente do homem em pensar sobre o fim; e o consequente retorno da matéria que o compõe ao estado primitivo de substâncias inanimadas simples e elementos da tabela periódica.
A mente é pródiga em construir castelos no ar no qual os seres humanos possam se abrigar das intempéries inevitáveis que o decorrer obtuso do tempo impõe. A mente é o instrumento perfeito para criar a ilusão que mantém a esperança. Parece que a mesma mente que nos diferencia de outros seres nos dando autoconsciência, serve como contraponto amenizando o terrível sofrimento que nos aflige ao nos sentirmos mortais. O cair de nossas “folhas”, ao contrário do mesmo fenômeno no reino vegetal, prenuncia o fim que evitamos pensar, mas desencadeia todo um mecanismo de bloqueio e repulsão da realidade terrível, não somos racionais quando se trata da morte.
As religiões nos dão “certeza” que, se seguirmos seus ditames, teremos um nobre assento num lugar chamado céu onde nossa alma gozará de delícias mil eternamente. Não importa que nossas velhas folhas caiam, nossa alma terá vida eterna. Esse é o mecanismo que o homem inventou para compensar a inevitável queda de suas folhas. JAIR, Floripa, 16/06/11.

5 comentários:

Leonel disse...

Assunto meio desagradável de encarar, esse do nosso "outono", termo válido se compararmos nossa vida com o período de um ano no hemisfério norte, onde começamos vindo do inverno e na juventude atingimos a primavera dos anos. O verão é o auge de nossas vidas produtivas e a seguir vem o outono das folhas amarelas e dos cabelos brancos, precedendo o inverno do frio ocaso, onde tudo se acaba.
Como você bem citou, a mente humana com raras exceções, não parece preparada para enfrentar o inevitável fim.
Restam as esperanças de renascer!
Um texto profundo para se refletir!
Abraços, Jair!

António Gallobar - Ensaios Poéticos disse...

Olá amigo Jair

Para quem está longe acha que o Brasil é um eterno Verão... mas afinal engana-se redondamente

É como diz, o outono é uma forma de preparação cheia de analogia.

É sempre com grande prazer que passo por cá

Abraço

R. R. Barcellos disse...

- Meu caro, você misturou crenças religiosas, psicologia, superstições, filosofia e metafísica, botou tudo com casca no liquidificador, ligou na tomada de 220 e apertou o botão "triturar". Assim não vale!
- PS: Essa folha é de bordo? Canadense?
- Abraços.

JAIRCLOPES disse...

Caro Barcellos,
Esse é uma folha de bordo, símbolo do Canadá. Agora tenho uma nora canadense e resolvi homenageá-la com essa bela imagem.

J. Muraro disse...

Gostei da profunda reflexão. Você nos faz pensar, parabéns.