Até mais ou menos dez mil anos atrás, os homens andavam por aí nas suas aldeias ou caminhando em busca alimento, construindo habitações rústicas instrumentos de pedra, osso ou madeira, mas não faziam história. Como assim, não faziam história? Pois é, os paleontologistas e outros estudiosos interessados naquele período da nossa existência convencionaram chamar de história da humanidade apenas o que tivesse registro escrito, isto é, tudo que aconteceu antes da adoção das letras pelas civilizações passou a se chamar pré-história. Atitude que visa separar, segundo eles, para efeito didático, períodos distintos de nossa vida sobre este planetinha azul, mas que, a meu ver, tem um viés de preconceito, tipo assim: nós somos melhores que vocês, nós sabemos escrever, vocês não.
De qualquer forma, mesmo que não escrevessem livros e tampouco conhecessem quaisquer tipos de letras, os homens primitivos, que nessa altura já ocupavam quase todos os lugares habitáveis do Planeta, costumavam registrar alguns feitos e costumes nas paredes de suas casas. Bem, não se sabe em que outros lugares eles desenharam seus feitos, porque só restou mesmo desenhos em cavernas, as quais eles ocupavam porque eram casas prontas, não havia necessidade de erigir paredes. Talvez o que mais lhes fizesse falta eram banheiros, lixeiras e despensas, eles faziam as necessidades no chão onde colocavam alimentos e jogavam lixo, nada muito diferente do que se vê ainda hoje em alguns lugares de populações pobres.
Contudo, esse hábito não muito saudável de não jogar lixo no lixo, facilita o estudo dessas populações, pois os cientistas se valem dos vestígios de alimentos e cocô (cocô fossilizado chama-se coprólito e é um instrumento muito interessante no estudo da alimentação não só de homens, mas também de animais extintos, até dinossauros) para deduzir seus hábitos e costumes. Existe até uma matéria que os paleontólogos estudam na faculdade, chamada coprolitologia que, traduzindo em miúdos, é o estudo de merda fossilizada. Haja imaginação!
Escrevi em outro texto: “Se há uma característica universal que define o ser humano é a produção de lixo. As pessoas sempre deixaram e deixam restos espalhados por onde passam, lixo é uma marca da civilização. Vemos a prova disso em todas as partes, nas ruas das cidades, nos rios e oceanos e nos depósitos apropriados, os chamados lixões. Existe até um estudo, “lixologia”, que consiste em xeretar os restos de pessoas célebres para descobrir detalhes de suas vidas. Nossos museus exibem objetos salvos dos restos de outras épocas: moedas celtas, cerâmicas egípcias e marajoaras, porcelanas chinesas, tecidos astecas e incas, objetos de culto maias, armas e instrumentos de uso domésticos diversos. A lista é interminável, e as peças contam a mesma história genérica: os humanos fazem objetos, usam-nos e depois os descartam, jogando-os fora como coisas imprestáveis, ou ocasionalmente ofertando-os numa cerimônia fúnebre, como os sepultamentos de pessoas importantes, sepultamentos os quais os egípcios praticaram em grande escala”.
Pois então, nossos ancestrais analfabetos deixaram registros numerosos e consistentes de sua passagem por aqui, mas os historiadores estão mesmo interessados no registro escrito, então ficamos na história. Têm-se como certo que primeiras grafias que representavam números, transações e nomes apareceram no com os sumérios, a chamada escrita cuneiforme porque eles se valiam de sinais em forma de cunha. Bem, não interessa como eles escreviam e sim o quê fizeram questão de deixar registrado nas suas placas de barro. E para aqueles que imaginam que o escriba sumério estava preocupado em “colocar no papel”, grandes feitos que enaltecessem seu povo e sua civilização, é a maior decepção. Os sumérios registraram suas transações comerciais tipo assim: o fulano trocou dois bodes gordos que havia criado por um saco de trigo. Ou, vendi uma ânfora de azeite para sicrano e ele ficou devendo dois dinares. Por conseguinte, nada homérico, nada faustoso, só registros contábeis comezinhos, algo assim como deixarmos registros de nossas compras em supermercado e, daqui a quinhentos mil anos, um arqueólogo encontrar o caderninho e fazer suas suposições. Não vamos ficar ofendidos se ele nos achar primitivos e destituídos de elã histórico. A vida segue como deve e os historiadores correm atrás.
Outro povo “escritor” antigo foram os egípcios, deixaram escritas abundantes em pedra, por isso é possível estudar muito de seus hábitos e costumes com alguma acurácia. Não só isso, eles possuíam duas escritas: hieróglifos, em cuja redação entravam figuras que representavam palavras e situações; e escrita demótica – uma versão popular mais simplificada da antiga língua egípcia. Essa duplicidade de escritas facilitou muito a compreensão de sua história quando engenheiros napoleônicos encontraram uma pedra na localidade de Roseta escrita em hieróglifos, demótico e grego antigo. O achado foi uma mão na roda. A partir da decodificação da pedra de Roseta a história do Egito antigo tornou-se transparente, e houve como deduzir suas relações políticas e de negócios com outros povos. Que fique registrado neste texto: os egípcios antigos eram meio arrogantes e só colocavam nos seus “livros” de pedra coisas relacionadas aos Faraós, à nobreza e à classe dominante. Alguma semelhança com a história do Patropi?
Daí, na Ásia e Europa ocupadas pelos Homo sapiens eles começaram a fazer história, registraram muitos fatos e até começaram com primeiros escritos ficcionais, principalmente depois de 1439 quando Gutenberg construiu a primeira máquina impressora que usava tipos móveis, bem mais fáceis de manipular e imprimir. Aliado ao fato que o papel, que antes só era produzido a partir de restos de tecido e de roupas velhas (esse papel primitivo devia ter odor de roupas sujas, pois ninguém lava vestimentas que vai descartar, aliás, naquele tempo não era costume nem lavar as roupas cotidianas. Sabão era artigo de luxo e costumava-se usar a mesma roupa até tornar-se inservível), agora havia possibilidade de fabricá-lo de fibras de madeira o que o tornava mais barato. Embora essa descoberta tenha, de certa forma, decretado a extinção das florestas da Europa e depois do resto do mundo. Fico feliz em estar escrevendo neste teclado e não publicar minhas “mal traçadas” em papel. Não podemos perder todas, não é mesmo? JAIR, Floripa, 28/01/12.
De qualquer forma, mesmo que não escrevessem livros e tampouco conhecessem quaisquer tipos de letras, os homens primitivos, que nessa altura já ocupavam quase todos os lugares habitáveis do Planeta, costumavam registrar alguns feitos e costumes nas paredes de suas casas. Bem, não se sabe em que outros lugares eles desenharam seus feitos, porque só restou mesmo desenhos em cavernas, as quais eles ocupavam porque eram casas prontas, não havia necessidade de erigir paredes. Talvez o que mais lhes fizesse falta eram banheiros, lixeiras e despensas, eles faziam as necessidades no chão onde colocavam alimentos e jogavam lixo, nada muito diferente do que se vê ainda hoje em alguns lugares de populações pobres.
Contudo, esse hábito não muito saudável de não jogar lixo no lixo, facilita o estudo dessas populações, pois os cientistas se valem dos vestígios de alimentos e cocô (cocô fossilizado chama-se coprólito e é um instrumento muito interessante no estudo da alimentação não só de homens, mas também de animais extintos, até dinossauros) para deduzir seus hábitos e costumes. Existe até uma matéria que os paleontólogos estudam na faculdade, chamada coprolitologia que, traduzindo em miúdos, é o estudo de merda fossilizada. Haja imaginação!
Escrevi em outro texto: “Se há uma característica universal que define o ser humano é a produção de lixo. As pessoas sempre deixaram e deixam restos espalhados por onde passam, lixo é uma marca da civilização. Vemos a prova disso em todas as partes, nas ruas das cidades, nos rios e oceanos e nos depósitos apropriados, os chamados lixões. Existe até um estudo, “lixologia”, que consiste em xeretar os restos de pessoas célebres para descobrir detalhes de suas vidas. Nossos museus exibem objetos salvos dos restos de outras épocas: moedas celtas, cerâmicas egípcias e marajoaras, porcelanas chinesas, tecidos astecas e incas, objetos de culto maias, armas e instrumentos de uso domésticos diversos. A lista é interminável, e as peças contam a mesma história genérica: os humanos fazem objetos, usam-nos e depois os descartam, jogando-os fora como coisas imprestáveis, ou ocasionalmente ofertando-os numa cerimônia fúnebre, como os sepultamentos de pessoas importantes, sepultamentos os quais os egípcios praticaram em grande escala”.
Pois então, nossos ancestrais analfabetos deixaram registros numerosos e consistentes de sua passagem por aqui, mas os historiadores estão mesmo interessados no registro escrito, então ficamos na história. Têm-se como certo que primeiras grafias que representavam números, transações e nomes apareceram no com os sumérios, a chamada escrita cuneiforme porque eles se valiam de sinais em forma de cunha. Bem, não interessa como eles escreviam e sim o quê fizeram questão de deixar registrado nas suas placas de barro. E para aqueles que imaginam que o escriba sumério estava preocupado em “colocar no papel”, grandes feitos que enaltecessem seu povo e sua civilização, é a maior decepção. Os sumérios registraram suas transações comerciais tipo assim: o fulano trocou dois bodes gordos que havia criado por um saco de trigo. Ou, vendi uma ânfora de azeite para sicrano e ele ficou devendo dois dinares. Por conseguinte, nada homérico, nada faustoso, só registros contábeis comezinhos, algo assim como deixarmos registros de nossas compras em supermercado e, daqui a quinhentos mil anos, um arqueólogo encontrar o caderninho e fazer suas suposições. Não vamos ficar ofendidos se ele nos achar primitivos e destituídos de elã histórico. A vida segue como deve e os historiadores correm atrás.
Outro povo “escritor” antigo foram os egípcios, deixaram escritas abundantes em pedra, por isso é possível estudar muito de seus hábitos e costumes com alguma acurácia. Não só isso, eles possuíam duas escritas: hieróglifos, em cuja redação entravam figuras que representavam palavras e situações; e escrita demótica – uma versão popular mais simplificada da antiga língua egípcia. Essa duplicidade de escritas facilitou muito a compreensão de sua história quando engenheiros napoleônicos encontraram uma pedra na localidade de Roseta escrita em hieróglifos, demótico e grego antigo. O achado foi uma mão na roda. A partir da decodificação da pedra de Roseta a história do Egito antigo tornou-se transparente, e houve como deduzir suas relações políticas e de negócios com outros povos. Que fique registrado neste texto: os egípcios antigos eram meio arrogantes e só colocavam nos seus “livros” de pedra coisas relacionadas aos Faraós, à nobreza e à classe dominante. Alguma semelhança com a história do Patropi?
Daí, na Ásia e Europa ocupadas pelos Homo sapiens eles começaram a fazer história, registraram muitos fatos e até começaram com primeiros escritos ficcionais, principalmente depois de 1439 quando Gutenberg construiu a primeira máquina impressora que usava tipos móveis, bem mais fáceis de manipular e imprimir. Aliado ao fato que o papel, que antes só era produzido a partir de restos de tecido e de roupas velhas (esse papel primitivo devia ter odor de roupas sujas, pois ninguém lava vestimentas que vai descartar, aliás, naquele tempo não era costume nem lavar as roupas cotidianas. Sabão era artigo de luxo e costumava-se usar a mesma roupa até tornar-se inservível), agora havia possibilidade de fabricá-lo de fibras de madeira o que o tornava mais barato. Embora essa descoberta tenha, de certa forma, decretado a extinção das florestas da Europa e depois do resto do mundo. Fico feliz em estar escrevendo neste teclado e não publicar minhas “mal traçadas” em papel. Não podemos perder todas, não é mesmo? JAIR, Floripa, 28/01/12.
6 comentários:
Acho isso interessante demais. Não me esqueço da primeira vez que fui ao precário Museu histórico da Quinta da Boa Vista, aqui no Rio, e descobri o que eram sambaquis. Não passavam de vestígios arqueológicos encontrados em várias regiões do Brasil e através deles muito se descobriu sobre nosso comportamento em outras épocas!
Muita paz!
Jair:
Concordo também, tudo faz parte da história da civilização; pelo fato de não ter tido, ainda, a escrita, recebe o nome de pré? Não existiu uma história? A escrita perto da história é novíssima, praticamente.
Você levantou algo que eu não tinha pensado... Não tinha me detido nisso.
As primeiras manifestações do homem que temos conhecimento começaram nas cavernas de Akakus, Altamira e Lascaux.
Quanto ao nosso lixo, ele é nossa grande revelação: e pelos nossos detritos somos julgados; ou conhecidos. Lembro que há pouco tempo (não é coisa pré-histórica rsrs) ficamos sabendo um pouco da vidinha de um conhecido playboy lá do Rio de janeiro... Se alguém for vasculhar meu lixo, por certo achará algo: costumes, o que como, o que bebo, o que uso. É uma grande fonte de informação. Quem diria...
Adorei seu texto, sempre com umas pitadas diferentes... engraçadas, deixa o texto mais leve.
Abraços
Tais Luso
É... e enquanto a Educação neste país depender de algumas cabeças cheias de coprólitos, grande parte de nosso sofrido povo permanecerá na pré-história, como trogloditas analfabetos.
Abraços.
Realmente Jair,
a crítica que fazes a estes ‘Historiadores’ que falam em ‘pré-história’ é muito pertinente. Desconsiderar as sociedades ágrafas!
Bem trazidas as possíveis fontes de então.
Parabéns
attico chassot
Postagem muito interessante, criativa e iformativa!
Parabéns!
Abraços...
Eu sempre fiquei cismado, desde a primeira vez em que ouvi o termo "pré-história".
Para mim, tudo o que aconteceu, por mais antigo que fosse, devia ser "história".
Mas resolveram vincular o termo história com a escrita, embora alguns povos antigos já tivessem sua história passada oralmente de pai para filhos, geração após geração...
Abraços, Jair!
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