sexta-feira, 15 de abril de 2011

A Broa


A melhor broa de centeio que já degluti.
Embora em minha certidão de nascimento esteja escrito que nasci na cidade de Palmeira, essa é apenas a formalidade legal que esclarece onde fui registrado. Na verdade, cidade pequena e com vasta atividade rural, a sede municipal de Palmeira era (ainda é em menor proporção) o centro administrativo para onde fluíam os moradores periféricos em demanda de suas necessidades cíveis do dia-a-dia. Vale dizer que registros de nascimento, certidões de óbito, casamentos civis, separações, registros de imóveis, títulos de eleitor, enterros e todas as ações que exigem papelórios eram executadas na cidade, de forma que nasci numa localidade do município chamada Pinheiral de Baixo e fui registrado em Palmeira.
O local denominado Pinheiral de Baixo nada mais era que a sede de uma madeireira que se destinava a explorar de maneira irracional os abundantes pinheirais e as demais árvores centenárias que existiam nas matas ombrófilas da região. A madeireira construiu moradias para seus operários e estes passaram a residir em torno do pátio onde eram descarregadas as toras de pinheiro, imbuia, canela, cedro e outras árvores. A aparente benemerência dos patrões construindo casas para seus trabalhadores, na verdade era a maneira de mantê-los à mão sempre que necessário. Como escrevi a respeito de meu pai no texto “O Gigantinho”: “Pois é, seu Ananias como era conhecido, “pilotava” um poderoso Giant Truck 1942, fabricado pela Chevrolet e importado pela madeireira dos Malucelli para transportar toras de araucárias e de outras árvores que abundavam nas florestas ombrófilas da região centro sul do Paraná”. Então, sendo meu pai um dos motoristas que carregavam tanto as toras da mata para a fábrica, como o produto final desta para os consumidores de outras cidades do país, ele morava numa das casinhas de madeira no entorno da empresa. Nasci naquele lar.
Quis a dinâmica industrial do pós guerra que a madeireira dos Malucelli se transferisse para a sede do município, as estradas e a eletricidade ditaram a melhor opção de custo benefício, valia mais distanciar-se das fontes de matéria prima (as matas) e aproximar-se das fontes de energia elétrica, das estradas melhores e dos consumidores finais. De forma que em 1947, estavam meus pais e seus três filhos – depois mais duas filhas - morando em Palmeira onde cresci e estudei até o ginasial. Sendo Palmeira município tributário, significava que seus habitantes masculinos deviam apresentar-se para o serviço militar na idade própria para isso, então, em 1964 alistei-me na Força Aérea Brasileira.
Desde que entrei na FAB onde servi por trinta anos até tornar-me reservista, não mais residi em Palmeira, contudo, minhas raízes por lá permaneceram e nunca deixei de visitar meus parentes, amigos e colegas de infância. Sendo assim, roteiro obrigatório em férias regulamentares era “passar” por lá sempre que possível. Quase sempre era possível. Numa das vezes que fui a Palmeira desejei visitar meu local de nascença e, para isso, enveredei por uma estrada carroçável que desde sempre ligou Pinheiral de Baixo à cidade. Na ocasião registrei assim minhas impressões: “Alguns quilômetros mais, por uma estrada de terra mal cuidada, alcançamos um pequeno e antigo vilarejo nitidamente rural, meia dúzia de casas decrépitas quanto muito, local estranho e que nada me dizia. Curioso, indaguei a um “nativo” que transitava pela estrada, se nos encontrávamos em Pinheiral, ao que o dito confirmou. Como eu não reconheci o lugar informei ao homem que eu havia nascido em Pinheiral de Baixo e não conseguia ver o tanque nem tampouco o local onde existira a madeireira. O cidadão olhou-me de alto a baixo com certo ar de desdém, como quem contempla um ser inferior eu acho, fez um muxoxo e com o olhar oblíquo disse: “Ah! O senhor nasceu lá prás bandas do tanque dos Malucelli, é lá bem mais embaixo, à esquerda”. Meio abalado pela pouco auspiciosa acolhida voltei-me para o caminho indicado, rodei uns três quilômetros a mais, onde encontrei e reconheci o tanque falado.
A par da forte emoção que senti de ter voltado “às minhas raízes” e ter conseguido reconhecer a rua e até o local da casa em que vim à luz, instalou-se uma decepção amarga e opressiva em meu peito, por faltar àquela paisagem as imagens que minha infância havia gravado indelével em minha mente. Tudo muito decrépito, arruinado, velho, sujo e feio, desilusão total. Nada do que existe se parece com o que já existiu!”Diga-se, a paisagem estava bem de acordo com a ruína que restava depois que os gafanhotos carcamanos destruíam as matas e nada plantavam para reposição do que haviam tirado. O pinheiral havia se extinguido e a localidade Pinheiral de Baixo praticamente desapareceu em meio a troncos apodrecidos e terra desnudada de árvores.
Semana passada, a sete de Abril, Palmeira comemorou 192 anos de existência e eu lá estive por quatro dias, aproveitando a festa e revendo os parentes que há dez anos não os via. Como estou diabético e a nutricionista desaconselhou-me consumir toda espécie de produto feito com farinha branca, só como broa de centeio confeccionada sem açúcar. Assim, adquiri num mercado da cidade um produto dessa espécie, por sinal excelente. Qual não foi minha surpresa ao constatar que a tal broa era fabricada no Pinheiral de Baixo, justamente aquela localidade “decrépita, arruinada, suja e feia...” que descrevi na minha visita anterior. Pelo que soube por meus parentes, o Pinheiral agora é uma pujante região com plantações extensas de soja, o que dá a seus habitantes um padrão de vida bem razoável e permite que eles vivam em boas casas e tenham bons carros, além de boas escolas e boa infra estrutura. A broa de centeio, a qual trouxe para o café da manhã, é um símbolo que o meu berço de nascença ganhou uma sobrevida e agora fabrica um saboroso produto de alta qualidade. JAIR, Floripa, 13/04/11.

12 comentários:

Leonel disse...

Decepções, reencontros, alegrias, lembranças...
Sentimentos que se misturam quando revemos nosso local de origem!
O que procuramos na verdade são vestígios daqueles momentos mágicos e inesquecíveis que ficaram guardados nas dobras do tempo!
Mais uma vez, você me levou a viajar no tempo e no espaço, imaginando as suas sensações e emoções, enquanto saboreava a deliciosa broa, que sem dúvida teve o sabor aumentado pelas circunstâncias!
Magnífica narrativa, Jair, como de costume!
Abraços!

Camila Paulinelli disse...

Nossa, broa eh bom demais. E adorei a história da palmeira e baixo e de cima. Muito legal.

R. R. Barcellos disse...

- Bom saber que sobrou um pouco de lenha para o forno do Sr. Augusto Zacarkim. Anotei também o telefone.
- Abraços dietéticos, amigo.

J. Muraro disse...

Gosto de broa de centeio e gostei dessa aventura que envolveu lembranças da tua terra.

Carlos. disse...

Fazer ma viagem ao passado é uma forma de reviver aquilo que formou nosso caráter, que se integrou na nossa vida, e os bons e maus momentos que, queiramos ou não, são o cimento que une os tijolos de nossa personlaide. Bom texto e, de quebra, essa descoberta do pão que o diabo não amassou. Parabéns.

Attico Chassot disse...

Muito estimado Jair,

ouvir esta declaração de um polímata como tu, agranda o elogio.

Obrigado também por ensinares também de broas a Gnomos,

Com estima

attico chassot

http://mestrechassot.blogspot.com

www.atticochassot.com.br

Anônimo disse...

Ola.meu avô viveu em Pinheiral
ele sempre trabalhou para os malucelli,pois ele foi jogador do Pinheiral Esporte Clube, time dos Malucelli se não me engano ,vice campeão Paranaense
tenho muita vontade de conheçer
a região,o nome dele era Ferdinando Gabardo.
Tenho fotos.

Sandreli disse...

Nasci, cresci e moro em Pinheiral de Baixo. Realmente nossa comunidade está bem desenvolvida e apesar das dificuldades que o trabalho com a agricultura impõe, pode-se dizer que nossos habitantes possuem uma ótima qualidade de vida.
Embora geograficamente toda essa região seja denominada Pinheiral de Baixo, o local citado e descrito em seu artigo, para nós e para a maioria dos palmeirenses é conhecido como Pinheiral dos Maluceli ou simplesmente Serraria. Atualmente é uma comunidade à parte.
Contam os mais “antigos” que com a decadência da Serraria, a igreja, a escolinha, o campinho de futebol... tudo foi transferido para um núcleo mais central aonde já moravam muitas famílias que trabalhavam com a agricultura ( onde estamos até hoje).
A região em que você nasceu continua “decrépita, arruinada, suja e feia...”, e pra piorar um pouco, está infestada por pinus, mata nativa quase nem existe mais. Parte das terras que pertenciam aos Maluceli foram transformadas em um assentamento do MST (que não deu muito certo), e o restante foi leiloado recentemente. Os moradores mais próximos da Serraria estão tentando dar “nova vida” ao local e este ano fizeram a primeira festa em louvor a São José no entorno do tanque.
Li também seu artigo “O negócio” e achei muito interessante. Gostaríamos muito que você escrevesse mais sobre suas impressões e lembranças daquela época e local, pois não temos registros escritos e sabemos muito pouco a respeito.
De qualquer forma ficamos muito orgulhosos em saber que nesta terra tão simples nasceu um este homem “alfabetizado, aeronauta, curioso, leitor compulsivo, beletrista diletante, cético, ético, estético, poético, eclético, peripatético, meio hermético, pouco fonético, as vezes profético, nunca frenético, atlético(?)” que gosta da natureza e de arte.
Se tiver curiosidade acesse o blog sobre a comunidade http://pinheiraldebaixo.blogspot.com/ .
PS- Além da broa temos outros excelentes produtos. Quando puder venha nos visitar novamente,prometo que a acolhida será mais calorosa.

JAIRCLOPES disse...

SGC,
Por favor mande-me seu endereço eletrônico para que possamos "trocar figurinhas" sobre Pinheiral de Baixo. Visitei teu blogue mais não achei local para comentar as matérias nem endereço para entrar em contato com você. Responda-me, JAIR.

Sandreli disse...

Meu endereço sgcgeografia@hotmail.com

Anônimo disse...

sr. jair, a pujança o progresso o sucesso para o bem comum são coisas que os malucelli jamais vão conhecer.

se enriqueceram as custas da submissão do povo trabalhador,foram familias abastadas e sempre pensaram no seu bem próprio as custas da exploração irracional da madeira achando que nunca iria acabar como acharam que nunca iria acabar seu poder.

pois bem tudo chegou ao fim estão acabados quebrados e mau falados e vão continuar assim por muitas gerações.

com pensamentos medíocres mesquinhos e como se referiu foram gafanhotos devastando tudo o que podiam. digo mais foram predadores vorazes veradeiros cupins.


acabaram com os 3 morros e logo foram para o pinheiral e posteriormente vieram para cidade.

e por aqui deixaram um rastro de podridão roubo incapacidade de administrar e exploração incomum do povo.tornando nossa cidade refém do poder que imperavam.

mas como a madeira tudo acabou, sua empresa em palmeira foi comprada pela prefeitura e hoje é centro empresarial com muitas indústrias, suas terras foram leiloadas para pagar dívidas, na política são meros expectadores e nunca voltarão ao poder pois o povo jamais esqueceu o que fizeram no passado ou melhor o que não fizeram no passado e como deixaram nossa cidade, nem perspectivas de futuro, sem infraestrutura sem nada literalmente.

apenas pensando em se afortunar as custas de um povo que era refém de suas idéias e suas empresas, pois nenhuma poderia vir para atrapalhar.

foram assim longos 50 anos que palmeira foi escrava da madeira com as 3 famílias poderosas malucelli, cherobins e mansani e agora podres igual madeira largada acabados quebrados e a expressão xula f... a era da madeira passou mas deixou um rastro de destruição e falta de perspectivas para nosso povo que vai levar algum tempo para se reerguer coisa que já está acontecendo.

o povo tem mémoria boa e nunca vai esquecer essa podridão que foram os malucelli em palmeira.

JAIRCLOPES disse...

Gostei do comentário de "Anônimo". É sempre bom ter o testemunho, por assim dizer, "ocular" do que aconteceu com as matas de Araucárias tão abundantes na região do Pinheiral de Baixo e adjacências. Obrigado por aditar ao meu texto tão valiosa contribuição. Só faço o agradecimento por meio deste comentário por não ter seu endereço eletrônico. Muito OBRIGADO! Jair.