Não era um nefelibata, pois esse termo define
aquele que tem “cabeça nas nuvens”, ou seja, quem não atina muito bem, pessoa
que vive fora da realidade, em devaneio, sonhador, talvez até poeta, enfim.
Era, antes, um apaixonado por esses seres mutáveis que adornam o céu sobre
nossas cabeças pensantes. Estava totalmente fascinado por aqueles espectros
gasosos que voam e se contorcem formando figuras sobre o fundo azul do céu.
Sobre aquele azul propriamente chamado de cerúleo por traduzir uma cor só
encontrável nas alturas e inimitável nas artes humanas. Nuvens eram seu hobby, seu norte e seu dia-a-dia, desde
que acordava até o anoitecer quando aquelas fumacinhas esquivas se escondiam
por trás da escuridão, ele as observava, analisava e se extasiava com suas
convoluções, aspectos e movimentos. Havia aquelas alongadas e quase etéreas que
sempre se punham lá no alto, bem acima das outras como a querer demonstrar que
eram nobres, de uma casta superior que “não se mistura” com essas plebéias
alvacentas e molengas que como se arrastam pelos ares inferiores e até poluídos,
suas atitudes e altitude denotavam uma insuspeitada hierarquia núvica, se assim
se pode dizer. Havia outras, apressadas, meio confusas, que pareciam não
prestar atenção às elevações do terreno e até colidiam com elas. Havia as mais
sonolentas, gorduchas e preguiçosas que quase não saíam do lugar desde que
surgiam até quando desapareciam por causa de algum fenômeno que as fazia
volatizar talvez. Havia outras ainda, muito altas como colunas celestiais que
tinham um aspecto rancoroso e eram escuras, costumavam despejar catadupas,
ventos e granizo causando confusão e estragos materiais. Havia as dengosas, as
exuberantes, as tímidas e as cheias de
volúpia que pareciam querer seduzir os homens que as contemplavam. Existia aquelas
abelhudas que colavam no solo e formavam o que chamamos de cerração ou
nevoeiro, estas pareciam querer se imiscuir nos afazeres humanos e
dificultá-los, tornavam-se nuvens dangerosas para os movimentos dos transportes
terrestres, e entravam até nas casas se a porta estivesse aberta. Muitas eram
molhadas e espalhavam seus rastros na forma de sereno, mas existiam algumas
secas que não deixavam marcas por onde passavam. Eram muitas e variadas, mas
havia dias que todas sumiam. O cerúleo do céu fica limpo, parecia dizer que
todas as nuvens haviam se mudado ou estavam escondidas em algum lugar longe do
alcance da nossa visão, mas ele sabia que não era nada disso, elas simplesmente
estavam ali, só que transparentes, haviam entrado num estado que ele resolveu
chamar de “da cor do ar”, pois todos sabemos que o ar nos circunda mas não
podemos vê-lo. Se as nuvens estavam “da cor do ar” é porque elas estavam
provavelmente descansando dos olhares curiosos que as acompanhavam quando se
expunham, ele supunha que, assim como os animais do Planeta, as nuvens também
precisassem de férias vez ou outra, sob o risco de se desfazerem ou se tornarem
estranhas e mal formadas. Outra coisa que ele tinha certeza era que nuvens
nascem, crescem e morrem, como morrem não sabia, mas o nascimento era visível
nos lagos de águas calmas em manhãs frias, na chaleira fervente sobre o fogão,
nas chaminés das caldeiras e até na respiração humana no inverno. Mas não sabia
mais nada de concreto sobre esse ciclo vital, só tinha suposições que eram
fundadas apenas nas suas observações que, diga-se, haviam nascido quase no
mesmo dia que ele nascera. Sua mãe o havia colocado sobre uma toalha no gramado de casa poucos dias depois que ele veio ao mundo, e, como era inevitável, de
barriga para cima, a primeira coisa que ele havia prestado atenção fora nas
nuvens estampadas como desenhos fofos
naquele céu colorido de um azul brilhante. Desde aquele momento elas passaram
a fazer parte de sua vida e, mais tarde, fora quase compulsório compará-las a
algodão doce, carneirinhos e outras meiguices de sua infância. Viveu a infância
e a mocidade inteiramente sob a égide dos castelos nebulosos que construía a
custa de suas companheiras de jornada. Quando se viu diante da decisão de fazer
algo na vida, não teve dúvidas, estudou meteorologia e tornou-se um
meteorologista dedicado de tempo integral a sua causa. Deixou de ser estranho
vê-lo contemplar os céus, absorto e sonhador, agora tinha como justificar sua
paixão. Os termos técnicos que definiam funções e nomes de suas queridas em
nada influíram no romantismo que punha nas suas relações com as nuvens. Cirrus,
cumulus, stratus, nimbus e outras que pareciam híbridos como cumulonimbus,
stratoscumulus , nimbostratus, cirrostratus,
cirrocumulus, altocumulus e altostratus
eram tecnicidades necessárias a sua
profissão, mas que não manchavam suas relações de longa data com as NUVENS, simplesmente.
Fora um meteorologista dedicado e respeitável até se aposentar. Agora gozava de
uma ociosidade ativa olhando as formações nublosas e lembrando que elas são tão
interessantes e misteriosas como sempre o foram. Nuvens são apenas nuvens e não
pretendem ser definidas em funções específicas com relação ao que os humanos
esperam delas. Sejam quais forem nossas relações ou nossa informações a
respeito das nuvens, o fato é que entre o céu e terra elas são soberanas; desde
sempre são resultado e influem no clima e nas condições que tornam possível a
vida sobre o Planeta e não há nada que possamos fazer para modificar seu
caráter onipresente e atuante todo o tempo. Quando a humanidade já não habitar
esse planetinha azul e o fim dos tempos para os homens tiver chegado, as nuvens
continuarão aí ainda, formosas, flutuantes e volúveis, decorando o teto celeste
sem ao menos se importarem com nós, e ressaltando nossa insignificância frente
ao universo. JAIR, Floripa, 08/04/12.
segunda-feira, 7 de maio de 2012
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7 comentários:
Muito boa essa olhada para o céu. Não sou aquilo que você diz no início, mas confesso que as nuvens me seduzem, fico olhando-as e até perco a noção das coisas. Parabéns pelo post.
Quanta poesia você usou para descrever todo o jogo das nuvens! Muito bonito. Penso que sempre será assim nosso relacionamento com elas; um relacionamento de sonhos, de construções de castelos, carneirinhos, rostos... Quem de nós não se deixa fascinar pelos seus encantos? Lembrei de minha primeira viajem de avião, que espetáculo voar acima delas, e que susto!
Abraços, Jair.
tais
Um aeronauta do seu quilate sabe bem o que são nuvens. Elas exigem respeito mas não se eximem às homenagens líricas. Parabéns.
Muito bonito, meu enciclopédico amigo! Tratou dos seres que habitam o céu de formalinda!
Este belo post me fez relembrar aquelas tardes de verão em minha cidade, quando eu ficava deitado de costas na grama, olhando diretamente para o céu azul profundo, me imaginando entre aquelas nuvens que pareciam flocos de algodão...
Poesia em forma de prosa, Jair!
Abraços!
Sabe que flutuei? Via jei na "maionese"...que romantismo!
Só faltou um algodão doce para ser saboreado,pensando,sonhando, imaginando, que levesa de texto.Relaxei! O visual do mirante
IRIS está lindo.Luci,
Que texto lindo e mágico!! As nuvens realmente decoram maravilhosamente o quadro da nossa vida! p.s: foto espetacular!!
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