José Fernandes, o Zé Diabo, é um destacado escultor da cidade de Orleans, Santa Catarina. Hoje com 80 anos, já aposentado, afastou-se da escultura, mas curte escrever como atividade lúdica. Zé Diabo ainda vive na pequena cidade e é simpático e acolhedor com turistas que, quase diariamente, o procuram para estabelecer contato com o artista afamado. Os visitantes se extasiam com a obra que Zé confeccionou: mais de 160 metros quadrados de área esculpida em pedra viva, em painéis os quais mostram desde a criação do homem até os últimos profetas do Antigo Testamento. Tive a honra ver a obra e conhecê-lo, bater papo e até ganhei um livro com sua biografia, autografado.
A arte de Zé Diabo também está registrada nas igrejas. Na capela de São Bom Jesus de Iguape, na localidade de Rio Belo, está a mais recente obra: o painel central com a crucificação, morte e ressurreição de Cristo e o altar da igreja. Detalhista, o artista mostra com orgulho as expressões do rosto de cada um de seus personagens.
Na década de oitenta, Zé recebeu subsídios de industriais da região e pode começar sua obra máxima. Primeiramente, pensava-se que o trabalho do Zé pudesse levar um ano e, para isso, os custos foram calculados. Demorou oito anos.
Bromélias, samambaias, líquens e trepadeiras se imiscuem e brotam sobre as figuras bíblicas dando-lhes uma aparência antiga como as ruínas maias do México e da América Central.
Foi então, que me lembrei da pedra. Deu certo, ela aceitou”.
O que mais entristece quem vê as obras de Zé, não é somente o fato que elas um dia desaparecerão no meio do mato, mas, sobretudo, a realidade que ele não deixou seguidores, discípulos ou imitadores, seu legado morrerá com ele. Nascido numa pequena cidade onde manifestações artísticas de qualquer natureza são como excentricidades ou aberrações, nenhum movimento de esculturismo surgiu a partir de suas obras, ele é único e ninguém o seguirá. O tempo cobrará a indiferença daquela comunidade. JAIR, Floripa, 21/02/10.
Interior da igreja de Santo Antonio decorada por Zé Diabo.
Interessante é que o escultor que se dedica à arte sacra seja conhecido por um tão pouco santo apelido, Zé Diabo. Segundo ele mesmo, seu apelido nasceu depois de um de seus trabalhos no qual aparece São Miguel Arcanjo lutando contra Lúcifer, numa antiga capela onde ele criou um diabo hiper realista assustador com chifres, tridente e tudo mais. Para os paroquianos, Zé só podia ter algum acordo com o Demônio para criar obras tão belas e, ainda, colocar o próprio dentro da casa de Deus. O apelido pegou, e Zé sente certo orgulho dele, embora seja um homem temente a Deus e caridoso. Nascimento de Jesus
A história artística de Zé Diabo começou quando ele, filho de cortador de pedra, auxiliava seu pai numa pedreira próxima ao rio Tubarão. Desenhista intuitivo exímio e religioso praticante, Zé olhava para o paredão de arenito à margem esquerda do rio e imaginava esculturas colossais, como as do Egito antigo, que contassem a história bíblica. Depois de terminar o ginasial, Zé foi contratado para pintar paredes e cenas sacras nas igrejas e capelas da região, coisa que fazia com prazer, mas sempre pensando nas esculturas que queria criar. Na década de oitenta, Zé recebeu subsídios de industriais da região e pode começar sua obra máxima. Primeiramente, pensava-se que o trabalho do Zé pudesse levar um ano e, para isso, os custos foram calculados. Demorou oito anos.
Os Profetas
Zé, hoje, está meio desiludido pelo pouco caso que a comunidade Orleanense dá a sua obra prima, as esculturas estão sendo tomadas pela natureza e não recebem a menor manutenção, lamentavelmente. Bromélias, samambaias, líquens e trepadeiras se imiscuem e brotam sobre as figuras bíblicas dando-lhes uma aparência antiga como as ruínas maias do México e da América Central.
A Arca da Aliança
Essa retomada da natureza sobre aquilo que já foi selvagem, embora seja normal, em nada contribui para melhorar a criação humana, pelo contrário, o que o homem criou um dia reverterá para o meio de onde se originou. É uma lei que não pode ser revogada, apenas retardada sua aplicação. Zé, conformado, reconhece que sua obra maior um dia será apenas lembrança, um dia a natureza recuperará o espaço que dela foi roubado.Passagem do Mar Vermelho
Autodidata, Zé desenvolveu suas técnicas de desenho, pintura e escultura em duas dimensões, como ele mesmo diz, mas agora se dedica apenas a escrever algum conto, alguma crônica e “causos” ouvidos, mas, dentro do que ele escreve, às vezes, vislumbra-se a definição de sua busca pelo meio de expressão que mais usou e que o consagrou como artista: “Tentei escrever na areia, não deu certo, a onda apagou tudo. Tentei na água ela não aceitou, engoliu todas as vírgulas e pontos de interrogação. Experimentei no papel, mas ele se recusou dizendo que nele só escreviam pessoas letradas, e eu não era. Pensei então em escrever no ar, mas este é invisível, logo não se veriam as letras. Então recorri ao fogo, mas ele foi cruel e queimou tudo. Comecei a ficar desesperado, eu tinha que escrever algum recado para o povo, eu sentia que era preciso. Foi então, que me lembrei da pedra. Deu certo, ela aceitou”.
Zé Diabo e eu na sua casa em fevereiro de 2010.
O que mais entristece quem vê as obras de Zé, não é somente o fato que elas um dia desaparecerão no meio do mato, mas, sobretudo, a realidade que ele não deixou seguidores, discípulos ou imitadores, seu legado morrerá com ele. Nascido numa pequena cidade onde manifestações artísticas de qualquer natureza são como excentricidades ou aberrações, nenhum movimento de esculturismo surgiu a partir de suas obras, ele é único e ninguém o seguirá. O tempo cobrará a indiferença daquela comunidade. JAIR, Floripa, 21/02/10.
19 comentários:
Tio
Obrigado pelas considerações e divulgação do trabalho e dedicação deste artista Zé Diabo. Lembrando que as esculturas do Paredão (de Orleans e não as do BBB) foram ergidas onde passavam linhas férreas (FTC Ferrovia Tereza Cristina) que carvão eram encaminhados ao Rio de Janeiro na época do Império. Lembrando também que território de Orleans era da família Imperial Brasileira, de Tereza Cristina e Conde d'Eu.
Saudações
Saulo
Quero agradecer sua amável visita em meu blog, é sempre uma alegria.
Li suas postagens, muito oportunas, informativas, gostei muuito, continue trazendo assuntos legais para nosso conhecimento.
abraços.
Pessoas únicas como ele nascem, vivem e morrem sozinhas. Um discípulo poderia se inspirar nele, mas jamais substitui-lo. Sorte tem você de ter conhecido uma pessoa desse calibre pessoalmente. Eu infelizmente ainda não tive essa oportunidade rs
Abraço Jair
Jair, estes artistas que você nos apresenta mereciam mais divulgação, pois eu os desconhecia totalmente.
Ao escultor Zé Diabo resta um consolo: provavelmente, suas esculturas serão alguns dos únicos vestígios culturais que restarão da nossa civilização, quando a mesma for extinta, já que sua obra é feita na pedra.
A VIDA É ASSIM: PESSOAS IMPORTANTES SÃO ESQUECIDAS!PESSOAS QUE DEVERIAM SER ESQUECIDAS, SÃO LEMBRADAS DIA E NOITE PELA SOCIEDADE CAÓTICA E SUPERFICIAL EM QUE VIVEMOS. TALVEZ MERECEMOS TUDO QUE VIVEMOS, POIS NUNCA FIZEMOS POR MERECER.
JALMO
Muito Interessante as obras do Ze..
Maria da Graça Andreeoli Marcico 9Nina)- jornalista
Tive o prazer de conhecer o escultor Zé Diabo, quandofui morar em Lauro Muller, a trabalho.Antes de lá me instalar, morei em Orleans por 06 meses. Isto no ano de 1986.
Zé Diabo é admirável por sua inteligência, inspiração e fé em Deus. Ao esculpir fatos bíblicos, ele expôs ao mundo o seu amor a Humanidade. Que Deus o abençoe sempre.
Oie, faço Pedagogia na UNESC e quero fazer um artigo para apresentação de um seminário no curso sobre as esculturas de Zé Diabo, mas precisava entrevistá-lo como posso fazer isso. será que preciso marcar um horário com ele, poderia me ajudar?
qual o endereço da casa dele? gostaria de bater um papo com ele.. até mais
Caro Lucas,
Não tenho o endereço do Zé Diabo, contudo, a cidade de Orleans é tão pequena que é só perguntar para qualquer vivente daquelas paragens ondo ele mora, que todos sabem. Abraços, JAIR.
Olá parabéns por aqui deixarem Zé Diabo em distaque .Pois me revolta saber que alguém de um talento incrível não esteja e tenha seu lugar de destaque e merescimento de honras pela própria cidade de Orleans abraço a todos e deixo aqui meu recado sou apresentadora de um programa e em breve quero gravar uma bela matéria com esse nosso artista .
Por muitas vezes tive a oportunidade de houvir grandes elogios ao mestre Zé Diabo.Por esta maravilhosa obre de um verdadeiro mestre.Mas minha indignação é que um dia vai desaparecer,mas será que nesta região não tenha um politico ou alguns empresarios que se interessem a presevar esta maravilhosa obra ou este só pensem de votos ou dinheiro.
Euclydes Mirandola
Por muitas vezes tive a oportunidade de houvir grandes elogios ao mestre Zé Diabo.Por esta maravilhosa obre de um verdadeiro mestre.Mas minha indignação é que um dia vai desaparecer,mas será que nesta região não tenha um politico ou alguns empresarios que se interessem a presevar esta maravilhosa obra ou este só pensem de votos ou dinheiro.
Euclydes Mirandola
Oi... Um honra poder ler e apreciar depois de 20 anos, isso mesmo, tempo o bastante para ficar triste, ao saber que a Prefeitura não deu a devida atenção a este artista e sua arte criada. Quando estive no local, passava férias com meus pais, em Criciúma, na casa da minha família, por parte de mãe, nos levaram para conhecer essa obra. Lembro-me de ter tirado fotos nas cercanias e ou bases que ele mesmo criou para dar continuidade ao seu trabalho.
Esse seu post, me fez voltar no tempo, um tempo maravilhoso da minha vida, onde pude viver intensamente a ponto de não esquecer cada segundo daquele ano de 1992...
Abs
Jayson Braga - jaysonbraga@hotmail.com
Obra faraônica. Precisa maior divulgação como patrimônio nacional. Ao chegar em Orleans, o local é bem sinalizado e de fácil acesso. Como turista, senti falta de mais informações sobre a obra e o autor no local. Tive que procurar na internet e esse blog foi esclarecedor. Sou vizinha (gaúcha) e fiquei surpresa tamanha grandiosidade e beleza. Há uma falha de marketing. A imagem da Serra do Rio do Rastro deve estar ligada diretamente ao Zé Diabo.
Jair, parabéns por sua reportagem a este grande homem.
Resido atualmente em Videira-SC, mas sou natural de Orleans, onde vivi por 20 anos. Conheci o Zé Diabo, e toda a sua família, e tive o privilégio de vê-lo trabalhando, esculpindo as pedras ao alto do andaime, ao qual, também tive o prazer de subir, e vê-lo pessoalmente, trabalhando, de perto.
Sempre lamentei o abandono daquele lugar, inigualável diga-se de passagem, pois não há nada parecido com aquelas obras. E o que deveria ser um ponto turístico, verdadeiro cartão postal da cidade, sempre foi desprezado pelo poder público. Logo Orleans, que em seu lema, diz-se a Capital da Cultura... Pasmem !
Infelizmente vejo que a ARTE é desprezada em todos os seus segmentos. Vincent Van Gogh nunca vendeu um quadro em vida, e morreu como um louco ! Diversos outros, não tiveram o reconhecimento merecido, a altura, como Mozart, Aleijadinho, e muitos outros. Infelizmente, é depois de morto, que é dado o devido valor. Tenho certeza que depois que isso acontecer, haverão movimentos em memória do artista, associações, exposição permanente, etc... Mas pergunto....por que não agora ? Em vida ?
Também é um tanto triste saber que o projeto dele, previa transformar todo o rochedo do paredão em arte sacra, mas o trabalho teve que ser interrompido na época por falta de apoio financeiro, principalmente pelo poder público... Um projeto literalmente barato, pela grandeza de seu retorno social e cultural !
De qualquer forma, agradecemos todos ao Zé Diabo, pelas obras lindíssimas que ele deixou ao povo. Que independentemente do reconhecimento, mais vale a sua intenção e a imortalidade que deixará de suas obras.
Ao mestre, certamente todo o povo Orleanense, agradece.
ME CHAMO ROSA GOULART.
GOSTARIA DE COLOCAR PALAVRAS SIMPLES, POIS OS TURISTAS SÓ VÃO A ORLEANS PARA VER A ESCULTURA, É O ÚNICO CARTÃO POSTAL DA CIDADE.....O PODER PÚBLICO RECEBE VERBA, E TEM QUE SER INVESTIDO NA CULTURA, É UMA OBRA PRIMA DA CIDADE...
Eu sou de Orleans, meu nome é Karla Christiane Hammerschmidt Wolk e moro em Florianópolis desde 1980. Eu vi o Zé diabo esculpido está grande obra de arte a céu aberto. Realmente ele é um grande artista. Também o conheci pessoalmente, mas infelizmente o poder público de Orleans não valoriza a cultura e nem a história de nossa cidade. É uma vergonha, pois tem Universidade em Orleans e não tem ninguém que lembre que esse paredão faz parte da história da cidade. Fico muito triste quando vejo uma obra de arte que deveria ser sinônimo de orgulho para nossa cidade estar sendo deixada de lado por descaso do Poder Público. Obrigada Jair
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