O bicho homem nunca se sentiu confortável sozinho, sem companhia ele tornava-se (torna-se ainda) sorumbático e vive menos e com menor qualidade. Seja porque indivíduos unidos representavam maior poder para caçar e sobreviver, ou seja porque a imperiosa força motora da reprodução impelia à união seres congêneres, o homem se tornou gregário em tempo integral. Portanto, desde os primórdios, nossos ancestrais formaram tribos, clãs, aldeias, vilarejos e por fim cidades. Essas aglomerações foram e são a marca registrada da humanidade, o instinto gregário moldou a civilização como a conhecemos.
Em decorrência imperativa da vida em comunidades o homem primitivo agregou a seu dia-a-dia, rituais, novos procedimentos, conhecimentos, objetos, normas e relações que deram feição àquilo que se convencionou chamar de cultura. Por conseguinte, cultura humana é esse conjunto complexo e intrincado, quase macarrônico, que todos os cidadãos do Planeta estão imersos e que permeia cada gesto ou ato que cometemos desde o nascimento até o último estertor e, ainda assim, os rituais de sepultamento, cremação ou outros meios de conservar ou se livrar do corpo também fazem parte da cultura que criamos e da qual fazemos parte. A cultura nos acolhe, nos mastiga, nos engole e nos vomita, nada podemos contra e nem razão temos para que assim deixe de ser.
Certamente a cultura se fez necessária para que as relações entre as pessoas fossem produtivas e não meramente toleradas, ou pior, atritantes e destrutivas. Assim, tudo que existe em forma de conquistas e realizações, antigas ou modernas se deve à opção cultural que o Homo sapiens fez em alguma altura de sua existência. É fácil imaginar que foi opção perguntando-se: por esta e não aquela direção tomou esta comunidade, enquanto aquela outra tomou direção diferente? Tomemos o exemplo de comunidades isoladas ou quase isso. Por exemplo, aborígenes australianos nem sequer entraram no chamado período neolítico (idade da pedra polida) mesmo vivendo a quarenta mil anos naquele continente e com todos os recursos à disposição. Sua opção foi por uma existência minimalista, descomplicada, de viver a cada dia sem muita preocupação a não ser com o que comer e onde se abrigar, mantendo uma relação seminômade com o ambiente. Nem por isso são menos felizes ou tem menor qualidade em suas vidas. Dos mais de um milhão de aborígenes lá existentes, só uma minoria optou por se “enquadrar” culturalmente com os brancos, a expressiva maioria vive seminua e quase isolada no Out Back.
Então, miríades de culturas se desenvolveram a partir de milhões ambientes e objetivos que os homens se propuseram ou encontraram. A cultura não se traduz em ciência exata, é mais uma mixórdia o mais das vezes ininteligível entre homem, o ambiente em que se encontra, os meios que dispõe e as ambições que possui. Além disso, tudo, o acaso, o improviso e as mudanças ambientais têm peso ponderável na feitura e propagação da cultura de um povo ou de uma nação. Aliás, acho que acaso é mais do que marca registrada de tudo que o homem construiu, mas isso pode ser explanado em outra ocasião, sob outro título.
Fato incontestável: até o anacoreta renitente isolado no meio do nada e o hippie cheio de contestação indignada contra o “sistema” estão envoltos na cultura dos povos aos quais pertencem no varejo, e na cultura geral da humanidade, em tudo que pensam, fazem ou sentem. A jaula cultural que nos envolve, aprisiona e condiciona é uma realidade onipresente e com forte viés de perenidade e infinitude. Contestar, seja de que modo for, é sempre uma manifestação cultural plena sem qualquer ressaibo de “estou fora!”. Pobre da mente que presume estar descartando seus ditames culturais, não existe essa opção, me perdoem os contestadores de qualquer nuance, matiz ou cor ideológica ou não.
Costumamos classificar, referindo-nos à origem ou meio de obtenção, as coisas tangíveis ou meramente virtuais como, naturais ou artificiais. Sendo que as primeiras, naturais, são aquelas obtidas “prontas” da natureza, num status Prêt-à-porter, por assim dizer, prontas para uso sem qualquer modificação. Frutas silvestres são um bom exemplo de produto natural. Já, as outras, artificiais, resultam da interferência direta e do labor humano para sua obtenção, são produtos que, usando insumos naturais, surgem depois que o homem as constrói. Este PC que está à minha frente é ótimo exemplo de produto artificial.
Entretanto, não só objetos tangíveis podem ser fabricados pelo Homo, a construção da sociedade humana é um produto artificial. A cultura é essencialmente artificial, não há como ser diferente, nossa sociedade foi sendo erigida ao longo de milênios graças aos esforços de milhões de pessoas, as quais contribuíram com talento e trabalho para consecução dessa imensa, maravilhosa, caótica e incontestada obra.
Esclarecendo: embora para facilitar eu tenha usado o singular, cultura, na verdade foram e são milhares de culturas, muitas já falecidas e a maioria vivendo em estreito entrelaçamento e troca de fluidos entre si na atualidade. Mas, o que foi feito de culturas que não sobreviveram, que se extinguiram depois que seus povos desapareceram? Em geral elas deixaram “rastros”, seja na forma de inserções idiomáticas que se incorporam a outras línguas, seja na arquitetura, arte, edificações, pontes e objetos de uso doméstico, ou nos costumes e tradições, nada do que “vivemos”, aprendemos ou usufruímos é cultura pura ou de um só povo. Na verdade as culturas que sobrevivem em nosso tempo são amálgamas de outras que não estão mais aí para contar sua história. Caldeirão cultural é uma expressão válida para descrever os modus vivendi atuais, nossa civilização moderna é o somatório de tudo que foi construído, gestado e descoberto pelos nossos ancestrais, nada que não saibamos, portanto.
A principal conclusão que se chega a partir dessas premissas é que as culturas atuam como uma espécie de cimento que une e “cola” os indivíduos de uma sociedade. Impensável conceber uma sociedade coesa sem objetivos e modus operandi comuns exercidos pelas pessoas que a compõe. Provavelmente seria algo anárquico e extremamente estressante, não haveria entendimento nem convergência de opiniões. Daí concluirmos que as culturas foram uma necessidade humana desde os primórdios. JAIR, Floripa, 26/01/12.
Em decorrência imperativa da vida em comunidades o homem primitivo agregou a seu dia-a-dia, rituais, novos procedimentos, conhecimentos, objetos, normas e relações que deram feição àquilo que se convencionou chamar de cultura. Por conseguinte, cultura humana é esse conjunto complexo e intrincado, quase macarrônico, que todos os cidadãos do Planeta estão imersos e que permeia cada gesto ou ato que cometemos desde o nascimento até o último estertor e, ainda assim, os rituais de sepultamento, cremação ou outros meios de conservar ou se livrar do corpo também fazem parte da cultura que criamos e da qual fazemos parte. A cultura nos acolhe, nos mastiga, nos engole e nos vomita, nada podemos contra e nem razão temos para que assim deixe de ser.
Certamente a cultura se fez necessária para que as relações entre as pessoas fossem produtivas e não meramente toleradas, ou pior, atritantes e destrutivas. Assim, tudo que existe em forma de conquistas e realizações, antigas ou modernas se deve à opção cultural que o Homo sapiens fez em alguma altura de sua existência. É fácil imaginar que foi opção perguntando-se: por esta e não aquela direção tomou esta comunidade, enquanto aquela outra tomou direção diferente? Tomemos o exemplo de comunidades isoladas ou quase isso. Por exemplo, aborígenes australianos nem sequer entraram no chamado período neolítico (idade da pedra polida) mesmo vivendo a quarenta mil anos naquele continente e com todos os recursos à disposição. Sua opção foi por uma existência minimalista, descomplicada, de viver a cada dia sem muita preocupação a não ser com o que comer e onde se abrigar, mantendo uma relação seminômade com o ambiente. Nem por isso são menos felizes ou tem menor qualidade em suas vidas. Dos mais de um milhão de aborígenes lá existentes, só uma minoria optou por se “enquadrar” culturalmente com os brancos, a expressiva maioria vive seminua e quase isolada no Out Back.
Então, miríades de culturas se desenvolveram a partir de milhões ambientes e objetivos que os homens se propuseram ou encontraram. A cultura não se traduz em ciência exata, é mais uma mixórdia o mais das vezes ininteligível entre homem, o ambiente em que se encontra, os meios que dispõe e as ambições que possui. Além disso, tudo, o acaso, o improviso e as mudanças ambientais têm peso ponderável na feitura e propagação da cultura de um povo ou de uma nação. Aliás, acho que acaso é mais do que marca registrada de tudo que o homem construiu, mas isso pode ser explanado em outra ocasião, sob outro título.
Fato incontestável: até o anacoreta renitente isolado no meio do nada e o hippie cheio de contestação indignada contra o “sistema” estão envoltos na cultura dos povos aos quais pertencem no varejo, e na cultura geral da humanidade, em tudo que pensam, fazem ou sentem. A jaula cultural que nos envolve, aprisiona e condiciona é uma realidade onipresente e com forte viés de perenidade e infinitude. Contestar, seja de que modo for, é sempre uma manifestação cultural plena sem qualquer ressaibo de “estou fora!”. Pobre da mente que presume estar descartando seus ditames culturais, não existe essa opção, me perdoem os contestadores de qualquer nuance, matiz ou cor ideológica ou não.
Costumamos classificar, referindo-nos à origem ou meio de obtenção, as coisas tangíveis ou meramente virtuais como, naturais ou artificiais. Sendo que as primeiras, naturais, são aquelas obtidas “prontas” da natureza, num status Prêt-à-porter, por assim dizer, prontas para uso sem qualquer modificação. Frutas silvestres são um bom exemplo de produto natural. Já, as outras, artificiais, resultam da interferência direta e do labor humano para sua obtenção, são produtos que, usando insumos naturais, surgem depois que o homem as constrói. Este PC que está à minha frente é ótimo exemplo de produto artificial.
Entretanto, não só objetos tangíveis podem ser fabricados pelo Homo, a construção da sociedade humana é um produto artificial. A cultura é essencialmente artificial, não há como ser diferente, nossa sociedade foi sendo erigida ao longo de milênios graças aos esforços de milhões de pessoas, as quais contribuíram com talento e trabalho para consecução dessa imensa, maravilhosa, caótica e incontestada obra.
Esclarecendo: embora para facilitar eu tenha usado o singular, cultura, na verdade foram e são milhares de culturas, muitas já falecidas e a maioria vivendo em estreito entrelaçamento e troca de fluidos entre si na atualidade. Mas, o que foi feito de culturas que não sobreviveram, que se extinguiram depois que seus povos desapareceram? Em geral elas deixaram “rastros”, seja na forma de inserções idiomáticas que se incorporam a outras línguas, seja na arquitetura, arte, edificações, pontes e objetos de uso doméstico, ou nos costumes e tradições, nada do que “vivemos”, aprendemos ou usufruímos é cultura pura ou de um só povo. Na verdade as culturas que sobrevivem em nosso tempo são amálgamas de outras que não estão mais aí para contar sua história. Caldeirão cultural é uma expressão válida para descrever os modus vivendi atuais, nossa civilização moderna é o somatório de tudo que foi construído, gestado e descoberto pelos nossos ancestrais, nada que não saibamos, portanto.
A principal conclusão que se chega a partir dessas premissas é que as culturas atuam como uma espécie de cimento que une e “cola” os indivíduos de uma sociedade. Impensável conceber uma sociedade coesa sem objetivos e modus operandi comuns exercidos pelas pessoas que a compõe. Provavelmente seria algo anárquico e extremamente estressante, não haveria entendimento nem convergência de opiniões. Daí concluirmos que as culturas foram uma necessidade humana desde os primórdios. JAIR, Floripa, 26/01/12.
4 comentários:
Quando o assunto são as: 'sandices culturais' a lista que se pode citar é imensa... Adorei a sua!
Parabéns por mais uma postagem interessante, criativa e informativa!
Abraços!
Vejo a humanidade sob o ponto de vista multicultural, somos todos idênticos, só o que nos define são as heranças deixadas pelos ancestrais = culturas. Parabéns por mais essa sandice, acho-as inteligentes e recheadas de conhecimentos.
Meu caro Jair,
temos cerca de 6 mil anos ferreteados por uma tradição gregária. O Criador, no Jardim do Éden disse. "Não é bom que o homem fique só..."
Obrigado por esta aula de antropologia,
attico chassot
Realmente Jair, um texto interessante,bem analisado o tema, porém, um tanto quanto radical!
Há ditames populares como:-"A voz do povo é a voz de Deus","Cada cabeça uma sentença","Quando a cabeça não ajuda,o corpo é que padece". Não obstante, no meio científico,as pesquisas de caráter sócio-político- cultural, com as vertentes metodológicas quantitativas, em que preponderam as estatísticas,como em pesquisas de opinião pública,onde a maioria de respostas é dada como verdade,reflete já um dado da realidade...Quanto as qualitativas, há forte influência de ideologias subjascentes ao sistema analisado e tendenciosidades dependendos dos interesses em questão. Contudo,embora o povo assimile de seus ancestrais, a cultura, com o avanço das ciências exatas, da nanotecnologia...,novos resultados surgem e temperam o modus vivendi da população.O resutado dos que tem acesso a estas fontes, é uma mudança de atitudes na vida pessoal, no convívio,influenciando o meio ambiente...Luci
Postar um comentário