domingo, 12 de setembro de 2010

Yakuza





A economia japonesa do pós-guerra, além de ter sido alavancada pela ajuda norte americana através do plano de desmobilização e reconstrução, tornou-se, sem qualquer surpresa, robusta e competitiva, porque no período entre guerras o grosso do orçamento público e dos investimentos privados era voltado para o armamentismo, supostamente para defender as fontes de abastecimento primário, especialmente de petróleo, produto inexistente no país. É claro que uma casta de generais nacionalistas, com certa nostalgia do isolacionismo sob o qual o país havia vivido no início da era Meiji, certa mentalidade expansionista adquirida no período entre guerras e olhando terras férteis e parcamente ocupadas logo ali na Manchúria, ilhas do pacífico e da Oceania, incentivou a criação de exército e marinha fortes em detrimento de uma economia de mercado, ou mesmo de um pequeno progresso que livrasse a maioria do povo da miséria mais aviltante. O resultado foi um estado aristocrático calcado na figura do imperador Hiroito, mas controlado com mão de ferro pela nobreza que, quase sempre, se confundia com a elite militar. À casta dos mandantes e senhores da guerra tudo era permitido e, em nome do Império, toda a riqueza produzida no país era carreada para a produção de navios e aviões de guerra, desenvolvimento de armas e aumento dos efetivos das forças armadas. Assim, não é surpresa que depois da guerra, não mais existindo forças armadas a não ser meramente simbólicas, sobrasse dinheiro para investimentos em infra estrutura, escolas técnicas, universidades e indústrias voltadas para a produção de bens de capital e de consumo.

O país emergiu do conflito arrasado, mas com mentalidade nova, os senhores da guerra haviam sido derrotados e os que sobreviveram perderam o poder e, às vezes, a vida, depois de condenados por crimes que haviam cometido na China e nas ilhas do Pacífico em nome de uma suposta raça superior, conforme se julgavam. Agora era a vez dos capitães da indústria. Dinheiro, vontade de reconstruir o país e gente preparada surgiram nos primeiros anos a despeito de como o Ocidente via o Japão: país transformado num estado medieval. Nada mais enganoso, várias reformas sociais realizadas após a guerra ajudaram a moldar uma estrutura básica para o subseqüente desenvolvimento econômico. A desmilitarização do pós-guerra e a proibição de rearmamento estabelecidas pela nova Constituição permitiram que o antes pesado ônus provocado pelos gastos militares fosse direcionado para a economia.

Curiosamente, tanto a nobreza como a maioria dos generais oriundos da elite latifundiária do país, eram herdeiros do espírito, das tradições e, às vezes, até da genealogia dos Samurais. Lembrando que Samurais eram soldados de elite da aristocracia do Japão entre 1100 e 1867. Suas principais características eram a grande disciplina, treinamento rigoroso desde o berço, lealdade aos chefes políticos e sua incrível habilidade com a katana, espada que, mais que qualquer outra coisa, caracterizava aquela casta guerreira. A “justiça” aplicada pelos Samurais constituía decepar a cabeça do inimigo com a katana de um só golpe, e eles o faziam sem ao menos piscar, prática adotada pelos oficiais japoneses quando do tratamento de prisioneiros de guerra, principalmente na tomada das Filipinas contra as tropas americanas comandadas pelo General MacArthur. Com a restauração Meiji, a era dos Samurais, já em declínio, chegou ao fim. Mas, a partir de 1867, valendo-se de suas complexas e antigas relações com o poder, muitos dos compulsoriamente aposentados Samurais, tornaram-se donos de terras onde passaram a exercer poderes de senhor feudal sobre os camponeses pobres. E alguns, inconformados com a perda de status e não querendo se subordinar às leis vigentes, formaram bandos de saqueadores que assolavam aldeias e fazendeiros de todas as ilhas, alguma coisa assim como os cangaceiros do nordeste brasileiro ou os bushrangers da Austrália.

A economia de mercado depois da guerra possibilitou o crescimento de empresas já existentes, muitas das quais se tornaram grupos e conglomerados poderosos, também permitiu o surgimento de novas empresas, especialmente nas áreas eletrônicas e de tecnologia de ponta. O empresariado japonês apresentava o mesmo espírito guerreiro dos Samurais, de quem tinha herdado o orgulho e a disciplina. Paralelo a evolução da economia, os grupos criminosos também cresceram e se tornaram mais sofisticados, a “máfia” japonesa, chamada Yakuza, uma organização gigantesca que permeia todos os desvãos empresariais do país, passou a desfrutar ativamente dos ganhos da nova economia fortalecida. Os bandidos atuam por extorsão aos empresários e vivem atrás dos bastidores da economia, nada fazem para disfarçar suas identidades, ternos risca-de-giz e camisas pretas propositadamente menores que deveriam ser para realçar seus físicos musculosos, cabelos cortados bem curtos, correntes de ouro no pescoço e imenso dragão tatuado no tórax.

Os extorsionários profissionais se mantinham ativos desde que os Samurais haviam sido desmobilizados no século dezenove, quando o Japão optou pela industrialização. Mas, somente agora como a reinvenção da economia, é que eles se formaram em corporações temíveis, chegando a extorquir até empresas estatais como a Japan Air Lines. Esse ressurgimento vigoroso do crime organizado também é culpa dos empresários, estes mantinham capangas musculosos e violentos para manter calados os sócios minoritários de suas empresas nas assembléias. Estes mesmos capangas se viam em posição de extorquir os próprios empresários que os haviam contratado, já que ficavam sabendo das sujeiras por trás de decisões em relação aos acionistas. Daí a formarem redes bem organizadas de extorsão, foi um pulinho.

O fato de esses gangsteres conseguirem intimidar os super homens das empresas do Japão é um fenômeno inacreditável para nós ocidentais, mas os japoneses não são, e nunca foram, como o resto do mundo. As empresas ocidentais têm exagerado respeito pelos acionistas, em particular pelos pequenos investidores, sabem que são estes que “salvam” a companhia nas épocas de crise, por exemplo, quando uma empresa tenta “engolir” a outra fazendo uma incorporação espúria, são os pequenos acionistas que põe a boca no trombone e, muitas vezes, impedem o mau negócio ou conseguem vantagens que seriam escamoteadas se a opinião dos diretores acabasse prevalecendo. No Japão, por outro lado, os empresários se lixam para os pequenos acionistas, estes só recebem diminutos dividendos, cabendo a parte do leão aos amigos e políticos. Os criminosos da Yakuza conhecem as nuances e os escaninhos das decisões empresariais e se valem desse conhecimento para prosperar à sombra de uma economia que cresce. A Yakuza se tornou tão poderosa que costuma comprar ações de uma empresa até se tornar majoritária, daí, seus representantes comparecem a reuniões como mandantes, ameaçam demitir toda a diretoria se esta não recomprar as ações por preço mais elevado. Geralmente conseguem o que querem e a empresa não divulga o incidente para não assustar os outros sócios. É um golpe de alto coturno perfeito.

Pois é, tenho um amigo, o Fabrício Ishikawa, com o qual fiz boas pescarias aqui em Floripa, que trabalhou no Japão durante cinco anos como dekassegui, isto é, trabalhador emigrante. Por três anos trabalhou numa grande empresa de peças plásticas de interior de automóveis. Por pequena desavença com o chefe foi posto para a rua sem quaisquer direitos. É bom que se diga que os trabalhadores no Japão têm diretos trabalhistas previstos em lei, como indenização por exemplo, as quais os empresários costumam não tomar conhecimento, principalmente quando se trata de trabalhadores estrangeiros.

Meses antes, o Fabrício, tomando uns gorós no fim de semana em um bar que costumava frequentar, separou uma briga em que dois dekasseguis peruanos tentavam matar um japonês. O japonês salvo do massacre ficou amigo do Fabrício e se pôs a disposição para qualquer coisa, deixou implícito que atuava no submundo e tinha amigos com muito poder. Fabrício e ele passaram a sair juntos, foram a festivais de música e muitas pescarias. Quando da demissão do meu amigo ele lembrou do cartão do tal japonês e telefonou relatando o ocorrido. O carinha disse ao Fabrício que fosse trabalhar no dia seguinte e se o chefe perguntasse o que ele estava fazendo lá, só mostrasse o cartão. Dito e feito, meu amigo foi e, ao mostrar o cartão, notou uma visível mudança na face do chefe. Pouco depois do início do expediente, um carro preto parou na frente do escritório da empresa e dele saltaram três sujeitos fortões de terno, cabelos bem cortados e cara de poucos amigos. Em seguida, trancaram-se durante meia hora com os chefes no escritório. Ao saírem o Fabrício foi chamado pelo diretor de RH e recebeu todos os direitos previstos em lei, e mais “algum” por fora a título de compensação pelo aborrecimento. Valeu para o meu amigo que quando voltou ao Brasil tinha uma boa grana para comprar uma casa e abrir uma loja aqui em Floripa. JAIR, Floripa,12/09/10.

2 comentários:

Leonel disse...

Infelizmente, no Japão, apesar do desenvolvimento e da riqueza, ainda prevalecem as influências da arrogância dos tempos imperiais e do poder dos senhores feudais, agora criminosos!
Também é interessante notar mais uma vez que os perdedores da II Guerra que ficaram sob a tutela americana tiveram sua economia e padrão de vida elevado, enquanto que os que caíram no domínio comunista mergulharam no atraso e no subdesenvolvimento.
Porém, o crime parece acima de ideologias, como pode ser visto por organizações como a Yakuza e a máfia russa.

R. R. Barcellos disse...

- Informações em primeira mão são sempre uma fonte fiável. Eu diria que o Brasil deve alguma coisa à Yakuza e à Cosa Nostra: os imigrantes nipônicos e peninsulares que, fugindo delas, tanto contribuíram para o progresso do nosso país.
- Abraços.