Em outros dois textos já tratei do assunto homofobia sob o ponto de vista social e humano, já abordei a discriminação e o absurdo de se condenar pessoas tão normais como quaisquer outras só porque se comportam sexualmente de modo “diferente”. Mas agora quero opinar sobre a descoberta do que a imprensa desinformada ou de má fé convencionou chamar de “gene gay” masculino, e que alguns mal informados ou mal intencionados quiseram ver nisso um determinismo genético. Explicando, já que existe um gene comum entre a maioria dos gays, pode-se deduzir que está escrito nas estrelas, ou melhor, nos genes, que o portador desse gene será gay. Essa é uma estultice sem tamanho.
Cientistas do National Institute of Health, de Bethesda, Maryland, relataram ter descoberto que grande número de homossexuais masculinos pode ter irmãos, tios e primos maternos baitolas. Esse fato levanta a lebre que um gene localizado no cromossomo “X” pode ser o causador da boiolice masculina. Isso porque os homens têm apenas um cromossomo “X”, o qual herdaram da mãe, pois o “Y” vem do pai.
Diante da descoberta, os pesquisadores passaram a procurar no cromossomo “X” algum gene comum entre os gays masculinos. Quase na extremidade desse cromossomo, numa região chamada Xq28, eles encontraram cinco marcadores idênticos partilhados pela maioria dos gays e quase inexistente entre os heteros. Com a descoberta dos parentes maternos homossexuais, indica claramente que a viadagem masculina pode ter um componente genético.
E agora José? Será que esse achado compulsa que consideremos a boiolagem uma “doença”, e, como tal, passível de “cura”? Será que determina outras noções de “orgulho”, “culpa”, “vergonha”, “raiva”, “ódio” ou “desprezo”? A resposta a essas perguntas é não. Nada mudou, se o gay sente orgulho, culpa ou vergonha, pode continuar sentindo. Se o homofóbico sente ódio, raiva ou desprezo, continua errado como sempre. Não existe determinismo genético.
Para explicar podemos recorrer a exemplos de um projeto e de uma receita de bolo, como fez Richard Dawkins no livro “O capelão do Diabo”. Um projeto de um carro, por exemplo, é reversível. A partir do carro um engenheiro pode reconstruir o desenho original. A partir de um bolo, por melhor que seja o cozinheiro, é impossível reconstruir a receita. Há um mapeamento possível entre um carro e o projeto que lhe deu origem, a cada uma das peças corresponde um lugar na planta. No caso da receita esse mapeamento não existe. É impossível pegar um pedaço da torta e dizer este pedaço corresponde a tal parte da receita. Todas as partes da receita estão diluídas no bolo inteiro.
O conjunto de genes, em aspectos distintos, as vezes se comporta como um projeto, as vezes como uma receita. Um gene em si, como uma unidade de informação, pode ser considerado uma peça de um projeto. Há uma correspondência de qualquer gene de qualquer ser vivo com uma ou mais funções naquele organismo. Assim, o projeto Genoma Humano, o que fez foi mapear os genes e suas correspondentes funções no conjunto maior, nada mais. Agora, a disposição dos genes e a complexidade das relações internas do organismo considerado geram interações que se assemelham mais a uma receita de bolo. Não é apenas a relação do gene e um “pedaço” do corpo ou um comportamento do indivíduo que conta. O que há é uma relação entre os genes, os fatores ambientais e o ritmo em que os processos ocorreram durante o desenvolvimento intra-uterino do feto. Os efeitos finais no corpo e no comportamento são muito variados e difíceis de definir.
“A metáfora da receita é boa, mas uma metáfora melhor seria a do corpo com um cobertor pendurado no teto por cem mil tiras de borracha, todas entrelaçadas e enroladas umas nas outras. O formado do cobertor – o corpo – é determinado pelas tensões e comprimentos de todas as tiras de borracha ao mesmo tempo” (Dawkins). Se houver qualquer alteração em uma das tiras – cortada ou tensionada de maneira diferente – haverá uma alteração no formato do cobertor. Alteração difícil de prever.
Assim, o fato de um indivíduo possuir tal ou qual gene não determina seu comportamento final, existe apenas possibilidade estatística dele desenvolver certo comportamento, certa doença. Possuir um gene associado ao diabetes não obriga o portador a desenvolvê-lo, apenas o coloca no grupo de risco. Seus outros elásticos (interações e comportamentos) é que farão com que ele desenvolva ou não a doença. O efeito dos genes no corpo é como o efeito da fumaça nos pulmões. Se você fuma muito, aumenta a probabilidade de contrair câncer no pulmão. Não determina coisa alguma. Muitos fumantes terão câncer no pulmão, mas muitos não fumantes também o terão. Portanto, o que muda é apenas a estatística, tantos por cento dos fumantes etc, tantos por cento dos não fumantes etc.
Então, dizer que o homossexualismo é genético é apenas afirmar que existe um componente genético na tendência viadal. Muitos portadores do tal gene certamente nunca desenvolveram e nunca desenvolverão o comportamento, não há determinismo genético, mais uma vez. Ainda não foi feito, mas seria bem interessante demonstrar estatisticamente qual a probabilidade de um homem que apresenta o gene particular na região Xq28 tornar-se homossexual. Resumindo, se você é homossexual ou homófobo, saiba que seus motivos – sejam quais forem - nada têm a ver com genes. Outra coisa, até agora não se encontrou nem uma relação entre genes e sapatismo, as mulheres não têm comportamento homossexual relacionado com genes, pelo que se sabe. JAIR, Floripa, 27/03/11.
11 comentários:
- Desde Mendel, os fatores hereditários passaram a ser focalizados sob as lentes da genética. E o que se descobriu desde então anda dando muito pano pra manga.
- Os portadores de preconceitos talvez tenham um gene específico dessa doença na zona YQ45G do oitavo cromossomo - ou coisa que o valha. Mas isso parece mais um defeito adquirido, e não uma falha congênita.
- Parabéns por mais uma bela abordagem. Abraços.
I really enjoyed reading this piece Jair....well done. Both from my scientific and professional mind and personally, due to the recent admission that Matthew is gay. The interactions of nature vs. nurture will always puzzle us and i would be very suprised if there ever were to be a definitive answer regarding causative effect for things like this. In life and in humans there's always an exception to the rule and that's what makes us so unique and interesting. I wonder if there have been any twin studies regarding this concept?
Amigo, você recorda (deve ter conhecimento disto) o chamado BABY BOOM ocorrido após a II Guerra Mundial?
O meu nascimento foi uma clara consequência disso, pois meus pais já tinham três filhos, o menor com 12 anos, quando eu nasci.
Pois bem!
Há teorias de que isto ocorreu como uma espécie de compensação pelos milhões de mortos ocorridos no conflito!
Segundo algumas correntes, a humanidade às vezes se porta como um gigantesco e único organismo!
Com o aumento aparentemente descontrolado da população mundial, pela mesma teoria, a natureza deve tentar controlar isso!
Então, pode-se esperar um aumento cada vez maior de homens e mulheres homossexuais, cujos relacionamentos não geram filhos!
Uma tentativa de GAIA para controlar a densidade demográfica!
Tem explicação melhor?
Abraços!
Tradução aproximada do que a Laura Lopes escreveu:
"Eu realmente gostei de ler este texto Jair .... bem elaborado. Tanto da minha mente científica e profissional e pessoalmente, devido à recente admissão de que Mateus é gay (irmão dela). As interações de natureza versus natureza sempre nos confundem e eu ficaria muito surpresa se alguma vez viessemos a ter uma resposta definitiva sobre efeitos causadores de coisas como esta. Na vida e no homem há sempre uma exceção à regra e é isso que nos torna tão únicos e interessantes. Gostaria de saber se houve alguma estudos de gêmeos sobre este conceito?
Jair, como depois do "apagão" do Blogger, os comentários foram apagados, vou repetir.
Eu creio que a humanidade às vezes age e reage como se fosse um organismo único, do qual somos as células renováveis!
Após a II Guerra, depois da morte prematura de milhões de pessoas, houve o chamado "Baby Boom", um grande aumento no número de nascimentos, inclusive o meu, não-programado, temporão 12 anos após o irmão anterior.
Agora, com o aumento descontrolado da população mundial, deve aumentar bastante o número de gays de ambos os sexos, ocasionando relacionamentos que não darão origem a filhos, como uma forma de limitar os nascimentos!
É gaia criando gays!
Só para aguentar até a chegada do asteróide!
Abraços, amigo!
Parabéns pela abordagem. Realmente, ninguém pode culpar os genes pela boiolice, tá provado. Acho que tem muito mais a ver com educação, família, raizes, infância... e outras coisitas mais.
Excelente o conteúdo da leitura.
Meu caro Jair, valeu muito o texto. A crise do Blogger impediu-me comentário no dia 12.
Uma sugestão, brinda teus leitores com ‘Um diário do viajor’ nestes próximos dias. Permito-me contar-te que minhas viagens de férias ganham espaços em meu blogue e têm consequências: um médico de Porto Alegre, que não me conhecia, um dia escreve-me uma mensagem em que dizia que incluíra a Croácia e a Eslovênia em seu roteiro pelo que leu acerca de minhas andanças nesses dois países em fevereiro de 2008. Quando voltou, foi a minha casa levar-me um mimo da Croácia.
Um abraço
attico chassot
Caro Barbosa, escrevi um comentario sobre teu texto, inclusi bordando o caso do maluco do Dan Hamer com seu gen Xq28, mas na hora de postar deu pau no meu PC, e eu perdi o comentario, e não me lembro mais do que escrevi, em todo caso um grande abraço.
Fabio
Amigo Jair, li e gostei muito do teu texto sobre a homoxualidade. Porém a questão do gene Xq28 explicaria a questão masculina e a feminia "sapatiçe"? Seria por causa dos dois XX? A coisa é mais complexa do que podemos imaginar. Um grande carinho, Marilene. POA,RS
Olá, que bom ter a oportunidade de ler algo a este respeito exatamente na época e local em que estou vivendo. Após me mudar do Brasil para os EUA, tive a nítida imagem de que o mundo eh gay com algumas excecoes heteros. O oposto do que pensava quando morava no Brasil. Aqui na terra do Tio Sam, como noutros países de primeiro mundo, as pessoas são o que são. No Brasil, a sociedade, engolidora de liberdade, forca o indivíduo a caminhos pre-determinados por ela mesma. Tenho vários amigos gays e lesbicas que foram morar fora do Brasil, pois nao encontravam conforto em expressarem sua vontade, aptidao sexual. Penso e espero que com toda a nossa dita evolução sirva para que preconceituosos tentem entender que as pessoas são livres para manejarem seu corpo da forma que lhe convier dentro do limite de seu direito. Beijos da nora,
Jair, você é um excelente escritor e essa questão da homossexualidade masculina dá pano para manga e incomoda muita gente... achei apenas que os termos "boiolice", "viadagem", etc foram expositores de uma homofobia exposta... rs Concorda?
Tenho amigos homossexuais que se portam masculinamente imperceptíveis e sem "trejeitos!" e apenas gostam de outro homem... sentem atração e curtem... não vejo qualquer coisa errada nisso !
Um grande abraço e continue escrevendo e nos presenteando com teu dom ! Bruno Neves
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