Cidade longe do litoral, com acesso às praias franqueado apenas a quem dispusesse de grana, natural que os mais pobres procurassem alternativas para refrescar-se nos verões caniculares daquela Palmeira de minha infância. Os riachos, lagoas e cachoeiras existentes na região eram a opção lógica para divertimento e lazer barato. Pois bem, além dos arroios represados pelas madeireiras que havia dentro do perímetro urbano, os quais nós usufruíamos com assiduidade, existia rios de águas muito limpas mais distantes que só eram viáveis para o banho com algum planejamento. Explico, devido à distância, não se podia programar uma ida até esses locais, durante uma tarde após o término das aulas, por exemplo. Fazia-se necessário planejar num dia feriado a saída de manhã com volta já no meio da tarde porque só o deslocamento consumia quatro horas para ir e voltar, um lanche sempre devia acompanhar o banhista em tal empreitada. O rio da cachoeira do Pugas era um desses locais.
O rio do Pugas tinha esse nome porque era localizado na vila rural Pugas, toponímico que possivelmente resultou de corruptela do substantivo pulgas, visto que esses insetos seriam abundantes em tal local. Seja ou não verdade, o fato é que Pugas era assim denominado e assim ficou. Bem, o rio em si, como os demais do planalto, era correntoso de águas claras e corria sobre leito de rochas com algumas “praias” de areias muito finas e muito brancas. A cachoeira nada mais era que uma queda d’água de metro e meio de altura por uns trinta de largura que se precipitava numa espécie de piscina de fundo arenoso, onde nadávamos, havia também uma pequena praia onde tomava-se banho de sol. Rios da região caracterizam-se por correr entre morros formando vales rasos e por possuírem mata ciliar bem variada em espécies. Pitangueiras, araçazeiros e guabirobeiras abundavam naquelas matas e eram objeto de desejo da piazada nas épocas de frutas. Quero fazer uma declaração que, definitivamente, prova que a jabuticabeira é uma árvore nativa do Brasil: Juro que encontrei uma jabuticabeira selvagem naquelas matas, ainda que sem frutas, não era época. Esses rios também possuem uma variada fauna de lambaris, bagres, carás e até pitus, mas estes não eram objetos de nossas iscas e anzóis por serem muito pequenos. Feito o planejamento e os preparativos, que quase sempre incluíam varas de pescas e algumas minhocas para tentar a sorte com os lambaris, lá ia a gurizada subindo o morro da Vila Rosa, para, em seguida, descê-lo do outro lado onde havia acesso por pastos de gado até o rio. A travessia dos pastos se fazia com certo receio por causa de touros bravios que por ali pastavam, umas vezes tivemos que correr de algum daqueles touros mal humorados, nada grave, no entanto, apenas um corridão até passar a cerca de arame que delimitava o campo.
Bem, o que realmente tornava interessante o banho no rio da cachoeira, o que acabou causando a “perda da inocência” de muitos guris daquela geração da qual fiz parte, além do que já foi dito, é que as prostitutas de uma casa conhecida como “dos cedrinhos” que funcionava na Vila Rosa, costumavam, vez ou outra, deslocar-se até lá para tomar banho. A gurizada sempre contava com a possibilidade de encontrá-las no rio, porque algumas delas costumavam se banhar nuas, e isso era motivo bastante para atrair até o mais retraído piá que morasse naquelas bandas. Por surpreendente que possa parecer, aquelas mulheres queriam privacidade, e aparição de qualquer pessoa estranha fazia com que elas se recolhessem, colocassem suas roupas e fossem embora. O comportamento delas era marcado com uma pudicícia perfeitamente condizente com nossa própria criação, para nós era aceitável que ninguém gostasse de se expor aos olhos de estranhos, daí fazermos tudo para não sermos notados por elas ao tempo que as espiávamos.
Pelo que ouvi de outros garotos, a iniciação sexual de muitos foi durante os banhos coletivos das mulheres, quando alguns de nós ficávamos escondidos nas moitas apreciando as beldades; ainda que iniciação sexual fosse apenas incluí-las em nossas fantasias sensuais irrealizáveis. Confesso que a primeira mulher nua que vi na minha vida foi uma daquelas jovens, eu tinha onze anos e nunca esqueci a plasticidade das linhas daquele corpo moreno jambo bem proporcionado. A figura daquela mulher invadiu meus sonhos eróticos por meses. Contar para os adultos o que acontecia na cachoeira estava fora de cogitação, sabíamos que se vazasse que mulheres “da vida” banhavam-se nuas em pleno dia naquelas águas, estaríamos banidos de lá para sempre por nossas mães. Creio que os banhos de cachoeira foram muito importantes como rito de passagem da infância para adolescência para nossa geração naquele meio, o amadurecimento posterior veio sem sustos ou maiores surpresas as quais pudessem causar danos visíveis ao nosso comportamento frente à vida. Quero deixar minha gratidão às mulheres que, mesmo sem o saber, nos proporcionaram cenas tão inesquecíveis os quais enriqueceram nossa maneira de ver o mundo. JAIR, Floripa, 28/01/11.
5 comentários:
É isso mesmo, as "meninas" também são cultura e fizeram parte da nossa formação, mesmo que fosse como inspiração para as práticas solitárias.
O que você narrou foram momentos que, se repetidos hoje, nem por sombra teriam o mesmo signficado!
Obrigado, Jair, por mais esta viagem nostálgica!
Abraços!
Lembrei-me do norte do Paraná,quando a criançada se reunia para colher frutas nos sitios próximos...As mesmas cenas:atravessar cercas de arame farpado,fugir de cachorros,escorregar noa barrancos...Que saudades!!! A pureza...a mãe narureza...Puxa vizinho embarquei nesta viagem!luci.
- Mais ou menos na mesma época em que você se deleitava com as primeiras visões "in natura" da anatomia feminina, em Palmeira, acontecia o mesmo comigo nas praias - na época pouco frequentadas - das Flechas e da Boa Viagem, em Niterói. E na já badalada Icaraí, o maiô dava lugar ao duas-peças, para alegria da nossa turma. O biquini demoraria mais uns anos...
- Mais um belo recorte para seu álbum, Jair. Abraços.
Também na minha infância e adolescência tomei muitos banhos de cachoeira, só faltou a preseça dessas "moças" peladas que você teve oportunidade de contemplar. Gostei do texto.
Jair. Assim como voce, foi lá nessa cachoeira que vi uma mulher nua pela primeira vez. Aliás, não foi uma. Na primeira vez que vi haviam cinco mulheres que depois passaram a povoar meus sonhos por muito tempo e que me fizeram manchar muitos lençóis.
Grande abraço,
Joel.
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