Agora em 2012 os
Mayas, mais uma vez, viraram notícia por causa de seu calendário que,
supostamente, marca o fim dos tempos para o dia 21 de dezembro. Objeto de
milhares de conjeturas fantásticas, grande produção de oliúde e saites aos
borbotões, o calendário realmente existe e o original se encontra num museu em
Londres, cópia dele está no Museu Maya na cidade do México.
Estive passeando no
México, na península de Yucatán, e tive oportunidade de ir até Chichén Itzá, local onde se situa a
chamada “cidade Maya” que tem a famosa pirâmide e vários outros monumentos
construídos com fins rituais religiosos nos anos mil de nossa era.
Os Mayas eram um
povo que construiu uma civilização na região de florestas tropicais onde hoje é
a Guatemala, Honduras e Península de Yucatán no México. Este povo desenvolveu
sua fantástica cultura, aparentemente autóctone, a partir de 900 anos antes de
Cristo que durou até em torno do ano 1200 de nossa era quando as camadas mais pobres
do povo revoltaram-se destituindo e matando a nobreza numa espécie de “revolução
francesa” que deu feição de anarquismo à organização que restou. Em seguida,
outros povos invadiram a região e destruíram sua estrutura social. Só restando
a partir daí aldeias isoladas sem qualquer vínculo com a antiga civilização a
não ser a língua e as habilidades artesanais.
O fato é que, apesar
de historiadores e outros estudiosos referirem a um “império Maya”, há indícios
que eles nunca chegaram a formar um império unificado, uma nação com um comando
central e estrutura administrativa que permitisse a existência de um exército
coeso que pudesse defender com eficácia “suas fronteiras”. Parece que essa
falha favoreceu a invasão das terras pelos Toltecas que eram guerreiros mais
organizados. Como é fácil de perceber pelas ruínas dos monumentos que restaram,
as cidades não eram necessariamente locais de residência do povo, elas abrigavam
o núcleo do poder religioso e das decisões políticas da civilização. O povão
morava fora dos muros das cidades e a eles cabia obedecer e pagar impostos. O poder
imperial – uma junta de sacerdotes e gente de sangue azul - era considerado um
representante dos deuses no Planeta Terra. A zona urbana – local onde se
localiza a pirâmide - era habitada apenas pelos nobres (família real),
sacerdotes (responsáveis pelos cultos e saberes), chefes militares e
administradores do império (cobradores de impostos). Vê-se que o Plano Piloto
de Brasília teve uma fonte antiga onde beber. Os camponeses, artesãos e
trabalhadores urbanos que formavam a base da sociedade, não tinham privilégios
só lhes cabia apoiar os nobres. Qualquer semelhança com os decadentes impérios
europeus do século dezenove, talvez seja mera coincidência, mas os efeitos maléficos
que essa estratificação social causou à organização não o é.
A agricultura era a
base da economia, principalmente o cultivo de milho, feijão e batatas. E eles
desenvolveram técnicas de irrigação que eram muito avançadas para a época.
Praticavam o comércio de mercadorias com povos vizinhos e no interior do
império e para isso construíram “estradas” que são perfeitamente detectáveis
ainda. Tive oportunidade de ver uma delas.
Ergueram pirâmides,
templos e palácios, demonstrando um grande avanço arquitetônico. O artesanato
também se destacou: fiação de tecidos, uso de tintas em tecidos e roupas.
Desenvolveram
escrita pictorial na qual os símbolos, a exemplo de nosso alfabeto, representavam
os sons como as letras os representam para nós. Tanto articulado era o idioma
escrito, que hoje é possível representar nosso alfabeto com os hieróglifos
mayas. Isto é, pode-se “escrever” nossas palavras com os símbolos deles sem
qualquer prejuízo para a compreensão. Como a língua maya está viva, não é
difícil comparar suas representações fonéticas com os sons que usamos, há
símbolos para todas as nossas letras.
Transposição dos hieróglifos mayas para nosso alfabeto.
Na matemática usavam
sistema trinário – três dígitos: zero, um e cinco. Antes que alguém ache três
dígitos uma aberração, é só lembrar que os computadores só usam dois: zero e
um. Curiosamente, já conheciam o zero antes do mundo ocidental. Com esses três
dígitos construíram um calendário funcional quase perpétuo que hoje é objeto de
vasta especulação. Seus descendentes que vivem na região do Yucatán conseguem transpor
qualquer data atual do nosso gregoriano calendário, para calendário deles. Essa
habilidade, que não é difícil de entender depois que nos explicam como funciona
o sistema trinário, falcuta-lhes amealhar alguns pesos dos turistas pela
confecção de amuletos pingentes de prata com quaisquer datas que interesse ao
turista.
Na arquitetura, não
precisa dizer, suas pirâmides, embora semelhantes às egípcias em escala menor, são
de esmerado acabamento e pejadas de inscrições e formas geométricas que lhes
conferem um valor artístico invejável. Como os mayas não dispunham de metal
duro para lavrar as pedras calcárias que usaram na confecção de seus monumentos,
pirâmides e templos, fizeram uso de obsidiana,
uma rocha vulcânica extremamente dura. O problema é que não existe obsidiana no
Yucatán, então, deduz-se, eles a importavam de regiões longínquas como América Central. Lamentavelmente alguns monumentos foram explodidos pelos
exploradores em busca de ouro, o qual inexistia.
Hoje o sítio Chichén
Itzá é uma das sete maravilhas do mundo, tombado como patrimônio histórico da
humanidade, assim como o é o Cristo Redentor do Rio de Janeiro. JAIR, Floripa,
07/10/12.
17 comentários:
Se não fosse a estupidez e ganância dos espanhóis, possivelmente teríamos aprendido muito com essa fabulosa civilização que teve seus resquícios apagados para sempre pelos conquistadores. Conta-se que um padre que fazia parte das primeiras levas de exploradores, queimou mais de quinhentos códices Maias, porque "eram coisa do demônio".
Ó santa ignorância! se depender de você voltaríamos a idade da pedra!
Belo passeio pelo tempo, amigo... parabéns!
Abraços.
Muito bom, JAIR!
Não entendo por que o Y nos Maias, depois de aportuguesar "Hollywood" e "sites"... rsrs
Apenas considero que "a revolta do povo matando a nobreza" é uma versão um tanto romantizada, para dar mais glamour ao desaparecimento desta imponente civilização.
Vi certa vez, acho que na National Geographic Channel (ou foi na History Channel?), um documentário especial que investigava as mudanças climáticas na Terra ao longo de suas eras, e conseguiu situar no tempo que coincide com a extinção daquela civilização maia, uma seca terrível que se prolongou por décadas naquela região.
Isto sim justificaria uma revolta da população, fundamentalmente agrícola, e voluntariamente sacrificável a seus Deuses (por meio de seus sacerdotes) para regar a terra com seu rico e precioso sangue (coisa que os europeus devotos de uma religião intolerante acharam hediondo e não entenderam o conceito cultural dos sacrifícios humanos), o que pareceu inútil pois a chuva não vinha, ano após ano. Então, nada mais natural do que do esfacelamento da motivação de suas crenças e o descrédito pela elite "religiosa", e conseqüente abandono dos grandes centros urbanos em busca de lugares mais férteis para sobreviverem.
Não houve revolta armada ou turbe enraivecida, senão não sobrariam tantos templos inteiros e intactos (sem marcas de guerras, pois neste caso o povo dominante costuma destruir vestígios que o povo oprimido possa se lembrar e agarrar para tentar resistir).
Houve sim um colapso de uma sociedade enorme em população, concentrada em megacidades mas sem alimentos e água para sustentá-la agrupados. Então se dispersaram, e também por isto ainda encontramos herdeiros falantes do idioma maia.
Sobre o calendário, nunca foi dito que ele tinha um fim (apenas aqueles que usaram isto para vender livros e filmes)...
O que aconteceu é que esculpiram o mecanismo de contagem de tempo em rocha cujas engrenagens chegavam a um limite, muito distante para a época que viviam. Assim não havia qualquer sentido em terem um trabalhão para esculpirem outro cuja utilização seria muitas, mas muitas gerações adiante (elas que o fizessem quando estivesse chegando mais perto! rsrs), pois a lógica matemática cosmológica seria a mesma.
Agora, confessa: essa tipóia no braço, na foto, é resultado de tentativa de escalar uma dessas pirâmides maias? rsrs
Abraço!
Caro André,
Primeiro, obrigado pelo comentário substancioso e inteligente. Segundo, sem qualquer pretensão, usei "Y" em Mayas por que o famoso e insuperável Eça de Queirós escreveu a obra prima "Os Maias" e eu não quis plagiá-lo no título. Terceiro, hoje (fazem seis anos) está proibido subir nas pirâmides porque os vândalos costumavam deixar suas marcas de gente escrota, então, estou de tipóia na foto e ainda me encontro usando-a porque estou com uma bursite/tendinite do arco da velha.
Abraços, JAIR>
Caro JAIR,
"Os Maias" de Eça de Queirós era um romance sobre uma família de sobrenome Maia (que muito provavelmente não o tinham por nenhuma homenagem ao povo Maia).
"Os Maias" a que você se refere são um povo e uma cultura, faz parte da história, cabe bem o título.
Veja bem, não estou insistindo para que mude nada, respeito sua argumentação, e o empréstimo da palavra estrangeira de grafia espanhola.
Mas usar um título coincidente está muito distante de um plágio de uma obra-prima. hehehe
Lamento pela bursite/tendinite... (ok, não precisa confessar sobre a "arte" da tentativa, ainda mais sendo às escondidas por ser proibida hahaha)
Isto me lembrou a aflição que esses "ite"s me causam:
Inflamações
http://famainfame.blogspot.com.br/2009/03/inflamacoes.html
rsrs
André teimoso, eu disse plágio de título! Ninguém em juízo perfeito vai confundir uma obra daquela com minhas "mal traçadas", não é mesmo?
Pare de ser turrão!
Abraços, JAIR.
Ai, meu tempo de estudante...
Estudos arqueológicos que foram efetuados em 1839 pelo governo dos Estados Unidos, já fornecem dados a respeito dessa civilização que exerceu sobre outros povos influência semelhante à dos gregos sobre os romanos. E tiveram 3 épocas distintas: a Pré-maia, o Antigo império e o Novo império. E aí tem assunto, 'pano pra manga'... Foram períodos históricos que corresponderam à sua expansão em certas regiões, e sua desintegração.
A arquitetura dos Maias era dominada por fortes preocupações religiosas, e conforme o período, as paredes dos templos eram cobertas por significativos afrescos. A disposição dos edifícios formava um centro consagrado ao culto, enquanto a escultura tinha função mais decorativa – falando no Antigo Império. Acreditavam que o criador do mundo era Hunab, cuja filho, Itzamna, invocado em cerimônias de ano novo, e que lhes dera a escrita, os códigos e os calendários.
É considerado o único povo letrado do mundo aborígene americano, sua escrita está preservada nas inscrições dos monumentos de Dresden, de Madri e Paris.
Bela essa sua postagem. Rica e curiosíssima.
Abraços!
Ótimo aparte e complemento da Tais Luso.
Apenas para completar a última frase dela, "... sua escrita está preservada nas inscrições dos monumentos de Dresden, de Madri e Paris", SE um tal bispo Diego de Landa não tivesse mandado queimar (como efeito aniquilador de cultura mesmo) todos os livros e documentos que existiam dos maias, exceto estes códices que estão em exposição nesses museus, teríamos então muito mais riqueza de material escrito dos maias.
Meu caro Jair,
está explicado o longo silêncio que impuseste a teus leitores. Estava no México. Tive o privilégio de estar em Chichin Itzá. Com tuas reminiscência matei saudades.
Obrigado
attico chassot
belíssima explanação, caro amigo! Desconhecia o sistema de numeração na base três.Diferente, diga-se de passagem, pois, o sistema na base 3,por definição, deveria utilizar somente os algarismos 0,1 e 2(menores que 3). Vou analisar essa curiosa diferença!
Muita paz!
Se me permite meter o bedelho no tocante à matemática, gostaria de explorar alguns conceitos aqui que parecem se confundir.
Eu tinha como que o sistema de numeração dos maias (assim como dos celtas) era fundamentado na "base 20", também chamado vigesimal, ou seja, os múltiplos de vinte equivalem aos nossos múltiplos de 10, em termos de peso e unidade multiplicadoras.
Neste caso, deveriam ter um nome próprio para cada numeral até 20, e depois combinações deles.
Por exemplo, no caso dos celtas ainda encontramos pistas disto no substrato do francês, que fiz 80 como sendo quatre-vingts (= 4x20) e 90 como sendo quatre-vingts-dix (= 4x20+10). O resto desapareceu por influência das culturas dominantes.
Mas como bem disse Jair, a escrita utilizava apenas 3 símbolos (daí o termo tridígito) para representar esses 20 números básicos: o ponto (.) que contava 1, o traço (-) que contava 5, e o zero (um desenho que lembra um disco, um pão ou uma semente, sei lá, em perspectiva). Com a combinação destes 3 elementos se escrevia os outros, e guardavam as posições de centenas, milhares, etc, como nós fazemos.
Um sistema na base 3, como mencionou Cristiano Marcell, é outra coisa, e só conhece mesmo 0, 1 e 2, e múltiplos de 3, e suas combinações.
Caro André,
Eu até sei como os Mayas construíam seus números, aprendi com descendente guia que me explicou com grande competência. É claro que, como meu texto se trata de uma crônica descontraída, não vou explicar para os leitores como se faz. Só tenho a dizer que eles consideravam a multiplicação por vinte em suas construções numéricas. Mas você explanou bem uma das maneiras de construir um sistema.
Agora voltando a vaca fria. Quando eu denominei "Os Mayas" meu escrito e defendi essa opção como para não plagiar "Os Maias" de Eça, o fiz pelo seguinte motivo: Se alguém usar um buscador internético para achar "Os Maias" do Eça, não vai topar com minha pobre crônica no lugar daquela obra. Seria desonestidade minha confundir o leitor que está em busca de alta literatura, não é mesmo?
Abraços, JAIR.
Caro Jair,
Tem toda razão! O approach do padrão de pesquisa faz com que seu texto venha junto com outros artigos e informe sobre os Mayas. Boa estratégia!
Seu artigo, muito mais do que leve de ler e descontraído, está excelente e rico de informações, conciso ao que se propõe. E também concordo que não cabia ali adentrar noutros detalhes. Os comentários de todos são coloridos que o complementam, ou então é palco para esclarecimentos e debates inspirados no tema, penso eu.
Fico om uma ponta de inveja ao saber do seu privilégio de aprender tantas coisas in loco, e poder apreciar presencialmente todas estas maravilhas, um legado da humanidade.
Abraço.
André, pelo visto já se antecipou a mim.
Isso realmente procede, o sistema do qual eles se utilizavam era tridígito, contudo não era de base 3.
Excelente leitura do amigo Jair Lopes logo pela manhã:
Recebi o convite de vir aqui,de meu amigo Joel,e ao fazê-lo pude aprender um pouco sobre a história desse povo. Assisti um belo debate;cordial e sensato e resolvi escrever um pequeno comentário. Independente das teorias e do calendário Maia. Uma coisa fica muito clara nas modificações que sofre o planeta. Quando sera destruido? Não podemos afirmar, mas que certamente o será, e por nós mesmos, muito em breve, não há dúvidas. Morreremos todos no meio do lixo produzido pela nossa incúria, nossa ganacia, e principalmente pelo nosso materialismo. Os Maias,em sua matematica já sabiam do resultado que virá ao natural, devido a proliferação da miséria e da mecanicidade incontrolável. Aplausos moço, pelo que li e aprendi.
Adorei seu texto meu Nobre Colega... A Civilização Maia é uma das que mais me fascina... Como historiador fico impressionado com a capacidade desse povo!
Abraços!
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