As
grandes catástrofes naturais que atingiram a civilização nas últimas décadas,
como vulcões, terremotos, enchentes e tsunamis e até vazamentos de usinas
nucleares como em Chernobil e no Japão ano passado, têm sido catalogadas como as
maiores já acontecidas desde que o homo
sapiens se pôs a registrá-las. Contudo, proporcionalmente, o maior
cataclismo já acontecido foi o terremoto de Lisboa de 1755. Em primeiro de
Novembro daquele ano ocorreu uma catástrofe tríplice na cidade e seus arredores
que, sem qualquer concessão, foi o desastre maior que já atingiu a Península
Ibérica. As 9 horas e 20 minutos da manhã a terra estremeceu e fez cerca de
100.000 mortos em virtude dos desmoronamentos, de incêndios que acabaram com o
resto que havia sobrado e de três colossais tsunamis que se seguiram. Católicos
de todas as cores e de todo o mundo rezaram por Lisboa e os lisboetas, porque a
capital de Portugal era (ainda é) uma das cidades mais beatas do Planeta.
Naqueles
tempos ainda existia inquisição na Península, e tanto cristãos velhos como
conversos, ou cristãos novos, praticavam um catolicismo de curral que não lhes
permitia divergir um cagagésimo sequer dos ritos preconizados pela igreja, sob
o risco de enfrentar atos de fé que poderiam até levá-los para a fogueira.
Então, era comum os cidadãos encomendarem junto às suas paróquias, para depois
da morte, uma infinidade de missas e solicitações de velas e rezas para que suas
almas descansassem em paz. Naturalmente todas as missas e velas eram pagas antecipadamente.
A inquisição, venal como era, via nessa “devoção” uma fonte de renda copiosa e
inesgotável. E os devotos não tinham escolha, suas almas dependiam de seus
recursos.
Contudo,
para decepção dos católicos que haviam colocados suas fichas nessa loteria
póstuma, sua devoção de nada adiantou e Lisboa foi punida como Sodoma o fora
nos tempos bíblicos. Ficou registrado que o otimismo gerado pela filosofia de
Leibniz, a qual afirmava que “vivemos no melhor dos mundos possíveis” e que
havia contaminado as mentes européias, ficou extremamente abalado pelo virtual
desaparecimento de Lisboa. O otimismo praticado não previa espaço para
destruição de cidades, um acontecimento desses jamais poderia caber “no melhor
dos mundos”.
Devemos
lembrar que as obras de reconstrução da cidade coordenadas durante o mandato de
Marquês do Pombal, eminência parda do reinado do pífio Dom José desde 1746,
foram facilitadas graças ao esbulho do ouro vindo do Brasil que permitiu a reconstrução
da nova cidade, moderna, no lugar da Lisboa medieval que ainda existia nos finais
do século dezoito. A reconstrução da
cidade destruída tornou-se uma prioridade quando praticamente nem tinham
terminado os tremores, ou seja, já no dia seguinte o plenipotenciário e
despótico Marquês de Pombal começou a esboçar ideias para reconstruir aquilo
que havia desaparecido e consertar o consertável. A despeito do péssimo juízo
que se faz de Pombal pela sua suposta arrogância, por seu mandato ditatorial e
pela expulsão dos jesuítas em 1757, é inegável que foi graças a sua energia que
se puderam reparar os danos que o sismo havia causado. A história registra que
ele começou dizendo "Enterrem os mortos e alimentem os vivos" e,
arregaçando as mangas, tornou-se um trabalhador incansável que só parou quando
a morte veio ao seu encontro. Em razão de sua determinação e capacidade de
trabalho, Lisboa reergueu-se rapidamente e melhorou sob todos os aspectos,
tornou-se uma cidade moderna.
Com
um sismo de 9,0 graus na escala Richter, (esclarecendo, a escala Richter ainda
não existia, mas os geólogos atuais deduzem os valores dos terremotos antigos
pelos estragos que fizeram e pelos sinais que deixaram nas camadas do solo) a cidade
estremeceu violentamente e começou a desabar como um castelo de cartas. Era dia
de todos-os-santos e, por isso, calou fundo no imaginário carola da maioria da
população. Nas casas ardiam velas nos oratórios, o que pode ter contribuído
fortemente para o incêndio das ruínas causadas pelo abalo. O povão, apavorado
pelos incêndios, correu como uma onda à zona portuária, local menos atingido
pelas chamas. Foi aí que a coisa ficou mais feia ainda. Um enorme tsunami de
mais de trinta metros de altura, galgou as beiras do rio Tejo e invadiu as ruas
e casas já destruídas, e, em seguida, no rastro da primeira, vieram mais duas
ondas gigantescas.
Alguns
fiéis, genuflexos e consternados, persignavam-se, elevavam os olhares para o céu na vã
esperança que uma luz das alturas lhes viesse acudir, mas a massa daquele povo
assustado tentou fugir das praias, mas tropeçava nos escombros e caía nas
chamas, estava literalmente entre o fogo e o mar ameaçador. E os desabamentos das
paredes que restavam, combinado com o fogo apavorante e a água que levava tudo
de roldão, fizeram que metade da população da cidade morresse ou desaparecesse.
Montões de cadáveres despedaçados,
queimados e afogados atestavam o poder fenomenal dos eventos. Para muitos, aquele
Deus vingador do velho testamento julgara Lisboa e a condenara por seus pecados
e iniquidades, como outrora fizera com Sodoma.
Contrariamente aos cidadãos comuns e escravos que
viviam nas partes baixas da cidade em casas de qualidade inferior, a nobreza, o
clero e os áulicos do poder habitavam construções de boa qualidade nas partes
mais altas, então não é de estranhar que estes tenham, na sua maioria, saídos
incólumes ou tenham tido prejuízos materiais de menor monta, quase sem perdas
de vidas. O terremoto de Lisboa fora extremamente indulgente com as classes
sociais altas e terrivelmente malévolo com o povão. Pareceu até justiça divina
ao contrário. Eu hein! JAIR, Floripa, 29/04/12
6 comentários:
Muito interessante meu amigo... Com certeza, indicarei esse texto aos meus alunos para que além de obter ótimas informações de forma clara e 'tranquila' possam compará-las com informações de outros terremotos para que lhes sirva de subsidio intelectual para o ENEM...
Parabéns pela qualidade da postagem!
Abraços...
Nossa!! Foi uma tragédia, mas tive de rir da sua maneira de contar, achei ótima a narrativa; li num gole! Seu humor está ótimo, já não diria o mesmo dos irmãos, lá: se fossem narrar.
Mas você narrou sob vários ângulos, nos passou muita coisa, uma visão de 'lente grande angular' num texto muito gostoso.
Gostei imenso!rsr
Abraços, Jair.
Desse terramoto emergiu um grande homem, cuja
energia e determinação salvaram Lisboa do caos, o Marquês de
Pombal.!!
Vou divulgar seu blog para a prima e sobrinha que já viveram lá em Portugal. Estou ficando bem informada graças ao amigo escritor e leitor voraz que degusta o sabor dos conhecimentos e divide-os com
seus assíduos seguidores, no meu caso,semi-beletrista.Rsss.Luci.
Meu caro Jair,
mais uma bem fornida aula de história trazida de maneira irônica/tétrica. Vale acrescentar que 01 de novembro era dia santo (dia de todos os santos) razão pela qual o 'açoite divino' pegou a beataria toda nas igrejas.
Realmente o Marques de Pombal (aquele que expulsou os jesuítas do reino e colônias) foi o herói da reconstrução.
Com merecido cumprimentos,
attico chassot
Parece que a ira divina é tão irracional quanto qualquer ira!
Um fato marcante da história, pouco conhecido pela maioria das pessoas!
Mais uma aula de história, Jair!
Abraços!
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