Lembro do tempo da
escola fundamental quando, nas aulas de história do Brasil, as professoras se
referiam ao “comércio com as Índias” que teria impulsionado as grandes
navegações portuguesas que resultaram nos grandes descobrimentos. Vasco da Gama
teria chegado às Índias contornando o Cabo da Boa esperança e navegado pelo
oceano Índico até a “terra das especiarias”.
Bem, tudo facilmente
assimilado até certo ponto, mas, quando surgia a palavra especiarias a coisa empacava, meio que os textos se tornavam herméticos, as
professoras mal sabiam o que eram as tais especiarias e se limitavam a dizer
que eram cravo, canela e pimenta do reino. Ora, esses conhecidos temperos eram
usados em doses parcimoniosas na culinária daquela época; eram obtidos no comércio local, embora nem sempre muito baratos, mas não havia como entender
que tais complementos pudessem ser objeto de caríssimas, longas e complicadas
viagens através do mundo para obtê-los. A mim parecia que ninguém tinha
conhecimento ou capacidade para explicar essa engenharia comercial que resultou
nas mudanças que formaram o mundo no qual vivíamos.
Especiarias?
Temperos culinários movendo o mundo? O que é isso? Vivi com essas indagações incrustadas
no cérebro por anos a fio. A coisa ainda ficava mais interessante quando a
gente percebia que a palavra especiaria
só era usada nos livros de história, não havia registro em outros lugares a não
ser em dicionários. Ninguém dizia: “Vai
ali na venda do seu Zé comprar duzentas gramas de especiaria para o almoço”;
Não havia referências como: “Aqui se vendem
especiarias”, ou “Grande liquidação
de especiarias”. Guardadas as diferenças especiaria era como “de onde vêm os bebês”. Todo mundo sabia, mas ninguém dizia. Limitavam-se a cegonhas e
outros que tais.
Pois, passados
muitos anos, quando já nem mais me lembrava do termo, lendo um livro sobre a história
do sal, encontro lá as melhores explicações sobre as tais especiarias. Pimenta
do reino, canela, cravo, noz moscada e macis (óleo que se extrai da noz moscada) eram os substitutos do sal na conservação
da carne. O sal era artigo de luxo, caro e raro, portanto, numa época que
inexistia geladeira, as especiarias serviam como conservantes naturais das
carnes a serem consumidas dias após o abate. Contudo, o grande óbice para seu
consumo é que eram cultivadas “nas Índias”, na verdade Indonésia, Singapura e
adjacências, não exatamente na Índia atual. Daí, foram empreendidas as grandes
navegações depois que os turcos conquistaram Constantinopla e passaram a controlar
o comércio por terra. Os portugueses foram os primeiros a aportar em Calicute,
mas em seguida holandeses, franceses e ingleses formaram frotas próprias para a
busca incansável e milionária dos temperos que permitiram europeus comerem
carne conservada ao invés de pútrida como vinham fazendo a séculos.
Os condimentos
referidos não eram usados porque adicionavam sabor especial à carne e seus
derivados, e sim porque possuem óleos essenciais que tem efeito biocida impedindo
a proliferação de bactérias que deterioram o alimento. Por exemplo, o óleo de
cravo, produzido por um processo de extração, é constituído basicamente, por
eugenol (70 a 80%). O eugenol é um composto aromático com efeito anestésico e anticéptico
comprovado cientificamente.
Então aí está,
temperos, condimentos ou especiarias
tiveram influência crucial na história da humanidade, não dá para subestimar o poder de coisas
aparentemente tão banais. JAIR, Floripa, 17/08/12.
13 comentários:
Uau *-* adorei!
Sempre sinto-me uma pitadinha mais inteligente quando leio seus textos, rs...
Adorei o Post Jair!
Aqui na Biblioteca do Senac, onde trabalho, existe um livro com a história do sal :)
Seria o mesmo que o seu?
- Sal:Uma Historia Do Mundo de Mark Kurlansky.
:*
Sim Ly, é esse o livro a que me refiro. Abraços, JAIR.
Especial esse seu texto sobre especiarias!
Parabéns...
Muito interessante...
Eu nunca tinha entendido muito bem essa história das tais "especiarias", que, no meu entender, só seriam acessíveis para a nobreza.
Mas, seu emprego como material estratégico para conservar as carnes e manter alimentação rica em proteínas em estoque deve ter beneficiado a todos e desenvolvido a tradição dos defumados e embutidos!
Show de aula!
Abraços, Jair!
O gado de corte era abatido em massa antes da entrada do inverno, e era preciso conservar a carne... e garantir o cravo e a canela do Jorge Amado, e a pimenta para o chocolate da Globo.
Abraços.
Sua escrita cheio de tempero deixou a história bem mais saborosa!!!!
Muita paz!
Olá amigo,
Sou-lhe agradecido por ter enviado seu poema. Em breve lhe passarei a programação do evento.
Ao seguir seu blog notei que tens obras editadas, se for do seu interesse entre em contato para eu divulgá-las.
Um abraço.
Muito interessante e informativo seu texto jair. Adorei. Abraços.
Meu caro Jair,
Ao ler o título de texto, logo surgiram duas evocações: as aulas de história e seu capítulo ‘As causas das grandes navegações’ que era como descreveste. A outra a cozinha de minha mãe onde havia especiarias locais: folhas de louro e manjerona para o feião e colorau (o araticum, que ainda entrei no sábado em Parintins).
Obrigado por avivares lembranças tão grata
attico chassot
OI JAIR!
QUE AULA HEM?
MAS, ACHO QUE ESTA DÚVIDA ACOMPANHOU MUITOS DE NÓS, "ESPECIARIAS"?
abrçs
zilanicelia.blogspot.com.br/
Click AQUI
Olá.
Post divulgado no Portal Teia
Olá Jair,
Venho trazer meu abraço e, mais uma vez, agradecer sua participação no 1º Prosas Poéticas; muito obrigado pelo apoio e pelo prestigio.
Aproveito para reiterar minha disposição em divulgar sua obra; entre em contato para eu lhe dizer o que preciso para fazer a divulgação.
Um abraço.
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