segunda-feira, 18 de julho de 2011

O lixo na história




Se há uma característica universal que define o ser humano é a produção de lixo. As pessoas sempre deixaram e deixam restos espalhados por onde passam, lixo é uma marca da civilização. Vemos a prova disso em todas as partes, nas ruas das cidades, nos rios e oceanos e nos depósitos apropriados, os chamados lixões. Aliás, existe até uma matéria de estudo, “lixologia”, que consiste em xeretar os restos de pessoas célebres para descobrir detalhes de suas vidas. Nossos museus exibem objetos salvos dos restos de outras épocas: moedas celtas, cerâmicas egípcias e marajoaras, porcelanas chinesas, tecidos astecas e incas, objetos de culto maias, armas e instrumentos de uso domésticos diversos. A lista é interminável, e as peças contam a mesma história genérica: os humanos fazem objetos, usam-nos e depois os descartam, jogando-os fora como coisas imprestáveis, ou ocasionalmente ofertando-os numa cerimônia fúnebre, como os sepultamentos de pessoas importantes, sepultamentos os quais os egípcios praticaram em grande escala.
Esse lixo, esses restos de culturas passadas são a base da arqueologia. Lembrando que arqueologia é a disciplina científica que estuda as culturas e os modos de vida do passado a partir da análise de vestígios materiais. É uma ciência social, isto é, que estuda as sociedades, podendo ser tanto as que ainda existem, quanto as já extintas, através de seus restos materiais, sejam estes objetos móveis ou imóveis. Incluem-se também no seu campo de estudos as intervenções feitas pelo homem no meio ambiente, como os canais de irrigação, as escavações para retiradas de minérios, as represas, os desmatamentos etc.
As moedas, os cacos de cerâmica, os ossos, os tecidos, os objetos de uso corriqueiro, as armas e as construções das eras passadas nos fornecem vestígios do comportamento de nossos ancestrais, de como geriam suas economias, de suas crenças, de seus níveis tecnológicos e do que era importante para eles. O que os arqueólogos recuperam em suas escavações são imagens de vidas passadas, mas essas imagens não são tiradas prontas do solo: elas são reconstruídas lenta e meticulosamente a partir de informações contidas nos objetos encontrados. A arqueologia é uma investigação policial, na qual todos os personagens estão ausentes e só sobreviveram alguns fragmentos desconexos de seus pertences. Contudo, tem sido possível, em muitos casos, preencher os detalhes da história. Muito conhecimento do que se faz e alguma imaginação combinados são ferramentas eficazes para completar as lacunas. É como um jogo onde, numa série, faltam alguns números e cabe ao desafiado encontrá-los. Os arqueólogos sabem, por exemplo, como os incas operavam sua economia altamente estruturada de bem estar feudal e como os romanos organizavam seu império expansionista.
Enquanto o trabalho de detetive envolvido na reconstrução dessas civilizações é intrincado, os arqueólogos que se interessam pelos primeiros estágio da evolução humana, olham com inveja a documentação abundante dos períodos mais recentes. Um dos aspectos mais evidentes da história humana é o aumento constante na produção de lixo, tais como artefatos, roupas e objetos de uso doméstico. À medida que a busca retrocede em direção às nossas origens, encontram-se registros arqueológicos cada vez mais escassos. Em algum momento entre dois e três milhões de anos atrás, os artefatos humanos desapareceram completamente dos registros arqueológicos. A tarefa de descobrir o que faziam nossos antepassados mais antigos torna-se uma tarefa mais difícil na medida em que se retrocede no tempo. Inferência: quanto menos “civilizado” menos lixo! Então, logicamente, quanto mais tecnologia o Homo adquire, mais lixo produz e mais “rastros” deixa, seus descartes são proporcionais ao nível tecnológico que desfruta. Se nossa civilização desaparecer e, depois de milhares de anos, algum alienígena aqui chegar, não teria a menor dificuldade em reconstruir a cultura de nossa era, o lixo que produzimos seria uma enciclopédia aberta para que eles lessem nossa história.
Assim, a despeito de estarmos entupindo o Planeta com nossos despejos, resta-nos o discutível consolo de estarmos deixando uma assinatura que servirá para mostrar para a civilização que vier depois da nossa, - em consequência de nossa extinção quando o asteróide chocar-se com a terra - como não fazer as coisas. Nosso lixo, escrito em forma de polímeros e restos industriais e domésticos que levam milhares de anos para degradar, é a Pedra de Roseta que deixamos para a posteridade! JAIR, Floripa, 05/07/11.

7 comentários:

R. R. Barcellos disse...

É... e se nesse lixo os arqueólogos do futuro encontrarem, na região que hoje é Floripa, o HD legível do teu computador, meu amigo, ficarão surpresos com os poderes proféticos dos atuais cultores de Indiana Jones.
Abraço.

Attico CHASSOT disse...

Meu caro Jair,
o desperdício é um vício. Tu imaginas o que se gasta em papel nestes jornais que aqui em Londres e em outras cidades são distribuídos gratuitamente. E então nos países periféricos se ensina a plantar eucalipto.
Valeu tua sabia reflexão. Há assuntos que preciso me reciclar.
Com amizade e admiração

attico chassot

Leonel disse...

Se o lixo for encontrado no Japão, os arqueólogos chegarão à conclusão de que éramos uma civilização muito avançada.
Já quanto ao que for encontrado em alguns países, chegariam à conclusão de que fomos um lixo...
Interessantes especulações!
Abraços!

J. Muraro disse...

Concordo o lixo será a herança que deixaremos para a posteridade. Gostei do texto, parece muito reflexivo.

Luciana Penido disse...

Jair,obrigada pela visita ao meu blog ,vim conhecer o seu.Abçs.

Camila Paulinelli disse...

Olá,
Fiquei imaginando uns alienigenas aqui chegando e descobrindo nao soh a cultura terráquea, mas a cultura de cada região com seus traços marcantes. Beijos da nora,

Tais Luso de Carvalho disse...

Mas bota verdade nisso, Jair. O que somos hoje, as gerações futuras não terão muito trabalho para conhecer nossos hábitos, o quanto fomos educadinhos, e o quanto desprezamos nossos rios, matas e oceanos. Poderão passear por vários países e saberão, também, o que suas indústrias deixaram de herança. Com certeza - já está registrado, - verão os rios mais poluidos do mundo e saberão o porquê de tanta porcaria, e tanto desprezo. Saberão muito da ganância e irresponsabilidade do homem atual; saberão do egoísmo e da crueldade dos desenvolvidos e da ignorância dos miseráveis. E tenho a certeza que acharão resposta pra tudo, pois estamos deixando todos os vestígios possíveis pra não haver engano. Muito pouca coisa enterrada. Aliás, está tudo tão amostra!

Um beijo.
Tais Luso