Quando eu tinha
catorze anos comprei meu primeiro guarda-chuva. Comprei-o a prestações de uma
mascate ambulante (Mascate ambulante? Não será todo mascate, ambulante?) de
nome Germano, que passava periodicamente pela cidade vendendo “coisas”. Na
verdade sua bagagem consistia de duas imensas malas cheias de cacarecos que não
eram facilmente encontráveis no comércio de cidade pequena como Palmeira. Então,
seu Germano fazia a festa. Foi assim que acabei comprando o tal guarda-chuva em
suaves seis prestações, porque, apesar de já trabalhar duro numa madeireira,
oque eu ganhava – meio salário mínimo – mal dava para ir ao cinema de vez em
quando. Acrescente-se que era uma guarda-chuvinha bem furrepa, uma pancada mais
forte e água em spray passava pelo pano
quase transparente e molhava a roupa e os cabelos.
Porque estou contando
essa tão pouco esfuziante história? Por que um dia destes, aqui em Floripa,
despencou uma iracunda chuva de verão com rajadas fortes de vento bem na hora em
que eu havia saído para almoçar. Esclarecendo, aqui em casa há mais de dez anos
não fazemos almoço, comemos em restaurantes porque sai mais barato e é mais
prático. Assim não precisamos lavar louças, fazer compras de gêneros
alimentícios, não deixamos sobras de comida e não passamos tempo na cozinha.
Bem, dizia eu que havia saído para almoçar e caiu uma tempestade implacável. O
que me chamou atenção durante o curto percurso de meu apartamento ao
restaurante ida e volta, foi a grande quantidade de guarda-chuvas abandonados
na rua. Impressionante, nuns poucos quarteirões contei despreocupadamente seis
ou sete desses objetos atirados fora em mau estado provavelmente em decorrência
das rajadas de vento.
Então ficam algumas
observações. Quando adquiri com grande
sacrifício meu primeiro e não tão bom guarda-chuva, este se tornou um objeto
caro – lembremos que o comprei a prestações - de muita utilidade e que requeria
grande cuidado, eu não podia me dar ao luxo de extraviá-lo ou danificar porque
isso podia significar não poder comprar outro e ter que me molhar à menor
chuvinha; hoje os guarda-chuvas vêm da China a um preço irrisório e os
portadores não estão apegados a esse bem que, se perdido, pode ser reposto com
grande facilidade; o meu primeiro guarda-chuva, apesar de ser de pouca
qualidade para os padrões da época, era muito mais resistente que maioria dos
atuais; naquele tempo objetos como guarda-chuvas não eram particularmente
fáceis de encontrar, não havia muita disponibilidade, ainda mais em cidades
pequenas como Palmeira.
Hoje a sociedade de
consumo talvez não entenda como pode um simples guarda-chuva ser comprado a
prestações. Em qualquer ponto de qualquer cidade podem ser adquiridos guarda-chuvas por até cinco reais. Veja bem, cinco
reais! Dá prá imaginar fazer seis prestações mensais para comprar um objeto de
cinco reais? A coisa é tão surrealista que parece que vivi minha experiência em
outro século. Pensando bem, foi em outro século mesmo e eu é que estou velho e não
posso negar. Abraços, JAIR, Floripa, 14/04/2013.
6 comentários:
Foi em outro milênio, amigo... e só quem, como nós, viveu mais em outro milênio que no atual, tem uma bagagem de histórias saborosas sobre mascates e guarda-chuvas... um dia, talvez, o "Sete Ramos" aborde - não com tanto brilho - esse tema. Até lá, e mesmo depois, meus aplausos!
Hoje em dia, aqui no centro do Rio, vendem-se guarda-chuvas a 5 reais durante as chuvas...
Acredito que muitos são descartados após as chuvas...
Quando chover de novo, haverá outros para comprar...
Abraços, amigo!
Guarda chuva furrepa naquele tempo tinha seis varetas, os melhores tinham oito. Então, supõe-se, que o teu tinha seis, não é mesmo?
kkk, não faz muito que uma chuvarada me pegou desprevenida. Passei no primeiro camelô, a 10 metros e comprei um por 7 pila! Antes de chegar em casa, bateu um ventinho e o troço virou do avesso! Não tinha outra coisa a fazer do que dar boas gargalhadas! Foi pro lixo na hora. Não se faz nada mais como antigamente, no século passado!
Abraços!
Jair, teria sido "importante" vc fazer uma menção que fosse, ao nosso popular "guarda-chuva de polaco", que é quase uma instituição velhoburguiana.
Abração,
Ruy.
Aqui é o Rui Marques, isso mesmo filho do compamheiro de seu pai.
falecido Carlito, revendo as belezas do caiacanga deparei com suas narativas, emocinado e feliz.
abraço... rui.marques.es@gmail.com
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