Stradivarius é o
nome que se dá a instrumentos de cordas, particularmente violinos, fabricados
entre os anos finais do século quinze e o princípio do século dezesseis por
membros da família italiana Stradivari.
O membro Stradivari mais reconhecido é Luthier
Antonio Stradivari, cujos violinos, de excepcional qualidade de som, hoje
costumam valer até centenas de milhares de dólares em leilões. Estima-se que
ainda existam em torno de 600 exemplares dos mais de 1100 que foram fabricados
entre 1664 e 1737, e é uma prova não só da qualidade dos instrumentos, mas de sua longevidade também.
A qualidade do som
produzido por um legítimo Stradivarius é, segundo músicos e fabricantes de
instrumentos de corda, decisivamente irreprodutível em nossa época, embora a
tecnologia e os materiais mais variados estejam à disposição dos que se dedicam
a esse mister, qual seja, reproduzir um “clone” ou um “cover” do tal
instrumento.
Sabe-se que as
madeiras mais usadas na confecção de instrumentos como violas, violões e
violinos são abeto, bordo, ébano e salgueiro, todas
ainda disponíveis em nosso tempo. O tampo superior desses instrumentos, quando
de qualidade, é feito de abeto. O bordo, usa-se para o tampo inferior, as
laterais e o braço. E a estrutura toda é reforçada por dentro com salgueiro. Por último, nas cravelhas e no
ponto utiliza-se ébano cuja
densidade é maior que um, isto é, afunda na água. Nada misterioso, portanto.
Então, neste mundão
velho de guerra muitos, mas muitos mesmo, fabricantes de instrumentos se
dedicam, há décadas, em refazer ou reproduzir um Stradivarius com seu som inimitável,
sem sucesso. As mesmas dimensões, o mesmo desenho, o mesmo verniz, as mesmas
madeiras, até aproximadamente as mesmas colas e mesmas técnicas de fabricação
têm sido usadas, mas os resultados não estão a altura do dispêndio de energia e
talento imitativo empregados. Talvez desde a colheita da madeira; do local em
que eram selecionadas as árvores; a idade das árvores,; a maneira com que a
madeira era posta a secar; o tratamento à sombra que essa matéria prima era
submetida. Muito há a ser descoberto sobre os métodos de envergar as tábuas;
manejar as prensas, outras ferramentas etc. Há certo mistério, há algo que se
perdeu nos desvãos do tempo, há algo irreprodutível num legítimo Stradivarius. De certa forma está
explicado porque tais instrumentos são tão cobiçados e tão caros.
O fato é que se
alguém for detentor de um Stradivarius, mesmo danificado pelo tempo, está com
burro na sombra, isto é, está de posse de uma possível pequena fortuna.
Pois então, nos meus
verdes vinte e dois anos de idade, morei numa casa de “pensão para rapazes
solteiros” em Canoas no Rio Grande do Sul. Era o que costumavam chamar de
república de estudantes, embora poucos fossem os moradores estudantes, a
maioria era de empregados na indústria e comércio, e militares de baixa
graduação solteiros, vivendo longe de seus núcleos familiares. No Casarão em
que vivíamos – que era um decrépito casarão assobradado bem antigo – existia um
porão meio sombrio e quase inabitável, onde a dona do pensionato guardava
tralhas. Desde colchões e camas a serem utilizados nos quartos, até alguns
móveis e baús velhos cheios de coisas imprestáveis.
Num ensolarado
sábado de manhã, dona Custódia – que esse era o nome da senhoria – pediu que eu
e mais dois membros da comunidade a ajudassem a limpar um pouco o porão e a
jogar alguma coisa fora. Na azáfama de revolver aquele quase entulho íamos
perguntado à dona Custódia o que se poderia jogar fora e o que não. Ao abrir um
dos baús que continha algumas roupas roídas por traças, um candelabro de sete
braços (menorah?) e outros bagulhos, encontrei um violino bem velho, meio
danificado, sem cordas e sem arco, mas com certos ares de nobreza decadente.
- Dona
Custódia de quem é esse violino?
Ela me informou que
o instrumento havia chegado da Europa quase cem anos antes e que pertencera a
uma ancestral (avó, talvez?) sua que o tinha herdado do pai dela que era um músico
judeu de certo talento. E mais não disse.
- A senhora tem algum interesse em guardá-lo
ou também será descartado?
- Não vê que é apenas um traste inútil sem
valor algum? Jogue-o no lixo.
-Posso ficar com ele?
-Pode, mas não sei o que de bom lhe trará
guardar esse instrumento que nem se você soubesse tocá-lo serviria para alguma
coisa, leve-o! Isso é lixo!
Em 1968 saí de
Canoas porque passei para uma escola militar em Guaratinguetá no estado de São Paulo.
Daí que meu maltratado violino, sem arco e sem cordas, acabou sendo levado para
Palmeira onde moravam meus irmãos. Ficou num sótão por uns tantos anos até que
um dia lembrei dele e o trouxe para minha casa em Florianópolis. Encontrava-me
casado e morando em Floripa. O violino fez parte da decoração da casa até
alguns dias atrás. E, devo dizer, sempre gostei muito daquela peça antiga, não
sei porquê.
Agora em 2014, vendo
um documentário no History Channel,
descobri que um Stradivarius
autêntico possui algumas características internas – marcas sutis, na verdade, -
que o distinguem de quaisquer imitações ou cópias posteriores. Seguindo as
dicas do programa, peguei meu violino da prateleira e, minuciosamente, até com
uma lupa e um espelhinho, observei todos os pontos que deveriam ser descobertos
para constatar se é uma das maravilhas da genialidade humana, ou uma fraude.
Estou mesmerizado e
incrédulo até agora com o que vi... Não tenho mais nada a dizer...
De um lugar qualquer
do Planeta, 30 de Março de 2014.
JAIR.
Parou logo agora? Não contou mais! Você tem um Stradivarius?? Nossa... e não sabia!
ResponderExcluirQue história fantástica, os melhores violinos do mundo!
Que bom que voltou a esse blog!São histórias muito curiosas que você posta aqui.
Abraços!
Olá Jair!
ResponderExcluirObrigada por partilhar essa bela história acompanhada da fotografia dos protagonistas.
Um beijo e feliz Semana Santa.
Ai caramba...é, ou não é um Stradivarius autêntico????
ResponderExcluirPelo que vejo, meu amigo é o feliz proprietário de um instrumento de valor apreciável, que lhe caiu no colo graças ao desinteresse da velhinha, que o classificou de lixo!
ResponderExcluirEm boa hora fostes ajudar na limpeza do tal porão, do contrário esta peça rara estaria agora decomposta e enterrada em algum aterro sanitário!
Bom te ver de volta, Jair!
Abraços!
Uma relíquia, um tesouro,e uma boa poupança que vc fazia sem saber né Jair!?? rs. Ótimo texto.Abraços!!
ResponderExcluirE que viu ? O segredo do fabrico desses famosos violinos? rrsss
ResponderExcluirViva o 1º de Maio e saudações para si
Pô cabo velho, quero saber o final, é ou não é.
ResponderExcluirAbração
Fabio
Muito bom!
ResponderExcluirGus