Acredito que nossa vida diária, além de constituir-se daquilo que aprendemos, daquilo que construímos e das escolhas que fazemos, é marcada por aqueles animais que nos acompanharam, em algum momento, nas boas e más horas. Cães, como animais de companhia ou de guarda, partilham a vida de muitas pessoas desde sempre, parece que o homem domesticou o lobo asiático, e o converteu nas centenas de variedades que o acompanham no processo civilizatório, para fazer do cão mais do que um bicho de estimação. Lembremos que, além de guarda e de companhia, o cachorro serviu e ainda serve para alguns povos como fonte de proteínas (Chineses versus Shar-pei) e, em alguns casos, para aquecer as pessoas durante o inverno. Praticamente todos nós somos marcados por episódios, eventos, períodos ou simples acasos que relacionaram nosso cotidiano com esses animais tão amigos e tão fiéis.
Como não sou diferente de ninguém tenho, desde muito pequeno, passagens em que os cães partilharam dos meus dias. Lembro que desde que nasci, ou melhor, logo depois que vim ao mundo, meu pai adquiriu um filhote de cão SRD (sem raça definida, eufemismo para vira-latas), pequeno, bem peludo, de coloração castanha que se assemelhava com um Spaniel. Zuque era o nome do bichinho, ficou velho em nossa casa e, como eu havia me criado sempre com ele, me parecia que o Zuque fazia parte do mobiliário; que era um membro da família que sempre estivera ali. O dia que morreu num triste acidente doméstico, me fez entender que cães não vivem para sempre, são seres inexplicavelmente mortais. Ele e eu tínhamos por volta de dez anos e o meu companheiro de todas as horas, Zuque, foi enterrado no quintal. Não muito tempo depois veio o Urso, outro vira-latas, só que com ares de Basset, tinha as pernas curtas. Urso era um cão malandro, gostava de rua, gostava passear pelo bairro e por lugares mais distantes, parece que fazia amizade com outros cães e ia visitá-los vez ou outra. Pobre Urso, costumava sair com meu pai para pescarias e caçadas que duravam o fim de semana, as vezes até três ou quatro dias, numa dessas excursões jamais voltou, nunca ficamos sabendo o que lhe aconteceu, mas pode ter se perdido ou ter sido mordido por cobra e morrido. Foi-se para sempre um cachorro esperto e muito querido.
Cresci e saí de minha cidade natal e, pelo que sei, em minha casa só existiam gatos, animais preferidos de minha mãe. Quando casei minha mulher ficava sozinha as vezes vários dias, então vimos necessidade de ter um cachorro para lhe fazer companhia e cuidar da casa. O ônus caiu sobre as costas do Rin-tim, cachorro viralatês puro que vivia com a família dela já há alguns anos. O Rin-tim era um animal buliçoso e meio rebelde, mas fazia a guarda da casa com eficiência, depois que enlacei ao redor do imóvel um anel de arame onde atrelei sua corrente. Ele podia rodear a casa 360 graus, e o fazia com grande energia. O Rin-tim foi devolvido à família dela depois que ganhamos o Kafu, pastor alemão capa preta. Kafu foi meu melhor cão, até mereceu um texto especial onde digo: “Suportava com estoicismo o banho de mangueira com xampu e desinfetante todos os sábados, mas, depois de secar-se, procurava sujar-se quase imediatamente, parecia querer dizer: “submeti-me ao banho de acordo com a vontade vocês, agora me sujo de acordo com a minha, e estamos conversados”. Era afeiçoado ao nosso primeiro filho, de pouco mais de um ano, o qual respeitava e, apesar de ser maior e mais pesado, jamais o afrontou. Morreu de “saudade” porque mudamos de cidade e o deixamos com outra família.
Num gesto ousado, em desacordo com meu orçamento doméstico, comprei por alto preço uma cadela Boxer com pedigree, Sandra Bréia. Mas nos papéis seu nome constava com sendo Nadja de Abatiá. Sobre essa boxer tenho a dizer duas coisas: meu filho mais velho era bebezinho e, contrariando o que se espera, a primeira palavra que pronunciou foi Bréia; A cadela veio a falecer de uma doença de pele que a deixava em carne viva, a pobre cachorrinha morreu ainda muito jovem. Depois veio a Rainha, a Collier mais buraqueira que já vi. Estragou todo o jardim o qual nós cuidávamos com desvelo, com suas escavações inconsequentes, parecia um autêntico cão-tatu se é que esse bicho existe. Em resultado desse comportamento foi doada a um amigo que gostava muito dela.
Já morando no Rio de Janeiro tivemos um Pastor dinamarquês do porte de um bezerro que viveu com a gente por dois anos até que o doamos para o Diniz, um amigo que tinha casa de praia em Piratininga e adorava cães grandes. Por último, na casa de Higienópolis onde havia uma quadra de vôlei e bastante espaço, trouxemos o Zimbo, vira-latas um quarto de Basset, filho da Xixa, uma meio Basset do meu irmão Ruy. Quis o destino, mais uma vez, que nos mudássemos de casa térrea para apartamento, daí o Zimbo foi morar com amigo meu, colega de trabalho. Acontece que o cãozinho era endiabrado, saía correndo em qualquer direção sem olhar onde, foi atropelado na Estrada do Galeão e acabou-se a história de cães adotados na minha vida.
Para finalizar, existe a Sissi, cadela Schnauzer do meu amigo Adson, a qual está apaixonada por mim, toda vez que me vê se derrete como manteiga aquecida. Ambos meus filhos têm histórias de cachorros em suas vidas, Adriano tinha uma cadela chamada Jess que era o animal mais inteligente que já vi. O Augusto possuía um Chiuauha, Zeeco que sofreu um acidente fatal depois que sua ex namorada o colocou no ombro de maneira irresponsável.
De qualquer forma, praticamente todos temos, tivemos ou vamos ter um cachorro na nossa vida, é uma decorrência natural depois que ambos, Homo sapiens e Canis Familiares caímos nos braços um do outro há dez mil anos e, pelo jeito, para sempre. JAIR, Floripa, 21/01/11.
11 comentários:
Meu caro Jair,
por uma histórica repulsa ao caninos de minha mãe, nunca tive cachorros. Meus filhos venceram minha resistência e tiveram alguns. Um deles, o Pancho, é herói de meus contos infantis (Uma viagem à Lua).
Mas mesmo assim encantou-me o relato-homenagem que fazes de teus cães.
Obrigado por mais um texto primoroso,
Com admiração
attico chassot
http://mestrechassot.blogspot.com
Jair. Esse teu texto me fez lembrar com imensa saudade do meu querido vira latas Dunga, do qual jamais esquecerei. Agora temos em casa a Dolly, cadelinha bastante ativa e "arteira" como diziam nossas mães. Quanto ao teu cachorro Urso, foi personagem de um conto surrealista que escrevi. Aliás, os personagens eram Urso e um certo Capitão da Aeronáutica. Lembra?
Grande abraço,
Joel.
Caro blogueiro,
Confesso que a publicação de seus textos, referentes aos animais de companhia, me despertam especial interesse.
Porém, observo nesse texto que embora demonstre certa afeição aos cães, os mesmos, na realidade, nunca lhe pertenceram de verdade, ao menos não há demonstração de cuidado e apego tão necessários à eles, afinal, mudar e transferir a propriedade do animal à outrem, me parece ter sido uma constante.
Defendo que a posse de um animal deva ser um ato consciente e duradouro – POSSE RESPONSÁVEL. Duradouro o suficiente para a existência de qualquer dos dois, pois certamente a separação é muito mais dolorida para o pobre animal, constantemente considerado “apenas” um objeto do qual se pode desfazer a qualquer mudança, do que para o humano que o “doou”.
Ainda bem que não houve “simples abandonos”, prática comum de muitos seres que se consideram “humanos”.
Em minha opinião, “OS –HUMANOS – PENSAM QUE OS ANIMAIS NÃO SENTEM; OS ANIMAIS SENTEM QUE OS HUMANOS NÃO PENSAM”.
De qualquer forma, elogio seus textos referente a esses seres espetaculares – os animais, pois com certeza, disseminam o que mais se precisa neste momento para um mundo mais justo e solidário, a defesa desses inocentes seres.
Desejo que continue divulgando a proteção animal, assim como o respeito às crianças, idosos e porque não, à toda forma de vida.
Abraços,
José Luís
Caro Zé,
Concordo que o homem deve muito aos cães e não deve transferi-los a outrem por mero capricho, contudo, tenho a dizer que quem "transferiu" o Kafu para mim foi você, que já o tinha ganho de alguém que o doou porque havia construído uma piscina, lembra? Além disso, todas as vezes que transferi meus cães, o fiz com grande pesar e premido pela circunstância de não deixá-los em pior situação: por exemplo, vivendo em um apartamento pequeno. Abraços, e continue prestigiando este espaço com seus comentários que são inteligentes e sempre serão aceitos, JAIR.
Caro amigo,
Em nenhum momento insinuei ou duvidei de seu amor pelos animais.
Lembro-me, inclusive, que não há muito tempo, vc me disse que tudo que tivesse vida merecia nosso respeito.
Óbvio que muitas vezes as circunstâncias nos fazem tomar certas atitudes, muitas vezes criticada, incompreendidas e que muitas vezes nos levam ao arrependimento.
Assim, como você certa vez se referiu a mim, justificando tratar-se de maior ênfase ao texto, também desta vez o fiz.
Comentei seu texto de "forma a dar mais corpo" ao que hoje defendo veemente - a Proteção e respeito aos animais.
Quanto ao Cafu, realmente me lembro que fui eu que o doei para você. Não me pergunte o porque dessa atitude, pois sinceramente não me lembro. Discordo no entando, que tenha sido para não estragar o gramado, como vc certa vez comentou.
Mesmo em se tratando de animais, não são poucas as minhas atitudes do passado que me causam arrependimentos. A gente amadurece e aprende, não é mesmo ? A vida é um eterno aprendizado.
abraços,
José Luís
Estou bastante emocionada com o texto... sou suspeita, mas adoro ouvir histórias desses incríveis seres que recheiam nossa vida de alegria, ensinamentos, e amor puro e verdadeiro!!! Sem dúvida fazem parte da família... é uma pena que vivam bem menos tempo do que nós! Certa vez li uma história na qual um garotinho perde seu cão e ao se questionar sobre a morte vir tão cedo para os cães, ele mesmo conclui: "As pessoas nascem para que possam aprender a ter uma boa vida, como amar todo mundo todo o tempo e ser bom, certo?" continuou... "Bem, cães já nascem sabendo como fazer isto, portanto não precisam ficar aqui por tanto tempo."
- Semper Fidelis, moto dos Marines, foi roubado dos cães. Já disse isso antes? Pois repito.
- Abraços, Jair.
Jair, infelizmente, Nero, uma mistura de pastor alemão com collie que foi criado comigo e era meu verdadeiro irmão de brincadeiras, tembém teve o mesmo destino de ser deixado com outra família, quando mudamos para um apartamento, em Porto Alegre. Morreu de tristeza pouco tempo depois!
Só agora, depois de tantos anos, me dispus a ter novamente um cão em casa. Eu já falei da minha Dolly, num artigo do meu blog, e a trato da melhor maneira possível. Ela é uma cadelinha hiperativa, que corre e pula muito pelo quintal e abre buracos por toda a parte, além de gostar de arrancar galhos das árvores!
E, como todo o cachorro, adora o seu dono!
Todos os cães merecem o céu!
Caro primo Jair, certa vez por implicância da minha mãe, doei meu cãozinho de estimação. Logo que ele partiu, "caiu a ficha". Veio o arrependimento carregado de muito sofrimento. No dia seguinte, iniciei um árduo e longo trabalho de detetive que jamais imaginei ser capaz. Após + - 3 meses, consegui recuperá-lo em outro Estado da Federação, mediante choradeira e um "belo" pagamento em reais. UFA!!! Mas o retorno foi facilitado pela ajuda do meu primo Rogério, a quem agradeço imensamente!.
Meu carinho,
TM
Olá,
Acho que a maioria dos seres humanos teve alguma relação de afeto com um cachorrino. Na minha família também não foi diferente. Lembro de muitas alegrias mas também de muita tristeza com a ida dos bichinhos. Mas no final das contas acho que é melhor ter na memória os momentos felizes que estes animaizinhos nos proporcionam do que nos privar com receio do sofrimento. Vale a pena a risada jocosa, o divã gratuito, o amor puro. Um dia quando parar com a vida nômade, quero ter um bocado deles. Beijos da nora.
Jair, sou eu de novo. Acabo de ler uma autobiografia de Anthony Quinn onde ele conta que teve um cachorro por muito tempo e que por motivo não explicado teve doá-lo a um ator seu amigo. Algum tempo depois Quinn começou a sentir falta do mesmo, pegava sua bicicleta e passava em frente a casa onde estava o cão para ouvir seus latidos. Porém, depois de algum tempo os latidos sumiram e Quinn pressentindo que algo não estava bem entrou em contato com seu amigo para saber se havia acontecido algo. Soube então que ha muito o cachorro havia deixado de comer, andava cabisbaixo e acabou morrendo. O grande Anthony Quinn então desmoronou, rendeu-se aos seus sentimentos e chorou copiosamente porquê sabia que o cachorro havia morrido de tristeza. Jamais perdoou-se por isso.
Grande abraço,
Joel.
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